sexta-feira, 20 de agosto de 2021

As cegonhas

As cegonhas

Quando as cegonhas voltarem

E do alto das suas casas observarem

O vazio que outras deixaram

Terras abandonadas ao desleixo

Ninhos sem vida no cúmio de um freixo

De onde viam sem desleixo

As estrelas brilhando no céu

Planícies iluminadas pelo luar

 De manhã o sol brilhante a raiar

Inundando de carinho as planícies

Que com suas longas patas trepavam

Procurando alimentos no chão

Para os amores do seu coração

Mas a solidão foi tão grande

Que levaram os filhos para outra nação

Volta agora uma ou duas, mas não encontram a razão.

António Braz


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Dia de sorte continuação


Dia de sorte por António Braz

Chegaram a casa dos avós de José tardiamente, e encontraram-nos preocupados esperando, receosos que tivessem tido um acidente. Aguardava-os ainda o jantar que aqueceram, comeram e foram todos deitar-se. José sentia-se cansadíssimo, mas dava voltas e mais voltas na cama sem conseguir adormecer. Continuava ligado às decisões que a mãe sempre tomava no seu lugar, mas desta vez esperava resolver ele próprio sem incomodar ninguém. Porém, havia tantas arestas para limar! No silêncio daquela noite deliciosa sofria o maior pesadelo da sua vida… não sabia que fazer, nem quem era, mas sobretudo o que era na realidade. Lamentava a falta de coragem para divulgar o que realmente sentia e estremecia sempre que lhe ocorria poder estar a viver num corpo errado que o pensamento transformava em mártir, naquele que por todos era recriminado, humilhado intransigentemente. Já tinha consultado vários livros especializados em sexologia sob todos os aspetos, assim como as perturbações inerentes não tendo chegado a uma conclusão axiomática para o seu julgamento que variava a cada minuto, segundo ocorrências vivenciadas e imaginárias. Ocorrências tais como: um dia sentiu-se mal com dores de ventre terríveis quando ia passando numa das ruas de uma grande cidade. Numa placa em mármore estavam estampados o nome de um médico e o seu consultório. Desta vez resolveu não comunicar à mãe, subiu as escadas até ao 1.º andar e perguntou à rececionista se podia consultar que era uma urgência? Esta perguntou se tinha marcação prévia ao que o rapaz respondeu negativamente. Ao mesmo tempo, vinha trazer à porta, o médico, uma cliente e os olhares dos dois cruzaram-se durante alguns segundos como hipnotizados. Aquiesceu que podia consultar só que era obrigado a esperar que todos os que aguardavam com marcação fossem atendidos. Quando por fim chegou a sua vez, e que o médico o mandou deitar de ventre para cima na maca para o efeito, o rapaz, tímido e envergonhado exitou, sobretudo que lhe ordenava de retirar as calças até aos pés, levantar a camisa, para melhor poder examiná-lo. – Senhor doutor é mesmo necessário?...

- Claro! Não te preocupes que eu já vi muita gente despida…

Não vou relatar detalhadamente o que se seguiu, mas este médico com os seus 50 anos, casado, mas homo, abusou da humildade de um rapaz passeando as suas mãos constantemente pelos órgãos genitais até ao extremo fingindo que o estava a examinar. Indignado profundamente, revoltado consigo próprio por não ter reagido como um cidadão exemplar, consentindo sem balbuciar palavra, desceu as escadas petrificado vagueando horas pelas ruas sem ver nem ouvir ninguém.

Era ainda bem cedo quando o galo cantou e acordou José que tinha dormido apenas uma hora, mas os pesadelos tinham entrado na sua caixinha de segredos, e o dia raiava novamente com otimismo e alegria. Foi o avô que veio chamá-lo ao quarto com um abraço fraterno cheio de carinho e amor, ao qual ele correspondia 

sábado, 14 de agosto de 2021

Quando a desgraça bate à porta

Os excluídos

Nascidos para serem seres humanos, mas, a comunidade condenou-os ao supresso julgando-os presencialmente, pelas roupas que vestiam,  pela indigência, vicissitude deplorável e ostentada mas mal disfarçada, esquecendo que todos nascemos da mesma maneira, não obstante possuir ou não ter nada onde nos possamos agarrar para não cair  na mendicidade que lentamente nos vai arrancando a dignidade e o alento abruptamente, deixando-nos desnudados sem esteio, famélicos, desvalidos, convalescentes ocasionais, subterfúgio para quem olha e não vê, porque não quer, embora finja sendo necessário alimentar aparências, fúteis, mas que contribuem para expandir o ego, a concupiscência num frenesim de festividades onde prevalece orgulhosamente a vaidade, onde os bens materiais são recorrentemente privilégios com duração vigente, porque se há justiça neste mundo igualdade e paridade está na chegada e na partida.

Eles tinham o destino marcado, tal como nós, mas indigna-me e mina-me saber, que sós, dentro de quatro velhas paredes, numa terra onde ( tout le monde est beau, tout le monde est gentil) não houve uma única pessoa que alertasse para a falta de os ter visto ainda com vida, durante três dias de agonia. Todos nós estivemos apenas preocupados em confecionar manjares grandiosos e beber uns copos na tasca que também eles frequentaram, como pobres de haveres e para muitos de espírito, o que não enaltece os procedimentos avarentos e indignos de seres humanos. Fossem eles alcoólicos ou atrasados mentais, bons ou maus, ricos ou pobres, ninguém merece ter um final de vida assim…

Para si mãe Ana que também partiu num dia destes onde quer que esteja, estará sempre no nosso coração

 

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Recordações


As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Meu Deus como é bom morar
Modesto primeiro andar
A contar vindo do céu
As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Meu Deus como é bom morar
Modesto do primeiro andar
A contar vindo do céu
As saudades que eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta quanto eu
Meu deus como é bom morar
Modesto do primeiro andar

A contar vindo do céu






Teixedo 2021 for ever









 

sábado, 7 de agosto de 2021

O Puto de Vale dos Amieiros


 O que ficou por dizer in: “O Puto de Vale dos amieiros”

O salto para terras de França foi uma dádiva divina, para o agora já rapaz que continuava vivendo nesta pacata e adorável Aldeia, bem perto da serra da nogueira, onde o vento soprava, em dias medonhos de inverno, gelado e veloz levando consigo sonhos mal aconchegados, esperanças desvanecidas, que só a neve que frequentemente caía, branca e leve, silenciosa, poderia testemunhar que persistiria para sempre, embora o afeto se revelasse incondicional, mas, quando se é jovem, damos connosco a imaginar maravilhas em outros lugares, que por muito que estiquemos a corda ingénua, permanecemos submersos e impotentes. Já não encontrou as dificuldades daqueles que emigraram anos antes, na linguagem, e nas residências construídas pelas próprias mãos com materiais residuais ou em abarracamento, nos lugares nauseabundos, aglomerados e com as mínimas condições higiénicas de sobrevivência. O que mais o assustou foi uma hora a pés por montes e terrenos
acidentados, já em Calabor, numa casa que acolhia dezenas de fugitivos, sobressaltou-o a entrada de um passador que dias antes tinha estado em Rebordainhos fazendo perguntas discretamente sobre os que tencionavam fazer-se ao salto? Não era recorrente ver pessoas bem apresentadas chegar num “boca de sapo” ( GS Citroen) estacionar no prado, e fazerem perguntas sobre a emigração, pelo que tomamos este homem por mais um Pide à procura  de informações, e como não se podia abrir o bico nestes tempos, havendo já dois exemplos com o tio João Santo que um dia levaram embora este homem fosse a pessoa mais abstrata a politicas e tinha uma casa das mais abastadas da terra, e outra pessoa que guardou inocentemente um panfleto de greve vindo de Paris.

Foi-nos acordado um salvo-condutos pela guardilha deste desta Aldeia e seguimos de táxi para a Poebla de senabra onde tomamos o comboio até Irum e aí com o suborno do passador entramos noutro táxi e os guardas fizeram vista grossa para passarmos. Em Hendaye, já território Françês foram-nos entregues bilhetes para Paris onde chegamos por volta das 2h da manhã. Entramos noutro táxi que nos levou a Cité des fleurs no 17m arrondissement, e o chofer gritou de fora Várias vezes: MR Martin? Até que o meu primo chico abriu a janela do rés-do-chão para ver o que se passava. Pagou e ficamos entregues.

Foi em 1968 ano de numerosas manifestações, e imensas greves que paralisaram a França, pelo que encontrar emprego revelou-se missão impossível. É com imensa gratidão que me dirijo ao meu primo Francisco e esposa que me suportaram durante um mês, sobretudo que a loja era pequena, dormindo no chão junto da cama deles que obrigatoriamente, durante este tempo não puderam fazer uma vida normal de casados.

Também tenho que agradecer ao António “pintasilgo” e ao Moisés que pediram emprego para mim na construção civil onde me foi feito uma carta de estadia e outra de trabalho, assim como segurança social com contrato de 6 meses.

 

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