sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

KOUZAS E LOUZAS


Na casa dos meus avós paternos, grande, construída com (cantaria) granito, antiga, velha mesmo, a qual, segundo os antepassados, teria sido das mais abundantes da Aldeia, não fosse a má gestão e o vicio dos jogos, que levou os proprietários à ruína, havia um grande forno onde coziam 23 pães centeios, uma “tulha” e duas grandes arcas onde era metida a farinha para as ocasiões, logo à entrada, ates do longo e largo corredor que conduzia à sala, e aos quartos, escuros, para onde jamais me aventurava ir enquanto puto, com os meu 6/7 anos.

Era na cozinha, de grandes dimensões, cujo desenho arquitectural remontava a muitos anos atrás, sobretudo junto da grande lareira, com estrefegueiro de ferro trabalhado e preparado para colocar em cada extremidade erguida, uma malga do caldo para não arrefecer, ladeado por dois grandes “escanos” de onde baixava uma mesa construída para cear ao calor de regresso das tarefas árduas do campo, á luz da cadeia a petróleo, junto da fogueira de carvalho velho, que me sentia mais ou menos à vontade; embora sempre de olho no meu avô, um homem rude, alto e forte, que receava como a peste… toldava-se lá para a tasca, na jogatina do “chincalhão” ou sueca, na batota se tinha dois tostões nos bolsos… quando voltava para casa, já com uns quartilhos de vinho no bulho, permitia-se de tudo o que era maquiavélico, espancar a esposa, ou até mesmo uma vez que dois amigos o acompanharam a casa, por já não se manter em pés, logo que estes saíram de sua casa onde o deixaram com a ideia de terem feito uma boa acção, a malvado pegou na “escupeta” (arma de caça) e disparou dois tiros pela janela da sala. Conheci-os aos dois, mas nunca me afeiçoei, a nenhum, por razões óbvias, de falta de carinho, por falta de tempo, ou porque talvez naquele tempo, tinham tantos netos que esgotavam esse sentimento…
Num desses anos caiu um nevão que a porta da nossa velha casa, trancou por fora, e o meu pai foi obrigado a cavar um túnel para aceder à fonte, quando de manhã, nos levantamos. Também os gados foram conduzidos para terras quentes, para não morrer de fome.
Para nós quando, foi possível sair de casa, foi uma alegria, escorregando pela neva e pelo gelo, nas poças públicas onde o “carambelo” gelo de rude espessura o permitia. Um rapaz mais velho, filho do carpinteiro, construiu uns “skis” esquis de madeira e foram para uma encosta praticar, mas voltaram de lá todos marcados, pois uma vez embalados não era possível controlá-los e iam parar aos lameiros ou contra uma carvalheira.

Os quatro anos seguintes, na escola primária, com duas salas, uma para os rapazes, outra para as raparigas, foram apesar das dificuldades financeiras de meus pais, passados com uma rapidez alucinante. Gostava aprender, brincar, e sobretudo reunir-me com os outros putos. Os Professores eram rigorosos, e os alunos comportavam-se bem com excepção para dois ou três mais rebeldes… aprendiam-se as serras de Portugal, os rios principais onde nasciam e desaguavam… as províncias, e as linhas de caminho de ferro de norte a sul… fracções, reduções, de pesos, medidas… redacções sem erros e com os assentos nos devidos lugares, num português derivava do latim ou do grego, e não do brasileiro, nem telemóvel inteligente, não esquecendo as palavras de origem estrangeira que estão hoje na moda… as palmatoadas e a varinha de marmeleiro, faziam milagres… aprendia-se a tabuada a cantar, e decorava-se sem ser preciso recorrer às máquinas que talvez ainda não existissem? A leitura dos autores dos livros de terceira e quarta classe, era um regalo e grande incentivo, que ainda hoje pessoas da
 terceira idade sabem, e procuram nos poemas e nas leituras quotidianas. A geografia e as ciências naturais, sobretudo o corpo humano eram aprendidas do crânio até às unhas dos pés… também a braseira fazia parte integrante e preponderante na sala de aulas, para aquecer as mãos em dias muito frios de inverno. Não quero com este relato pretender o que quer que seja em relação ao ensino e aprendizagem de hoje e de outrora… os tempos evoluíram como é lógico, para bem da humanidade e das gerações activas.
As pessoas, de outros tempos, não eram nem mais burros nem mais inteligentes que as de hoje… talvez mais simples? Passo a dizer porquê:
Andavam a trabalhar lá para o Catrapeiro e o adulto disse para o jovem:
- Ó rapaz estou sem mantimento… podes ir à taberna buscar-me um cartuxo de bombas?
- Mas… não é Carnaval; para que quer as bombas?
- Pregos rapaz! Kentukcky – gritou já o garoto ia longe.
O puto voltou com os pregos num cartuxo de papelão. Foi e veio a correr, chegando ofegante, e de sorriso nos lábios ia entregar…
- Mas… que trazes aí rapaz?! Valha-te S. Roque… eram cigarros…
Também o tio Amaro, um certo dia, entrou no supermercado, com um garrafão na mão, e perguntou ao rapaz:
- Tens para aí qualquer coisa que arda? Enche-me este  garrafão e deixa-o à porta que eu lavo-o e depois venho pagar… só vou dar um recado.
O puto encheu o garrafão de (gás) petróleo, e depositou-o à porta como combinado. Uma hora depois, volta o tio Amaro aos gritos, perguntando ao rapaz o que tinha metido no garrafão:
Oh desastrado… meteste-me gás em vez de vinho?
Perplexo, confuso, mas soltando gargalhadas, o rapaz contou no café o sucedido, e todos os presentes vieram à janela ver a cara que fazia o tio Amaro.
Um certo dia, tinha eu uns 12 anos e andava a aramar estrume em Vale-da Frunha, e o tio Bernardino então caseiro do P.e lavrava. Estava um calor de abrasar, mas, eu, trazia sempre o casaco vestido, ( à calaceiro) como dizia sempre com ar traiçoeiro, este homem. Verdadinha que não me apetecia muito farejar aquele cheiro, contudo, com voz arrogante perguntei:
- Onde está a espalhadora? (espalhadoura)
O lavrador soltou um assobio e as vacas estancaram; e, voltando-se sorridente para mim disse:
- Está naquele “muntão” de tijolos…
Dirigi-me para lá, lentamente, a pelo menos 1 000m dali, dei volta , uma duas vezes, e nada. Levantei a cabeça e gritei:
-Aqui não está…
O malandro partia-se a rir, enquanto eu cabisbaixo, voltava para o prédio, humilhado e ferido no meu orgulho, revoltado por não ter compreendido o que era óbvio.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

CONGRATULAÇÔES


NOTA
Gostaria deixar aqui os meus sinceros agradecimentos aos quase 34.000 visitantes que honraram esta página com centenas de partilhas de algumas publicações, nomeadamente as tradicionais da nossa região.
Como se pode virificar no gráfico das estatísticas, dois anos e poucos meses de existencia, este blog. é considerado bom com média de 1210 visitantes mensais
Noticias gratificantes que compartilho com voçês.

Testemunho sentido

Passei ontem pela casa do meu amigo… foi mais uma visita esporádica, mas, profundamente sentida. Prostrado naquela cama, há já cinco anos, adaptada às necessidades facultativas, num quarto com muita luz, cujo conforto, sua esposa vela atenciosamente dia e noite, como uma sentinela no seu posto de guarda, os seus olhos brilham como estrelas cintilantes, quando sente que alguém vem visitá-lo, mas sobretudo ao afago da cônjuge e filhos, oriundos de Murçós, visivelmente cansada, talvez mesmo exausta, embora não manifeste quaisquer indicio que possa justificar tal julgamento, pelo contrário, vai buscar forças não se sabe onde, fala dele com tanto amor e carinho, tal uma dedicação e fidelidade a Deus, que por obra da fatalidade predestinada, carregará o seu fardo, enquanto essa luz permanecer acesa… aquele rosto guarda a mesma suavidade aparente, embora se tenha desvanecido o sorriso nos lábios, matreiro ou simplesmente terno, quando ambos, em tempos da nossa juventude, fazíamos o que não devíamos, passando inconscientemente por cima do que fosse suposto protocolar, estravagâncias da juventude, momentos conviviais que guardarei para sempre num canto sencível da minha memória… batimentos rituais que os nossos corações humildemente acatavam o sentido da responsabilidade, conjugados com a alegria de viver, o ardor benevolente, e a sensibilidade familiar, mesmo não tendo sido reconhecida pelo progenitor.
Deixei-o com uma lágrima no canto do olho, que discretamente voltou ao:  “esquecimento de um lenço”… e no caminho, de volta a casa, refugiado no silêncio, exprimi mentalmente o que realmente me ia na alma… uma revolta terrível… uma inconformação doentia… pensamentos horrorosos de discórdia, de injustiça ao ponto de pôr em causa a crença e os valores que me foram inculcados. De vez em quando, passava pela minha mente, apressadamente, um tênue de lucidez trazendo-me de volta ao realismo que faz de tantos mártires a sua vítima…a noite começava a cair, e as árvores que ladeavam a berma da estrada, desapareciam na fluidez da luz… a mesma que brilha durante a vida toda para alguns, mas para outros é madrasta… aparecia uma curva mais apertada, e os pneus do carro manifestavam também a inocência e a isenção de culpa… Chegava ao cruzeiro das comunidades, onde parei para acalmar os nervos que trazia à flor da pele, mas o meu pensamento voltava sempre para aquela casa. É gente boa e honesta que ali vive… não mendiga compaixão de ninguém. Também não propagam lamurios, nem sonham com desavenças. A doença de alzheimer bateu-lhe um dia à porta, tal como a milhares de pessoas pelo mundo… queria homenageá-los a todos e deixar um pensamento positivo de força e solidariedade para com todos os familiares , e pedir a Deus que lhes dê as forças e coragem necessárias para suportar este pesadelo com dignidade para com os que sofrem, e se o fardo vos parecer pesado demais não exciteis a pedir ajuda às instituições competentes, e aos benévolos de boa fé que ainda sabem o que é ter fé.
Até sempre meu amigo.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

VIVERES I


 Viveres. capitulo I
Para aqueles que gostarem de belas imagens por favor clique AQUI
O comboio proveniente de Andaye, dava entrada na Estação de Austerlitz, pela linha N.º17. Os passageiros apressavam-se a ir recuperar as bagagens aos diversos lugares, num emaranhado de confusão, ansiedade e desenvoltura, perante a admiração dos clandestinos, acostumados ao sossego, lentidão, pensando que de onde vinham, dava-se tempo ao tempo. Corria-se em todas as direcções, os Portugueses que aguardavam a chegada do comboio, acostumados aquele ritual, aproximavam-se dos compatriotas que reconheciam ainda longe no cais, e sussurravam-lhe ao ouvido: - Quer um carro?
Exerciam estas funções de motorista clandestinamente, com o seu carro pessoal, alguns já a cair de velhos, mas, era um ganha-pão fácil, sobretudo porque se aproveitavam da situação, por motivos de linguagem e dos fracos conhecimentos daqueles que chegavam pela 1ª vez a Paris. Os verdadeiros taxistas travavam com eles e a Policia uma luta constante, mas, os Portugueses são persistentes, sobretudo neste ano 1968 difícil, de greves e manifestações que marcou profundamente a economia Francesa.
Fomos abordados por vários Portugueses, que nos fizeram a mesma pergunta, mas, já vínhamos informados da falcatrua, pelo que nos dirigimos para a  fila de táxis, e o condutor veio, meteu na mala as nossas bagagens, e perguntou: - Adresse sil vous plait…
O Zé estendeu-lhe um papelinho onde vinha escrito o endereço, e o velho 404 partiu a toda a velocidade. O tempo de chegada pareceu-nos longo, por entre as lindas avenidas claras mas não se via viva alma porque era 1h30 da manhã. O Zé ainda perguntou num Francês aproximativo: - ainda falta muito?
O chofer respondeu, e percebeu-se que estávamos próximos da chegada… entrou numa ruela estreita, (Cité des Fleurs) imobilizando-se junto de um prédio Urbano de 8 andares, era o N.º 8. Saiu fora do carro e lançou um berro…  - Messieur Martin?
Só à terceira tentativa se ouviram rumores por detrás da janela do rés-do-chão, abriu-se a persiana, e apareceu o Chico em roupa de dormir, para pagar, porque nós não levávamos tostão connosco. Entramos numa grande peça, a qual servia de cozinha, sala de estar e  quarto de dormir, era o local da: “concierge”. (porteira)
Fomos levar o Zé rue des Courones, no 19em , onde vivia um primo, que o acolheu dignamente, pagando a parte que lhe cabia do táxi.
Voltamos para casa, onde comemos, e dormimos, no chão com duas mantas, emprestadas pelo Chico, para passar a noite. No dia seguinte a Maria foi visitar uns patrões, que um moço de Vilar-de-Ouro lhe tinha arranjado, como doméstica, lá para os lados de Meudon, onde ficou a trabalhar.
Tinha sido um ano drástico, e os empregadores, não admitiam pessoal, pelo que fui obrigado a permanecer junto do casal, escondido dos olhares, curiosos, que eventualmente pudessem denunciar-me aos proprietários do prédio durante cerca de um mês. Todas as tentativas para conseguir um trabalho, foram por água abaixo, contudo o Chico e a esposa nunca mostraram desagrado… tentaram por todos os meios, mas, em vão.
Entretanto, minha irmã que morava e trabalhava no “chateau” de Villechenay, começava a desesperar de inquietude… tentou por sua vez arranjar qualquer coisa através de conhecimentos dos patrões, os quais encontraram um emprego rural junto de Tours, para conduzir um tractor. Um dos amigos veio buscar-me a Orleans, e no dia seguinte fui conduzido ao meu suposto emprego numa quinta. O patrão, homem alto forte e de voz grave, levou-me para junto do tractor, um monstro como jamais tinha visto. Uma breve explicação, e 1º teste, que resultou deitar o reboque abaixo, e umas calunias vindas do patrão furioso, ordenando que descesse imediatamente. Compreendi que para obter este emprego alguém teria mentido, dizendo que sabia conduzir engenhos destes, quando na verdade nunca tinha visto nenhum. Anoiteceu, e não me sentia bem naquele lugar, nem tal emprego me convinha, pelo que através de um Português que trabalhava nesta casa, manifestei o desejo de voltar para Villechenay ainda aquela noite. Foi-me respondido que só no dia seguinte seria possível, e o meu coração apertou pela 1ª vez em terras desconhecidas, longe dos familiares, que até esta data nunca tinha deixado. A noite foi longa dentro daquele casebre frio, longe do mundo que me viu nascer, com pessoas desconhecidas e aparentemente com pouca paciência para tolerar erros… e chorei em silencio, deitado na cama vestido e calçado, aguardando que a madrugada chegasse o mais breve possível. Foi assim o meu primeiro teste à procura de trabalho por terras Gaulesas.
De volta ao Chateau, o proprietário, não viu com bons olhos aquele regresso precipitado, e muito menos a minha permanência, sem fazer nada para justificar a estadia e alimentação. Veio muitas vezes ter comigo à cozinha, onde me refugiava dos olhares indiscretos recriminadores, ao quente. O proprietário vinha frequentemente visitar-me, não por cortesia, mas para me lembrar que passava dias e dias sem fazer nada…e a minha irmã sofria as consequências… era com ela que os patrões barafustavam, e, ela, para me proteger arranjava desculpas malabaristas. Mas, a pressão, após um mês, resultou. Voltei para Paris. Apanhei o Metro e fui bater novamente a casa do Chico, que embora não me acolhesse de bom grado, não demonstrou enfado…
Era Domingo, e pela tarde, celebrava missa em português, um sacerdote pertencente à comunidade Lusófona, junto da estação de Metro Javel. Era naquele local que se reuniam e se encontravam amigos e conhecidos, para no final dar dois dedos de palestra. Mesmo sendo noviço nas andanças de Metro, decidi lançar-me à aventura, fui só para lá. E tal como se tivesse sido premeditado, encontrei-me com 3 amigos de infância, da minha terra, os quais prometeram pedir ao chefe deles para me dar trabalho na construção Civil, como servente já que não sabia fazer mais nada. Este homem vivia em comunhão de facto com uma prima minha em 3º grau. Chamavam-lhe o “pisco” nomeada que ele aceitava, e logo no dia seguinte deu instruções para me apresentar na Cidade “Les Mureaux”para trabalhar. Fiquei imensamente feliz por duas razões: uma tinha finalmente a possibilidade de começar a trabalhar; a outra iria juntar-me a pessoas da minha terra com quem passei a minha infância, sempre útil em caso de necessidade