O passageiro da bruma
O fio que te manteve suspenso, durante tantos anos,
naquele canto carinhoso e doce, onde as trombetas soavam continuamente, e que só
a tua maravilhosa família ouvia, quebrou e tu partiste… Fosse ou não o teu dia,
a hora marcada, tal como um recém-nascido, um anjo de branco vestido levaste na
bagagem a minha grande amizade, a consideração e respeito de um irmão, de um
maravilhoso companheiro que nos lindos horizontes ensolarados me acompanhaste,
mantendo a grandeza de quem é íntegro, fiel, aprazível, parcioneiro respondendo
sempre presente nos bons e nos maus momentos, de uma vida que poderíamos apelidar,
de ingrata, injusta e até malvada, cruel, mas de que serviria? A cabecinha
perdeu um pião e a roda nunca mais se formará… gostaria tanto poder guardar
apenas as recordações onde a magia do prazer resplandecia! Aquelas meninices que
nos transportavam ao êxtase! Os teus e os meus manifestos agastamentos nos
jogos de sueca naquele que sempre foi o nosso café predileto! Aqueles repastos
copiosos servidos e confecionados com orgulho e prazer! Mas infelizmente não consigo. Sinto roer-me o coração, e ontem
na igreja, o sofrimento sufocou-me terrivelmente ao ponto de suspender o lacrimejar…
abri a boca para soltar um grito de raiva, e o som perdeu-se abafado e rouco
junto do caixão que te servirá de barco para outros mares. Não te levei flores
porque também elas perderam o perfume e a beleza que os teus ternos olhos
gostavam tanto de saborear. Digo-te um simples adeus, pois rever-nos-emos nas
lindas recordações, à sombra do passado, à beira das águas cristalinas que
correram e nunca mais voltarão.
Nota: este
texto é também dedicado a outras pessoas da terra, portadoras da mesma doença,
vitimas do destino, ou simplesmente, marcadas não se sabe por quem.