quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

DEIXA-ME SEGUIR PARA O MAR

DEIXA-ME SEGUIR PARA O MAR

Tenta esquecer-me…. Ser lembrado é como evocar-se um fantasma…

Deixa-me ser o que sou, o que sempre fui. Um rio que vai fluindo…

Em vão, em minhas margens cantarão as horas, me recamarei de estrelas como um manto real, me bordarei de nuvens e de asas, às vezes virão em mim as crianças banhar-se…

Um espelho não guarda as coisas refletidas,

E o meu destino é seguir… é seguir para o Mar, as imagens perdendo no caminho…

Deixa-me fluir, passar, cantar…

Toda a tristeza dos rios é não poderem parar!

Mário Quintana (1906- 1994)Tenta Esquecer-me



Quem escreve sem tremer e quem treme para não ver, caminhar pelo caminho traçado, descalço, despido obrigado, como quem nasce condenado, a viver a vida sem brilho, sem pedir para nascer. Ergue aquele olhar já cansado, e de coração desesperado, caminha uns passos mais, mas tão grande é o devaneio que aqueles pés tanto odeiam, já sem forças cai no chão como um ninho de pardais. Quem nasce assim desgraçado, não tem sonhos, não tem nada, somente a poeira da estrada, e uma parca caminhada, que a mente vai alimentando, com migalhas desmioladas, pelos que nunca lhes faltou a mesada.

Por tantos caminhos incertos, corre este rio para o mar, como correm os humanos, até onde puderem chegar.

AB
 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Metade


 METADE


Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer;
Porque metade de mim é plateia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

Oswaldo Montenegro