terça-feira, 28 de novembro de 2023

AAs casulas

Passava na rua dos cilos onde a batata selecionada com rigor por agrónomo ria às gargalhadas protegida pelo colmo e a terra que o ' chieiro' que estava naquela manhã invernal obrigava a vestir o 'capote' com gola de pele de coelho e a calçar socos brochados que evitavam escorregar onde poças de gelo faziam seu ninho, apressadamente como se levasse o diabo à perna e não podesse comer aquela casulada que a Joana tinha metido, ainda bem cedo no grande pote de ferro, juntamente com pernil retirado da salgadeira, e umas rondelas de chouriça, que rivalizavam com a bechiga cheia de massa azeda e a fumada por cima da lareira onde as varas iam vergando com o peso e as cabeças dos mais altos ficavam com brilhantina das gorduras que davam o bom sabor ao chamado fumeiro. O vapor e a fumaça que turba a a vizao ao tio Manel assentado comodamente no escaño onde a mesa baixava quando aquele cheirinho lhe penetrava as entranhas e o centeio cosido na véspera, grande como a roda de um carro, procurava espaço antes de a peliqeira afiada sair do bolso para cortar o que fosse preciso pois a sua reputação palacoulo não temia adversidades. Estou que nem posso-disse o Manel para a tia Izaura esposa e cozinheira que limpou ao avental as mãos gordurentas para retirar a pinga que lhe caía do nariz e servir a canalhada em malgas de barro assentados em tripeça à espera da mandioca. - Estava bom que nem caroes de noz, guarda o resto para à noite... És a melhor cozinheira do mundo. Era assim que se chamava o gato grande e já russo que ao ouvir o seu nome começou a esfregar-se nas meias rotas da patroa miolando. Hoje há fartura, já os ratos não é contigo continuam por aí a roer tudo. A garotada soltou uma gargalhada e um deles quase se engasgava com o osso do pernil que tinha na boca. Era uma casa Portuguesa com certeza. A imagem foi retirada de uma publicidade de bons enchidos em Rossas. AB

sábado, 25 de novembro de 2023

Dia de sorte 815 por Ab Desmaiou! Que fazer? Não teve numerosas alternativas. Tentou com as poucas posses arrastar aquele corpo que jazia caído num soalho improvisado pela pobre senhora cujas peripécias da vida a tinham atirado para o degredo e miséria lutando cotidianamente pela sobrevivência alimentando-se do que podia encontrar longe do mundo civilizado onde fora, em tempos muito acarinhada considerada e mesmo amada, mas a maldita sorte veio com pernas invisíveis e iludiu-a, sendo atirada ao lixo como um objeto podre que já não servia para nada. Chegou a comer ratos, insetos, larvas, gafanhotos e ovos de serpente que cozinhava na única panela que possuía sem temperamentos. Pesado de mais para as suas posses, foi buscar um pedaço de corda e chamou o cão para a ajudar. Prendeu-o pelos pés e ao corpo do animal que foi deslizando até uma manta sebenta onde foi lavado e quando começava a acordar bebeu chá feito de folhas que eram a cura de tudo. A lareira aqueceu aquele ambiente mórbido onde dois seres humanos sem se conhecerem se encontraram. Fred ladeou o local com o olhar antes de perguntar: - Como vim parar aqui? Isso eu não sei. mas o seu estado metia dó. Fred tinha tantas perguntas para fazer, mas não ousava. Respeitava quem o socorreu, e de pouco se lembrava a não ser da traição que o obrigou a fugir como um ladrão. Antes de terem uma conversa elucidativa Fred levantou-se e pegando no punhal do qual nunca se separava disse: Vou à pesca e à caça voltarei para agradecer. A senhora apenas o olhou nos olhos aquiescendo. Começou ali o seu trabalho de luta pela sobrevivência. Tinha frequentado os escuteiros onde aprendeu muito do que lhe fazia agora falta. Voltou com peixe e caça carregado que mereceu a admiração da dona do casebre. Tratou ele de tudo enquanto a senhora sonhava com uma ajuda permanente como este rapaz. No final do repasto contou tudo à sua hospedeira para no dia seguinte ainda bem cedo seguir caminho. Também ela lhe contou a sua vida de degradado, e Fred prometeu voltar e levá-la para um lugar decente onde pudesse viver como ser humano. Na hora da partida ambos ficaram tristes, mas não existiam mais opções.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

3. Recado aos amigos distantes, de Cecília Meireles Meus companheiros amados, não vos espero nem chamo: porque vou para outros lados. Mas é certo que vos amo. Nem sempre os que estão mais perto fazem melhor companhia. Mesmo com sol encoberto, todos sabem quando é dia. Pelo vosso campo imenso, vou cortando meus atalhos. Por vosso amor é que penso e me dou tantos trabalhos. Não condeneis, por enquanto, minha rebelde maneira. Para libertar-me tanto, fico vossa prisioneira. Por mais que longe pareça, ides na minha lembrança, ides na minha cabeça, valeis a minha Esperança 3. Recado aos amigos distantes, de Cecília Meireles Meus companheiros amados, não vos espero nem chamo: porque vou para outros lados. Mas é certo que vos amo. Nem sempre os que estão mais perto fazem melhor companhia. Mesmo com sol encoberto, todos sabem quando é dia. Pelo vosso campo imenso, vou cortando meus atalhos. Por vosso amor é que penso e me dou tantos trabalhos. Não condeneis, por enquanto, minha rebelde maneira. Para libertar-me tanto, fico vossa prisioneira. Por mais que longe pareça, ides na minha lembrança, ides na minha cabeça, valeis a minha Esperança.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Ile de Saint Louis Chamava-se Marlene du Pont. Vivia num quarto alugada no 6ª andar de um prédio urbano sem elevador que tinha cerca de 20 m2 quadrados onde cozinhava num canto isolado, um duche com cabine e uma cama para dormir de pequenas dimensões, por cima da qual mandou instalar uma estante que servia de arrumos e onde colocava os numerosos livros bem direitos alguns deles encadernados em vermelho que davam um certo charme ao lugar. Da sua janela com grades férreas, espreitava os “bateaux mouches” desfilar em volta da ilha cheios de passageiros de todas as raças fotografando a beleza do lugar, retirando apontamentos da pérola de Paris ( A île Saint-Louis (em português, "ilha de São Luís") é uma ilha situada em pleno coração de Paris, no 4°arrondissement, atrás da Catedral de Notre-Dame de Paris. Foi assim denominada em homenagem a Luís IX , tendo sido renomeada île de la Fraternité ("ilha da Fraternidade"), durante a Revolução francesa.) Um dia viu a catedral Norte Dame em flamas bem perto dela e assentada no chão chorava lágrimas amargas, sem forças para reagir. Foi no Hospital Dieu junto de onde teve lugar a tragédia que anos mais tarde nasceu o seu primeiro filho, abençoado por deus, e de uma beleza singular para a humanidade. Possuía também uma casinha de 50m2 em Saint-Germain-en- Laye onde se refugiava nos fins de semana para recitar o role de uma peça de teatro onde participava com entusiasmo e eficiência, depois de já ter participado em duas longas metragens de sucesso. Tinha tirado um curso de advogada quando vivia com os pais em Londres onde nasceu e onde viviam seus pais, um juiz e o outro médico com os quais teve sempre atritos por não gostar de ser filha única, tendo sido a sua nascença causadora de sua mãe não poder ter mais filhos, não sendo por isso responsabilizada, foi um concurso de circunstâncias que nunca entrou naquela cabeça. Um dia escolheu Paris para as férias em companhia do namorado um rapaz loiro e de feições vistosas natural de Amesterdão que frequentava a mesma Universidade. Foi amor à primeira vista. Levantava-se sedo para visitar o museu de cera, Louvre e Bobourg o Faubour Saint Honoré onde se passeavam mulheres ricas procurando a moda, avenue Montaigne,o jardim mais famoso do mundo, Montmartre e os seu encantos, o café flore onde se encontrava com numerosos artistas, os cabarets para os lados de pigale, folie bergéres e lido, tudo era encanto para ela restava convencer o namorado e os pais que a deixassem vir viver para esta cidade mágica. Naquele ano terminou o Curso e como prenda pedia que a deixassem ir viver onde tudo era magia. Não foi fácil convencê-los, existindo muitas entraves ao seu sonho, e questão do mercado de trabalho vinha acumular-se às dificuldades já existente, porém, eram pessoas abastadas nada lhe faltaria, e em último recurso voltar como o filho pródigo. Através das redes sociais tratou de tudo ainda na Inglaterra, mesmo emprego para os dois pombinhos. Era uma rapariga muito inteligente e sabia que tinha chegado a hora de desertar o ninho familiar. Contudo na sua cabeça andavam ideias precisas à solta que teria de reunir. A entrada para a faculdade das belas artes foi o primeiro passo. Não gostava do curso que tinha tirado influenciada por terceiros. Porém, tinha de recomeçar com disciplinas á noite e trabalhar de dia foi custoso, mas valeu a pena sentia-se agora como o peixe na água. Abdicou de muitas coisas inclusive desleixar a paternidade que não tinha tempo para os receber e muito menos deslocar-se a Londres. Ligava de tempos a tempos por videochamada, onde faltava o amor e carinho que sempre lhe dedicaram. Estava no terceiro ano quando engravidou por acidente. Um acidente que lhe trazia imensa felicidade. Queria ter muitos filhos para libertar o trauma de ser filha única. Quando a barriga começou a crescer tanto no gabinete de advogados como nas belas artes os rumores que lhe chegavam aos ouvidos, deitaram-na a baixo. Como fazer? Felizmente naqueles dias apareceu nas belas artes um encenador que procurava uma mulher grávida para uma longa metragem cujas aparições eram restringidas. Aceitou imediatamente sem participar ao companheiro que compreendeu e aprovou a iniciativa. Quando aconteceu o parto já com o filme embobinado nasceu o menino que se tornou um dos mais famosos de hollywood . AB

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Crónica de AB Lembra-me que as recordações não morrem, e o passado apenas viajou, o tempo não é dono do destino, nem da estação onde apeou, foi há anos, ou foi há dias, já não sei; da longa espera no cais, e dos comboios banais, meu deus que fumaçais! Onde de vista nos perdíamos, para mais tarde nos encontrarmos, nas festas, nas romarias, nas terras onde vivíamos, e que tão jovens de lá saíamos à procura das migalhas, como pássaros já sem ninho, que voam sem lei nem tino por entre as árvores talhadas, abrindo caminhos à sorte, pelos madrigais já sonhados, por entre multidões no deserto, vindas de longe ou de perto, em camelos alinhados. Lembra-me de quando era criança, e vivia com esperança, de um dia ser grande e forte, junto daquela gente sem sorte, dando-lhe a minha confiança, o carinho e a ternura que alimentavam com doçura, nas cálidas noites de verão, ao luar de um céu azul, cheio de estrelas e um coração que batia, batia, na mão.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

RASGUEI TUDO Rasguei o tempo, a tristeza e a saudade, Rasguei o vento, a ambição e a ingenuidade Rasquei a fome, a sede e a maldade Rasguei a vida, a paixão e a vontade. Depois… Depois, rasguei o sofrimento, a solidão e o desamor Rasguei o desalento, a angústia e a dor Rasguei a depressão, a solidão e a piedade Rasguei tudo o que me causava ansiedade! Depois de tudo rasgar… Em silêncio e em segredo Remendei-me, reconstrui-me e reinventei-me Recolhi-me, fechei-me e emendei-me Na clausura da ilusão Um mundo sem guerra e sem medos Um mundo feito de sonho, em forma de coração M.C.M (São Marques) Maria da Conceição marques