O egocentrismo adentrou
um povo cuja prioridade, eram supostamente, os ensinamentos divinos resumidos
ao: amar o próximo como a si mesmo. Somos uma população egoísta, suja que não
presta, ainda que tentemos invariavelmente demonstrar, com cinismo, o oposto
que é prosaicamente o que melhor se acomoda nestes corações de pedra fria sem
respaldo.
Nasceu pobre, desamparado, fraco, vulnerável,
escondendo-se para morrer como um cão abandonado, num recanto mórbido ao som
das risadas traiçoeiras, recatado dos olhares que lhe penetravam a alma com
julgamentos repulsivos, apenas e somente porque se refugiara no alcoolismo,
quem sabe para esquecer o quê? Havia festividades na terra, alegria, mesas
fartas, vestimentas novas, dançava-se e cantava-se bem perto de onde jazia o
seu corpo estiraçado num miserável colchão. Quando mais precisou à sua porta ninguém
bateu… os vizinhos assavam os leitões, preparavam o festim
enquanto o seu corpo arrefecia lentamente sem lamúrias, nem sequer uma lágrima
perdida na solidão de um lenço de papel! A sua falta nos locais habituais não
despertou a curiosidade de ninguém, porque para nós ele não era ninguém… um vagabundo que não pediu para nascer, mas que
nasceu num monte de palha, filho do (taleigo) que predestinado tão triste! Todo
ser humano merece respeito, consideração, independentemente do que a vida lhe
infringiu. Na nossa consciência pesam outros caso, um idêntico ao dele:
Também a Judite ficará
para sempre no meu pensamento como uma mulher que apesar de um pequeno grau de deficiência,
e diabética, foi encontrada nas mesmas circunstancias, morta
na sua casa esburacada, quase sem telhado, à fome, à mingua, perante os
olhares de gente que não presta; São capazes de dar e mesmo levar a casa dos
ricos em troca de favores, ficando indiferentes a casos carentes. Comungam
todos os dias, fazem o que o Pe. diz mesmo que requeira os maiores sacrifícios,
vão à missa vão ao terço, às novenas aos convívios da hipocrisia. Não, casos
deste não existem apenas nas grandes cidades onde a maioria dos sem-abrigo se
refugiam… aqui, em Murçós, para aqueles que acredita, anda
o demónio à solta. Somos nós.
Falei com o Zé pela
última vez na quinta feira. Estava sentado junto de uma casa em ruinas,
supostamente saboreando a sombra…- Então Zé que tal?
- Olhe… - respondeu-me com a dificuldade de expressão que lhe era peculiar.
Hoje martirizo-me pelo facto de não ter aprofundado a conversa pois teria por
certo chegado à conclusão de que tinha fome e cariciava ser visto por um
médico? Só foi encontrado na Segunda feira sem vida e o corpo em decomposição
avançada. Ninguém merece ter um fim tão triste e tão desprezado.
Chau Zé Foi para ti que a
minha vela se manteve acesa durante a missa campal e até que a cera se esgotou
O funeral realiza-se hoje às 17 horas
Descansa em paz