... quase poema... ou em boa companhia

Pouco me doi o Inverno... e esta noite ficarei aqui...sentado ao lume acreditando que o mundo termina bem perto da Senhora da Serra. A minha avó nunca viu o mar...nem andou de comboio, mas esperou durante uma vida, pacientemente que chegassem os almocreves... a quem era preciso dar de comer, aquecer ao lume e fazer a cama no amanho da palha nova.
Ouviu dizer que o comboio chegava ao Porto em 8 horas e não entendia porque os homens tinham tanta pressa se ela tinha o tempo todo do mundo para viver e ser feliz! Se ela tinha um ano inteiro para criar os filhos, semear a horta, fiar o linho, tecer a colcha, matar o porco, fazer o fumeiro, aturar o Soto, guardar o Sábado e ser feliz!
Por isso regressei a casa minha amada e quando sinto frio aconchego-me no teu xaile e espero que cheguem outros almocreves que também descobriram o segredo de viver sem tempo.
És tao linda, Maria Oliveira minha avó... hoje vamos passar o serão só nos dois... tu bordas uma toalha em ponto de crivo...talvez uma vizinha se encante e queira comprar... judia antiga...que nasceu no ritual maior do negócio...enquanto tu bordas eu escrevo coisas que não servem para nada e assim passamos a noite!
...ouvi dizer que agora já se vai de Milhão ao Porto em 2 horas... como os homens tem pressa!
... Mas isso é bom minha avó... um serão destes explico-te porquê para que a ingratidão não ensombre a nossa alma e possamos sonhar com outros mundos que ouvi dizer que se perdem de vista lá para os lados da Terra Quente....
... vamos fazer uma torrada e café no pote, não te esqueças de lhe deitar uma brasa para que assente!
...és tão bonita!
Da Autoria de: Fernando Calado