A viagem das tormentas…
Foi nos anos 70, no princípio do mês de Agosto, aguardado
pelos Emigrantes com grande ansiedade, ao ponto de se contarem os dias que
faltavam com a aproximação…
A noite que antecedeu a partida, passei-a a “contar as
estrelas”, como se costuma dizer; no dia seguinte, levantamo-nos para afinar os
últimos preparativos. Era mais uma prenda para fulano, familiares ou amigos a
quem se deviam favores… chocolates, rebuçados, uma peça de roupa, o que pudesse
satisfazer os desejos daqueles que nos esperavam à distância de 1400 km, com
saudades e uma lágrima ao canto do olho, manifesto de felicidade. Os trocos
amealhados ao longo do ano eram retirados do “pêto” para acrescento da quantia
reservada especialmente para as (vacanças) férias, não tocando nas economias
depositadas nas raras instituições bancárias Portuguesas, creio só existir
mesmo uma, junto da grande e bonita praça da Opera, de nome: Banque Franco
Portugaise, na rua du Helder em Paris.
O Henrique e o Ezequiel tinham comprado carros novos; o primeiro um Ford Capri e o segundo um
Peugeot 204 a gasolina. Os passageiros, cinco para cada carro, familiares e
amigos, encheram as malas com bagagens, colocando as restantes nos suportes
instalados provisoriamente no “telhado” (teto), excedendo o peso recomendado,
sendo também o volume fator de risco para longas viagens. Porém, a necessidade
e a excitação sem ponderação, levaram-nos a carregar e levar para a nossa
terra, bagatelas hoje sem importância, e que nestes tempos faziam a felicidade
da gente humilde.
Por volta das 5h da tarde desse dia fatídico, entravamos na
estrada nacional 10, passando pela porte de S. Cloud, pont de Sevres, e por aí
fora, direção: Portugal. Anunciava-se uma noite medonha de nevoeiro e chuva,
com o desaparecer do dia… estávamos chegando à Ville de Tours, onde paramos,
para arejar, ir aos quartos de banho, e descansar, sobretudo os condutores,
cuja tarefa não lhes estava sendo facilitada com os engarrafamentos e as
condições atmosféricas. Bebemos um café, fumámos um cigarro e toca a andar,
porque o tempo, com a pressa de chegar, era como ouro em pó que o vento poderia
levar!
De salientar a grande circulação nesta estrada nacional em
tempo de férias, sobretudo pelos Portugueses, e gente oriunda dos países Árabes
cuja travessia se fazia de Espanha. Impõe-se referir também o mau estado das
estradas e dos automóveis que neste tempo por lá circulavam.
Entre Poitiers e Angulême,
por volta das 01 horas, quando os dois automóveis que se seguiam, tentavam uma
ultrapassagem pela via central, apareceu, subitamente, e sem sinalização, um
corte na via… o Ford foi obrigado a travar bruscamente não podendo retomar a direita, e o Peugeot tentou também, mas não
conseguiu e foi embater violentamente na retaguarda do que o precedia. As malas
saltaram, e nós no interior, sem cintos, conseguimos escapar com a graça de
Deus ao que poderia ter sido uma tragédia mortal apenas com ferimentos ligeiros.
Um reboque de pronto socorro apareceu imediatamente como por
magia – soube-se mais tarde ser o responsável do corte da estrada - conduziu-nos à oficina da qual era
proprietário, onde nos administrou os curativos sem ser necessário ir ao
hospital, e ordenou-nos de esperar a abertura do oficina para reparar o Peugeot,
podendo o Ford seguir viagem embora com a retaguarda amassada.
Dormimos nos automóveis e comemos da merenda que trazíamos,
e só por volta das 16h continuamos viagem. Tivemos ainda outro percalço já em
Espanha onde o Peugeot foi também abalroado na retaguarda, com menos gravidade,
mas a nossa viagem durou dois dias e duas noites, aliviados ao chegar a casa,
embora com os carros novos todos amassados, mas felizes com o reencontro das
pessoas e da terra que amávamos.