terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Destinos e destinados 2ª série A B O tempo passou veloz, e, apesar de não ter esquecido os acontecimentos trágicos dos quais foi vítima, Fernanda viveu estes anos passados na casa do Dr. Félix felicíssima juntamente com seu filho Fernando A (que vamos apelidar assim) a quem dava carinho e amor já que a parte material era o marido quem integrava o necessário para a sobrevivência da casa e dos seus moradores. Fernando tinha crescido, e já concluíra o seu 4º ano escolar com êxito detendo as melhores notas da turma. Era um rapaz reservado, mas grande defensor das injustiças de caráter racial ou outras, o que suscitou nos mais idosos, ideias macabras, escolhendo-o para os seus atos maléficos de “bullying”. Naquele colégio privado onde estudava, existia uma disciplina rigorosa e uma vigilância apertada, mas era à saída que os malfeitores colhiam Fernando, o espancavam e lhe roubavam pertenças, tais como o telemóvel, uma pulseira em ouro e mesmo umas sapatilhas de marca que o pai lhe tinha oferecido no seu dia de aniversário. Foi nesse dia que o Dr. Félix começou a suspeitar, vendo o rapaz chegar a casa descalço. Fitou-o nos olhos, mas não lhe perguntou nada, notando-se um mal-estar no rapaz, que também manteve o silencio. O pai esperou que o filho lhe contasse o sucedido, e sempre que os olhares se cruzavam a espectativa amentava, mas Fernando não queria ser considerado um queixinhas, pelo que teria de resolver o caso sozinho… astuciosamente pediu à mãe que o fosse esperar nesse dia à saída do colégio, na paragem do autocarro, e que fosse acompanhada dos dois cães de raça boxeiler, que se passeavam no pequeno parque do jardim não deixando aproximar desconhecidos. Intrigada a mãe perguntou: - filho é de bom grado que vou passear os animais, mas…- peço-lhe que não me faça perguntas. -E não será melhor que o teu pai esteja ao corrente disto? Deixemos o pai fora disto, pode ser? - Sim pode … lá estarei Fernando distanciou-se uns metros e os seus agressores não tardaram a aproximar-se dele com piropos e ameaças. Neste preciso momento Fernando gritou pelos nomes dos animais que saltaram para cima dos malfeitores e os mantiveram no chão enquanto ele pedia o telemóvel da mãe para ligar ao diretor da escola que apareceu com dois contínuos e perguntou: - O que se passa aqui? A história foi desvendada e os quatro rapazes expulsos do colégio. Quando os acontecimentos chegaram aos ouvidos do Sr. Félix, ficou melindrado e ao mesmo tempo furioso, porque deveriam tê-lo posto ao corrente. Entretanto, o Sr. Félix tinha recebido uma penosa resposta por correio, vinda do gabinete de um amigo especialista que o forçara a fazer variados exames, que um cansaço repetido lhe vinha causando problemas cada vez mais frequentemente. Confirmava-se uma doença genética rara que evoluía galopante. No seu rosto surgiu como uma aparência de quem esperava este momento, mas., subitamente surge na sua mente Fernanda e o filho, e penava-o atrozmente ter de deixá-los numa fase que eles precisavam tanto. Uma lágrima veio refugiar-se no lenço branquinho manchando a felicidade que retomara desde a morte da sua esposa. Não havia tempo a perder, naquele mesmo dia deslocou-se ao gabinete do seu notário para redigir um longo testamento, legando a Fernanda todos os seus bens, enquanto o filho não atingisse a maior idade. Fernando A e sua mãe tinham-se reconciliado com os avós e sempre que podiam davam lá um saltinho, e todas as férias de Fernando A eram passadas na Aldeia que de bom grado o tinha adotado, e ele manifestava grande satisfação em permanecer no seio dos seus, pelo menos dos que restavam, Filomena, uma rapariga esbelta,, inteligente, e muito ativa, pelo que lhe valeu o sobrenome de☹( borboleta) os restantes filhos tinham emigrado dois para o Canadá, e uma rapariga com o amigo para a Suíça. Entre Filomena e Fernando havia apenas dois anos de diferença, e, como dois adolescentes, percorriam montes e vales, correndo um atrás do outro às gargalhadas, desfrutando do que a natureza tem de melhor, sem compromissos nem obrigações, sentiam-se livres como os passarinhos, que assentados por detrás de arbustos escutavam cantar em silêncio para melhor saborear, aquela paz de espirito, sobretudo que havia pouco tempo lhe fora desvendada a história da sua vinda ao mundo, a de sua mãe, e a daquele pai que ele amava muito, mesmo sem saber, e que aumentou a sua consideração e respeito, fazendo-se a jura de nunca olhar para o seu pai biológico nem familiares. A sua verdadeira família era aquela que o amava e acarinhava onde quer que estivessem, na casa dos avós maternos mesmo com umas reformas precárias, mas que esticavam sempre que era necessário, e com a ajuda dos filhos residentes no estrangeiro, os quais tinham recebido uma educação exemplar, ainda que não tivessem os meios de ir a estudar, tiraram cursos profissionais que podiam rivalizar com os Doutores, aplicando-se ao máximo na arte que lhe dava o pão para cada dia, longe ou perto do ninho familiar. Frenando A e Filomena conversavam muitas vezes como dois adultos, e nessas conversas surgiam projetos para o futuro. O rapaz desejava ser médico como o pai, e as perspetivas eram bastante animadoras, tanto financeiramente como a nível de notas escolares, já Filomena, apesar de ter excelentes notas, surgia o problema do financiamento, que já era pesado na secundária, porém tinham esperança que qualquer milagre se viesse a produzir, e como ainda faltavam muitos anos, congelaram tais pensamentos desfrutando do presente com gratidão e jovialidade. De volta a casa, Fernando A, entrou nesta com ar alegre e feliz. Os seus olhos brilhavam, como havia muito tempo não se viam brilhar, o que despertou a curiosidade da mãe que lhe perguntou: - Pareces tão feliz meu filho! A que se deve essa felicidade? - Estar com os avós na casa deles… e com a tia Filomena é o máximo. Ela é… como dizer, é… fantástica. Passamos os dias juntos, falamos de tudo, como se fossemos irmãos, como… - Meu filho; nesse teu entusiasmo vejo, talvez com olhos de mãe, qualquer coisa que não me agrada. Sabes que é tua tia? - Sei perfeitamente e a nossa amizade é apenas fraternal, não se preocupe. Mas Fernanda ficou mesmo preocupada e foi aconselhar-se com o marido, que entrava em casa afagado como se tivesse corrido a manhã toda. Também o seu estado a preocupava, mas nunca tinha ousado perguntar-lhe o que quer que fosse por respeito à sua intimidade, agora era talvez a ocasião propícia para o fazer. Fecharam-se no quarto, e discretamente conversaram como dois adultos sobre os dois casos. O da sua doença deixou marcas visíveis no coração da esposa, mas já o médico expunha o diagnóstico que por enquanto não era dramático. Quanto aos jovens, eram ainda muito jovens pelo que os decorreres dos acontecimentos poderiam trazer suspeitas que teria de ser corrigidas.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O canto

Miguel Torga, A nossa homenagem ❤️ 🌻🌻 Ai, a vida! Quanto mais me magoa, mais a canto. Mais exalto este espanto De viver. Este absurdo humano, Quotidiano, Dum poeta cansado De sofrer, E a fazer versos como um namorado, Sem namorada que lhos queira ler. Cego de luz, e sempre a olhar o sol Num aturdido Deslumbramento. Cada breve momento Recebido Como um dom concedido Que se não merece. Ai, a vida! Como dói ser vivida, E como a própria dor a quer e agradece. In Diário XIII

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

escreverei

Na palma das mãos AB Escrevo na palma das mãos, enrugadas, calejadas onde as letras tremem, e num sorriso desviado olho o luar indiferente, tentando entrar pela frente daquela janela que por magia, de par em par se abria, para mostrar lá no céu azul, as estrelas que num frenesim impetuoso, dançavam ou cantavam, já não sei, expandiam no firmamento um cintilar do momento. Escrevo nas folhas mortas, que no chão caem desamparadas, algumas desfiguradas, pelo Outono que ordena, que as árvores se desnudem sem vergonha, que só o tempo cobrirá de brancura, com a neve e sua formosura, em dias gélidos, onde aqueles olhares franzinos, percorrerão lentamente e com levura não encontrando a ternura, das aves que cantam assustadas, dos rios que velozes correm para o mar, dos passantes errantes, que não sabem o caminho, do chedre que se abriga num velho ninho. Escrevo na dor e no desespero, daqueles que provocam o flagelo, na inocência das crianças que ficaram orfelinas, num papel manchado de sangue sem linhas, no desconsolo dos que não têm onde se abrigar e nas paredes dos que os não deixam entrar, dos sem coração que não aprenderam a amar, na vulnerabilidade dos que abandonados esperam aquele dia, e que milhões de flores não trazem de volta a alegria nem o perfume dos lindos momentos que a nostalgia de uma foto amarelada, esquecida num canto sem brilho sem nada. Escrevo na lágrima que cai , nos cantos dos olhos da mãe e do pai, no silêncio que cala a verdade no vento veloz que corria na minha idade, nos jogos que com amigos joguei, nos tanques onde tantas vezes me banhei na corda do sino que tantas vezes puxei e nas estrumeiras por onde passei, nas ruas da minha amada terra, protegida do alto pela senhora da serra, e nas grandes fragas da ladeira escreverei teu nome minha amada, que pode nunca ser encontrada, mas nos meus sonhos sempre permanecerás eternamente meu amor.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Dia de Reis

O dia de Reis. AB Como os dias se tornavam longos e as noites frias e desesperantes à espera do dia 6 de Janeiro onde tradicionalmente se cantavam e rezavam os Reis sob as ordens de um mordomo das almas, um quarteto de homens exibiam as quatro vozes que ecoavam nas casas serras ou vales deliciando os moradores da minha pacata Aldeia, o careto chocalheiro e os que lhe chamavam raposeiros que seguiam o cortejo radiantes fizesse frio, chuva ou neve, visitavam todas as casas ricos ou pobres, pedindo uma pequena esmola para os santos que representavam. Era a nossa tradição que supostamente jamais se perderia enquanto a evolução dos tempos não pôs um ponto final, porque as novas gerações não eram aliciadas por eventos que consideravam arcaicos, e aqueles que amaram profundamente começavam a sentir o peso da idade. O desinteresse começou a instalar-se pouco a pouco com desculpas esfarrapadas, porque vozes não faltavam para substituir um ou outro que por razões pessoais não podiam participar, e o nomeado mordomo das almas economizava o repasto para 20 pessoas. Hoje sente-se o vazio do que nos fazia vibrar nos ensaios quinze dias antes, e a avareza prevalece juntamente com a má vontade que siderou aqueles que fizeram parte do cortejo onde os interesses pessoais passam à frente de uma evidencia deixada pelo caminho ao abandono, deslocando-se aos Municípios como antigos graxistas, esperando chorudas recompensas e as tradições que vão dar uma volta… pena-me imenso que este abandono fosse fruto de atritos tendo sido abandonada nas mãos de quem participou ativamente durante anos, e quando foi nomeado mordomo deixou o barco à deriva… nesta terra que adoro foi sempre assim os mandões e os poderosos gostavam de ver o resto da população a seus pés, dispor de poderes sem a intervenção daqueles que eram considerados de segunda classe e jamais tinham voto na matéria, fossem demolições ou prorrogar as suas leis. Rebordainhos está hoje como estava Há trinta anos á espera de libertação que meia dúzia de magnatas restringem com sua própria e livre vontade, não se podendo mexer na ferida sob pena de represálias. Mostrarem-se em lugares religiosos para colmatar as aparências não é cidadania, mas ganancia que só o analfabetismo compreende. Homens honestos e valentes eram aqueles que todos davam o corpo ao “manifesto” e todos os dias saíam de cara destapada, sem preconceitos nem altercações. Voltando ao dia dos Reis, deixo aqui as quadras cantadas em quatro vozes Ó virgem nossa senhora Vós sois a estrela do mar Sem a vossa proteção Não podemos navegar Um raminho dois raminhos Fazem um, raminho bem feito Vivam os donos desta casa Esta vai a seu respeito (repetir em ré maior) Chegaram aqui três rosas Quatro cinco ou seis Se os senhores nos dão licença Vamos-lhe cantar os reis »» duas lágrimas de orvalho Caíram nas minhas mãos Quando te afagava o rosto Pobre de mim pouco valho Pra te acudir na desgraça Pra te valer nos desgosro