terça-feira, 31 de maio de 2022

Passamos um de cada vez

Casos e vivencias por António Braz Pela grande avenida, que o arvoredo ornamentava, os carros deslizavam correndo apressados, como se houvesse competição para um prémio de valor fútil. As pessoas que os conduziam espiavam-se com olhares austeros, desdenhosos, prevalecendo nas suas mentes mórbidas o cetro qua alimentava egos excêntricos, animalescos, numa amazónia de torres de altitudes desmesuráveis, construídas em betão armado, à prova de mísseis lançados remotos, que destroem, matam, humilham, transformam em pesadelos, viveres triviais de paz e harmonia onde vivenciavam congregações, em terras de ninguém, mas que lhes foram atribuídas, caminhavam na mesma direção , nas duas extremidades e no centro, a hipocrisia, a honestidade e a concupiscência. Os passos pujantes e laivos deixavam vestígios discrepantes, que os diferenciavam, nos atos e nas ações. Vejamos como funciona a hipocrisia: Uma pessoa hipócrita é aquela que tem um comportamento contraditório. Basicamente, significa exigir do outro aquilo que não oferece, como respeito, lealdade, consideração. Essa atitude mostra que o indivíduo se coloca como superior, acima de todas as regras, e que se sente no direito de querer ser respeitado sem respeitar. Com a honestidade, numerosas vezes desacreditada por pessoas ignorantes, invejosas ou graxistas o debate intensifica-se prevalecendo numerosas vezes a dúvida. - A honestidade pode ser uma característica de uma pessoa ou instituição, significa falar a verdade, não omitir, não dissimular. O indivíduo que é honesto repudia a malandragem e a esperteza de querer levar vantagem em tudo. A concupiscência revela-se prioritariamente como: é o termo utilizado para designar a cobiça ou apreço por bens materiais. Se os seres humanos nasceram morrem da mesma maneira porque passamos uns sobre os outros? Ninguém se arrepende da conduta ao longo dessa estrada que nos conduz a todos ao fim.

sábado, 28 de maio de 2022

Dia de sorte 50

Dia de sorte 50 por António Brás Para Francisco era um recomeço do zero, num lugar onde não conhecia ninguém, solitariamente dentro de uma casinha, confortável preenchida com todos os requisitos familiares, que faltavam quando voltava do trabalho, ao jantar, num repouso corrompido pela falta de afeto e contato, diante de um televisor cujas imagens fluíam e os sons perdiam-se tornando-se zumbidos que ainda o desesperavam mais. Deitava-se enrolado no sofá como um sem abrigo protegido por cartões onde o receio, a fome e o frio penetravam sem pedir licença, desprezado, ignorado e criticado por quem passa e julga sem saber as razões. Na primeira noite que ali passou, foi tentado numerosas vezes a abandonar este mundo desumano, acabar de vez com o sofrimento que o perseguia e que jamais o deixaria em paz. E nas suas tentativas ouvia a voz da avó, agarrando-o pelo braço, lacrimejando, enquanto um sorriso triste, piedoso, o suplicava com forças extraídas do amor, para ter força, ser corajoso como sempre extrair as más energias e se necessário voltar para junto dele, onde as recriminações se fundem como uma bola de neve, e as belas paisagens enchem o corpo e a alma de paz alegria e felicidade. Tinha passado uma semana, e apenas o trabalho conseguia extirpar, daquele corpo moribundo, tentações maléficas. Foi-lhe lembrado que tinha uns dias de férias, mas não ficou radiante como era suposto. Já tinha ligado duas vezes para os Miller pai e filha esforçando-se em afirmar que vivia muito bem, alegre e feliz, mas quando este lhe pediu o endereço para uma visita ocasional, notou-se o embaraço que não passou despercebido àquele homem generoso, astuto, não compreendendo porque não lhe podia ser facultado o seu endereço. Francisco entrou de férias e ocorreu-lhe a ideia de ir visitar os avós. Era uma longa viagem, e com custos elevados que ele se podia permitir. Chegou de táxi à herdade já a noite começava a cair, lugar sagrado onde se sentia feliz junto das pessoas que mais amava e o primeiro ar que respirou entrou-lhe nos pulmões como um furacão. Bateu à porta e quando o avô a abriu receou o ataque cardíaco; segurou-o e abraçou-o durante longos minutos enquanto a esposa veio ver o que se passava com tanta demora do marido. As lágrimas corriam incessantemente porque a felicidade também faz chorar. Finalmente entraram e o rapaz assentou-se entre os dois para melhor poder responder às perguntas que não tinham sido feitas. Enquanto jantavam um grande silencio invadiu os aposentos. Havia um trocar de olhares, mas as respostas entrasgadas na garganta teimavam em não querer sair. Tinham envelhecido tanto os seus queridos avós! – Meu deus como o tempo passou! Pensava francisco receoso de um dia perde-los para sempre. Mas não queria tristezas. Contou-lhes todo o seu percurso nos estados unidos, e quando terminou a avó curiosa aventurou uma pergunta: - Então não encontraste por lá uma mulher para casar? - Ó mulher que indiscrição vem a ser essa? – Interrompeu de imediato o avô. O Francisco vem cansado de uma tão longa viagem e precisa de descansar. O dia amanheceu radiante tal como Francisco que depois de tomarem o pequeno almoço se preparou para uma saída pela herdade fora. - Ouve Francisco: a minha idade já não permite, e as doenças também não, mas dentro em breve chegará alguém de quem tu gostas muito e tenha a certeza que te acompanhará com alegria e satisfação. Para falarmos, tenho os meus lugares secretos onde a discrição é máxima, pelo que podemos falar de tudo o que quiseres, -- Obrigado avô, alegra-me que não tenha feito julgamentos nem esquecido a nossa última “rondonné” -- Alfredo… és mesmo tu`’ - Claro! Achas que não me pesava na consciência estares cá e não vir ver-te? Esta é a minha família. O Rúben e a Letícia meus filhos e a minha esposa Maria. - Que linda família! Venha daí esse abraço

domingo, 22 de maio de 2022

O salto

O táxi chegou, como tinha sido estabelecido previamente, eram 2h da manhã à entrada da Aldeia. Circulava apenas com as luzes mínimas para discretamente carregar o rapaz e quatro mulheres, uma delas casada, cujo marido e irmão da namorada, que viajavam com passaporte, esperariam, via ferroviária, na estação da cidade de Zamora para juntos seguirem até à fronteira francesa. Era a segunda vez que o rapaz dava o salto tendo aprendido as diretivas para não serem intercetados pela PIDE que possuía olhos e ouvidos nos recantos mais secretos do país, com os bufos (informadores) infiltrados numa população vulnerável e simples. Pagar a um passador custava caro pelo que se aventurou a fazer o mesmo percurso, economizando uns centavos. O táxi depois de pago, largou os passageiros a uma distância, mais ou menos, de 200 metros da fronteira de Calabor, onde um guia camuflado na berma da estrada cujo preço a pagar estava incluído no do motorista, conhecidos e aptos para este tipo de serviços, tomou o comando das operações, depois de os avisar gestualmente, colocando o dedo indicador na boca fechada, sinal que queria dizer nem uma palavra. Passaram, ás escuras, a uns 30 metros do posto da guarda fiscal sem percalços, supostamente também tinham sido subornados. Uma hora depois batiam à porta de uma casa já em território Espanhol e sem pedir licença entraram rapidamente onde lhes foi servida uma bebida quente. A casa estava cheia de Portugueses que como eles, no dia seguinte, foram pedir um “salva condutos” à esquadra da guardilha civil, que lhes permitia circular em território Nacional, acordo que Franco tinha feito nesse mesmo ano 1967. Surgiram problemas com uma das raparigas que ainda não tinha concluído os seus 18 anos. Porém, como o dinheiro agrada a toda a gente, a rapariga lembrou-se de tirar da carteira duas notas de pesetas, e como já tinha vivido algum tempo em Espanha, passaram-lhe o documento de circulação substituindo a data de nascimento. Ainda era bem cedo, mas como ninguém fechou olho, quando outro carro os levou até Medina Del Campo e dali seguiram viagem para Zamora para tomar o comboio que os levaria até à fronteira com a França onde tomaram outro táxi para atravessar a grande ponte, fazendo vista curta os guardas ao piscar de olho do condutor. Já não sei se era o amor que falava mais alto ou o receio de serem apanhados, porém, desde que entraram naquele carro as suas mãos enlaçaram-se com tanta força que mesmo quando chegaram, aquele olhar tímido e suave dizia o que as palavras não conseguem, mesmo as mais refinadas… - Vamos? - Dizia o irmão num tom autoritário. Mas aquela mão não se descolava da do homem que tanto amava, sacrificando tudo o que deixava para trás. Finalmente entregou-lhe um papelucho onde estava escrito o endereço, mas não era o que ela imaginou, idealizou ou sonhou, porque o amor prega-nos destas partidas, e nas encruzilhadas, segue direções opostas, ferindo na grande profundidade da alma, martirizando o corpo com contrariedades. Só se voltaram a ver tempos depois, já ela trabalhava, na rua dos Lilás, um trabalho de sopeira, mulher das limpezas, honorável, mas que jamais fez parte das suas pretensões. Quando subia as escadas do metro verificou que um jovem Português esperava alguém e surgiu-lhe a ideia que fosse a sua amada… foi ter com ela, mas verificou nela uma transformação que o penava. - Eu não quero ficar aqui mais tempo… esta não é a França que imaginava, e o trabalho pretendido. - Vais acostumar-te. No início é sempre difícil… - Uma lágrima desceu-lhe pelo rosto triste e desiludido, não eram necessárias mais explicações. Quando enveredamos por caminhos, ainda que sejam apenas sonhos, saímos sempre desiludidos. Ela queria muito mais e muito melhor para o seu viver ainda que para adquiri-los tivesse de passar por etapas indignas, lamentáveis, que o rapaz foi compreendendo com o decorrer do tempo e dos acontecimentos. Reparou ao entrar no Metro e cruzarem-se com aquele rapaz, que por certo era um pretendente arranjado pelos familiares, e a esperava, não ousava dirigir-lhe a palavra porque já ia acompanhada, e tal como o outro era um pião num tabuleiro de jogos.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

O primeiro beijo

A lua começava a desaparecer por detrás da serra cedendo o seu lugar à aurora, em tempos de verão, e em manga curta, com uma camisa de tecido barato, provavelmente comprada na feira dos Chãos, para a ocasião, era a festa da Aldeia, e os pais, mesmo sendo pobres, sacrificavam uns tostões, guardados naquela arca de grandes dimensões onde guardavam algum centeio ou farinha,(pouca) e as guloseimas, tais como salpicões chouriças, para que a filharada não fosse tentada, servindo para ocasiões especiais, aquele rapaz de 16 anos não arredava pé, petrificado ao solo como uma estátua. O arraial tinha acabado tarde, logo após a última descarga de foguetes cujas estrelas coloridas e cintilantes desciam do céu até se desfazerem, perante os olhares admirativos dos presentes, ouvindo-se aqui e ali, uns ais admirativos, ou uns “ós” surpreendentes de satisfação e alegria, à medida que lentamente cada um regressava aos seus abrigos para dormir uma boa sonata. As canas continuavam a cair com uma lentidão desconcertante, suspensas pela gravidade ou pelo ar, para finalmente se expandirem nos terrenos cultivados, telhados e lugares proibidos sem pedir autorização, nem ouvir os manifestos de desagrado, quando por acaso ateavam fogos, tarefa nas previsões dos mordomos, que chamavam previamente os bombeiros agando com o orçamento da comissão de festas. Foi uma noite inesquecível para os dois! Dançaram a noite toda enlaçados num pudor digno de respeito, mesmo que os costumados vigilantes não estivessem por perto. Os corpos enlaçados davam sinais felizes, e as palavras, poucas, mal se ouviam com o ruido do arraial. Também não eram necessárias. Um olhar meigo e terno, as mãos que apertavam cada vez mais, aquele cheiro a paixão que sempre calava tanto que havia para dizer… mas que sempre guardaram para eles, mesmo sabendo que o inevitável os separava. Dois amores que a maldita ambição de um, e a vulnerabilidade do outro separavam durante algum tempo, e o encanto os reunia novamente. Tempos antes quando ele a esperava, já noite escura e lhe perguntou; -Queres… namorar comigo? - Nunca na vida Correu para casa deixando o adolescente ferido profundamente, como um cão a quem negam um osso. Foram oito dias terríveis ecoando no seu cérebro a resposta que sangra. Porquê? Sou um miserável que se deixou embobinar pela ilusão. Mas porquê tantos sinais convergentes? Tempos depois foi-lhe entregue uma carta a explicar a resposta. Uma mulher não pode dizer sim à primeira vez porque o julgamento do pretendente pode ser o de uma mulher fácil…-Sim quero e esperei a semana toda que viesses ter comigo. Quando dois seres humanos se amam desmedidamente serão necessários costumes insensatos? Foi a noite do primeiro beijo, aquele que arrepia e faz o corpo estremecer como se mais nada existisse no mundo… o contato carnal a responder aos sentimentos profundos. O rapaz andou ao acaso, sem ver nem ouvir, apenas com o sabor do beijo maravilhoso trocado com a mulher que amava profundamente. continua Por António Braz Passados dois anos, ela tinha feito a admisão ao liceu, e com a a ajuda de familiares, instalou-se na cidade onde morava gratuitamente, alimentada, e como os pais não eram abastados, valeu-lhe o auxilio de terceiros para chegar ao 3º ano sendo demasiado extrovertida e pouco afeita aos estudos, que as más ou as boas linguas propagavam como a boémia do bairro. Tudo o que se contava por lá chegou ous ouvidos do rapaz, mas, mas o amor é cego surdo e mudo, e el amava-a apaixonadamente. Encontravam-se nos fins de semana a distancias impostas pelos familiares, que apenas davam para amortecer as sudades num troco de um olhar tédio e um sorriso onde estavam escritas as mais belas frases do mundo.Próximo dos seus desoito anos o rapaz resolveu ir tentar um viver nelhor no estrangeiro, carregando o peso imenso de se separar daquela que amava profundamente, e a probalidade de ser trocado por outro. Entretanto ela foi enviada para Lamego como formadora, e durante esse tempo, quando o rapaz voltou à terra de férias, a traição andava de boca em boca. Quem ama verdadeiramente perdoa tudo, sobretudo quando se é ricipocramente infiel, palavra que para ele não tinha significado. Os encontros secretos, presenciais, onde podiam dar asas ao desejo, e colmatar 20 anos de um namoro proibído ou apenas não desejado, com lágrimas derramadas nas despedidas, pedidos de ir viver para África, e aventurar-se a convencer os familiares de que também queri ir morar para o estrangiero onde seria acolhida pela irmã.Como já estava prevista a partida do rapaz "dando o salto", anoitecia quando veio anunciar a sua partida com, ele já com o acordo da família. Como não esperava semelhante revelação, ficou estupefato e apenas dise: A vida de emigrante é difícil e complicada, tens a certeza que é isso que desejas? Amo-te e contigo seria capaz de ir até ao fim do Mundo

O primeiro beijo

segunda-feira, 16 de maio de 2022

O pova cala as desgraças

António Bras Povo que cala as desgraças Que a pudicícia em seu tempo emalou Em casebres de fome e de frio Que a miséria em dias de egrégio alimentou Do tempestivo tempo rememoro Um passado acrômato efêmero Rio com lágrimas deleitosas, sinto frio Hasteio em cúpulas de condenados ao degredo Pais que tanto á vida deram Quem deles se lembra na velhice Filhos, netos, deixaram de ser família Opróbrio ai! Mas que grande chatice

domingo, 15 de maio de 2022

Povo que lavas no rio

Povo que lavas no rio Que talhas com teu machado As tábuas do meu caixão Há-de haver quem te defenda Que compre o teu chão sagrado Mas a tua vida não Fui ter à mesa redonda Beber em malga que esconda Era o vinho que me deste Água pura, fruto agreste Mas a tua vida não Aromas de urze e de lama Dormi com eles na cama Tive a mesma condição beijo de mão em mão Povo, povo eu te pertenço Deste-me alturas de incenso Mas a tua vida não Compositores: J. Campos / Pedro Homem De Mello O rio Azibo é um rio português, afluente da margem direita do Sabor que nasce na serra da Nogueira no concelho de Bragança perto de Rebordainhos.

sábado, 7 de maio de 2022

Manuel Luís Goucha recebeu Judite Sousa, no programa “Goucha“, da TVI, para uma conversa única e emocionante. Judite Sousa lamenta: “Muitos amigos viraram-me as costas. Não aguentaram o peso das minhas lágrimas“ SELFIE.IOL.PT Judite Sousa lamenta: “Muitos amigos viraram-me as costas. Não aguentaram o peso das minhas lágrimas“

Minha mãe mandou-me à fonte

— «Ai minha mãe mandou-me à fonte, à fonte do Salgueirinho; Ai mandou-me labar a cântara com a flor do rosmaninho. Ai eu labei-a com arena e scachei-le um bocadinho.» — «Ai anda cá, perra traidora! Onde tinhas o sentido? Ai tinha-lo naquele mancebo que anda de amores contigo.» — «Ai, minha mãe, não me bata com bara de marmeleiro! Ai que stou muito doentinha, mandai chamar o barbeiro!» Ai o barbeiro já lá vem com uma lanceta na mão, Ai p’ra sangrar a menina na veia do coração. — «Ai, minha mãe, não me bata com bara de marmeleiro! Ai que stou muito doentinha, mandai chamar o barbeiro!»

quinta-feira, 5 de maio de 2022

QUANDO SERÁ A TUA VEZ'?

O RESUMO DO QUE NOS ESPERA A TODOSMESMO AQUELES QUE AINDA CAMINHAM SEM PRESA No final da tarde fria, recebo a visita inesperada dos meus dois filhos. Um médico, outro engenheiro. Ambos bem sucedidos em suas profissões. Faz menos de uma semana da morte da minha mulher. Ainda me sinto abatido pela perda que mudou os rumos e o sentido da vida para mim. Sentados à mesa da sala da casa simples, onde moro agora sozinho, começamos a conversar. O assunto é sobre o meu futuro. Um frio me percorre a espinha. Logo tentando me convencer de que o melhor para mim é passar a viver num lar geriátrico. Reajo. Argumento que a sombra da solidão não me assusta. A velhice, muito menos. Mas, meus filhos insistem. Dizem que gostariam que eu fosse morar com um ou outro. Lamentam, entretanto, que as dependências de seus amplos apartamentos à beira-mar estejam ocupadas. Além disso, eles e minhas noras trabalham os dois expedientes. Portanto, não teriam como me assistir. Isso sem contar com os meus netos, sempre impossíveis. Em meu favor, argumento já sem muita convicção que, nesse caso, eles bem que poderiam me ajudar a pagar uma cuidadora. À minha frente, o médico e o engenheiro dizem que seriam necessárias, na verdade, três cuidadoras em três turnos e todas com carteira assinada. O que gastaria, em tempos de crise, uma pequena fortuna ao fim de cada mês. Sucumbo à proposta de ir viver num abrigo. Aí vem outra sugestão: preciso vender a casa. O dinheiro servirá para pagar as despesas do lar geriátrico por um bom tempo, sem que ninguém se preocupe. Nem eles, nem eu. Rendo-me aos argumentos por não ter mais forças de enfrentar tanta ingratidão. Não falo sobre o sacrifício que fiz durante toda a vida para custear os estudos de ambos. Não digo que deixei de viajar com a família a passeio, de frequentar bons restaurantes, de ir a um teatro ou trocar de carro para que nada faltasse a eles. Não valeria a pena alegar tais fatos a essa altura da conversa. Daí, sem dizer uma só palavra, decido juntar meus pertences. Em pouco tempo, vejo uma vida inteira resumida a duas malas. Com elas, embarcou rumo a outra realidade, bem mais dura. Um abrigo de idosos, longe dos filhos e dos netos. *Hoje, nos braços da solidão, reconheço que consegui ensinar valores morais aos meus filhos. Mas não consegui transmitir a nenhum dos dois uma virtude chamada gratidão.* Jacques Cerqueira #CM