sexta-feira, 25 de setembro de 2020

DIA DE SORTE IV

Dia de sorte, parte IV

 

O dia estava radioso e os olhos de José brilhavam como estrelas cintilantes à procura da felicidade… cantarolava e saltava os riachos, ensopando aqui e ali os pés, corria como um louco que foge do asilo, e o percurso estava bem definido na sua mente, encontrar o Alfredo algures escondido por detrás de um arbusto, e surpreende-lo com a sua visita inesperada. Finalmente as silhuetas dos dois rapazes entraram no ponto de mira, e um corredouro desenfreado foi testemunha do abraço longo e terno que trocaram, sem ninguém por perto para comentar, e por vezes em tom ilídimo, embustice que alimenta as más-línguas. Não foram necessárias palavras, um trocar de olhar, um sorriso encantador, e aquele abraço que dizia tudo… lentamente foi chegando o diálogo, falaram de tudo, salvo das vidas privadas que não tinham lugar naquele encontro. Chegou a hora do almoço, e José convidou o amigo para se juntar com os avós. – Os teus avós sabem deste convite?

- Eles são fixes tenho a certeza que não se importam.

 Alfredo aceitou mas na sua mente girava o receio de ser considerado um intruso. Já assentados à grande mesa, José contava felicíssimo as aventuras da manhã, em companhia do amigo, elogiando-o pelo belo trabalho, e rendido àquela paisagem esplendida. Mas o avô tinha notado um certo azedume nas escassas palavras trocadas com a rapariga, supostamente namorada do neto, e tentou remediar perguntando: José esqueceste-te que a tua namorada te esperou toda a manhã e nem sequer a apresentas-te ao teu amigo… - pois… desculpe avô.

Alfredo esta é a minha namorada Cindy.

- Prazer em conhecê-la… e estendeu a mão na direção da moça, mas esta fingiu ignorá-lo.

- Cindy… não cumprimentas o meu amigo?

- Deixa lá não faz mal…

Entretanto a rapariga tinha-se levantado da mesa pedindo desculpa, mas que se estava a sentir mal…

José ficou atônito, e os avôs embaraçados com a situação…

- Esquece, disse Alfredo. Vai conversar com ela, pois deve estar melindrada com a atenção que nos dás a nós e não a ela… coitada não nos podemos esquecer que está num meio estranho para ela, e uns miminhos resolverão tudo. Os avôs concordaram com a ideia do jardineiro.

José foi ter com a amiga ao quarto, desfazendo-se em desculpas, mas esta não queria ouvir nada. Estava furiosa e não se conteve vaziando o saco.

- Querias-me para quê? Pedias-me para te dar um filho nas poucas relações íntimas que tivemos, onde te sinto ausente, sem afeto, sem diálogo, sem saídas nem amigos, sou para ti uma acompanhante? O escudo que ajuda a preservar excelente reputação, sem saber quem és realmente? Vives uma vida retrógrada, mimada que não corresponde ao século em que vives. 

Preciso de mais… e se não te importasses levavas-me agora mesmo a minha casa, e tudo terminou entre nós.

- Cindy… não sejas tão intransigente e esse cinismo não te fica nada bem… sempre nos entendemos, sem que jamais tenhas manifestado tanto desagrado; trouxe-te para aqui para passarmos um bom fim-de-semana, não vais deitar tudo a perder? Estás de cabeça quente, peço-te reflexão e à manhã falamos… tá?

- Não, não quero permanecer aqui nem mais um minuto. Por favor leva-me a casa.

- Ok. Vou falar com os meus avôs e volto já.

No andar debaixo, ainda assentados à mesa, esperavam ansiosos a reconciliação do jovem casal, mas quando José contou o que se tinha passado, todos ficaram abalados com o desfecho da conversa.

- Faz o que ela pede…leva-a a casa – disse o avô sentido.

- Visto estar já decidido, peço-lhes a vocês meus avôs, que acordem uma folga ao Alfredo para ir visitar os seus familiares, que, como sabem não tem carro e já muito tempo que está cá a trabalhar. Eu passo pela sua terra que quase fica no caminho, deixo-o e conduzo a Cindy a casa pode ser que consiga fazê-la mudar de ideias, mas ainda voltamos hoje… e por favor não digam nada aos meus pais. Contar-lhe-ei mais tarde.

Alfredo ficou radiante com a ideia, porque as saudades apertavam, e valia mais uma visita rápida que nada. Foram exatamente seis horas em Arcos na companhia dos familiares, de felicidade e imensas perguntas sobre a sua nova vida. Ligou ainda pelo caminho para a namorada, pedindo-lhe para se libertar do trabalho pois tinha pouco tempo e imensas saudades dela. Durante o trajeto Cindy amuada no banco da frente, nem sequer respondia às perguntas de José que se sentia mal por não ter dado a devida atenção à rapariga de quem supostamente gostava, e lhe pediu para lhe dar um filho… »»» continua parte IV

 

 

 

 


 

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Sentimentos



Como resistir ao suposto lampejo dum ímpeto insensato que nos aproxima com tanta força e vivacidade onde o pusilânime dos atos me retém e o pávido me arrasta lentamente desprovido para um beco sem saída? O coração impõe mas a mente não retém. Deleitar-me-ia com o palato que Eva sucumbiu à tentação se me fosse possível adivinhar, até quando? Onde e para quê? Quebrar laços ternos de magia e de traição seriam atos de desatino ou benevolência? Hoje ouço vozes em noites medonhas impregnadas no íntimo que me provocam calafrios e acordo ensopado em camas do desejo, coberto com lençóis de remorsos, rotos, frustrados incentivos ao desertar por uma janela alta e mórbida já cansada pelo tempo que passou a vigiar injustos e injustiças, sem poder interferir, nem sequer manifestar uma opinião…

Não é justo perguntar-te: porque serei tanto do teu agrado? Quando te desejo, e me sinto perdido nos dias que não ouço a tua voz, através de um teclado virtual, imaginando-te longe e ao mesmo tempo tão presente no meu pobre viver! Sei que é um amor impossível, e mesmo sabendo, alimento ilusões como um adolescente vulnerável, inexperiente, mantendo acesa e viva aquela luzinha que surge do nada e que acaba por se apagar. Magoar-te alargando ainda mais esperanças vãs pena-me e exaspera-me, porém, necessito de tão pouco para ir vivendo! Sei que não tenho o direito, e sinto-me como o malvado intruso… o aniquilador execrado que surge no dedo apontado, se esconde em buraco infinito, e sofre em silêncio nas trevas do desespero. Fossemos ambos jovens e livres como os passarinhos… não tivéssemos responsabilidades e obrigações… e tudo se tornaria tão fácil! Mas, somos adultos, eu com um passado negro, o seu cândido imaculado; porque deveríamos manchar o que se manteve sem nodoas, branco, brilhante e virtuoso? Esquecer, esquecer, esquecer, esquecer para sempre.


 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

FELICIDADE

Felicidade.

Tinha dado o primeiro grito, num quarto pequeno e tristonho, na casa de pessoas modestas, e a mãe depois de tanto sofrimento ainda teve alento para dizer:  - que felicidade meu Deus!

Era o “caçula” de cinco, mas Deus assim o quis – dizia a mãe quando aqueles mais atrevidos ousavam fazer-lhe observações deste género: - Já tinhas quatro chegavam-te bem…

Aquela mulher lutadora e muito católica não queria ouvir falar de contracetivos, receava que tudo se viesse a pagar um dia mais tarde, quando os olhos se fechassem de vez… O marido trabalhava no campo, nunca quis sair da terra onde nasceu. Via os emigrantes voltarem com grandes carros, asseados e orgulhosos de gastar incomensuravelmente, tostões amealhados para passarem as férias de verão escapulindo-se por uns dias , tão esperados e desejados, ao stress diário, em países, embora bem integrados, mas o bichinho roía, roía, e só depois de passarem a fronteira, parava de roer, e não sentia inveja, pelo contrário dizia sempre:  - que deus vos abençoe e vos faça felizes…

Nesta casinha nunca faltou o pão na mesa, a batata, feijão  o vinho e o isco caseiro, coelho, frango, e de vez em quando, sobretudo na venda dos cereais, castanhas, uvas ou azeitona, a chã de vitela comprada no talho e dividida por várias refeições.

Dois dias após o nascimento, o tio Francisco entrava no registo civil onde já era conhecido pelos funcionários, que num sorriso matreiro observaram: - Já outro tio chico?

- Outra – respondeu este com a humildade que o caracterizava.

- E desta vez onde foi pescar o nome?

- Vai chamar-se Felicidade… da Purificação Alvarenga Albernaz.

Ouviram-se espontaneamente gargalhadas no estabelecimento, e o homem olhava-os com um ponto de interrogação, que atenuou aquele galhofar de quem não tem capacidade para compreender decisões de cidadãos que pagam com seus impostos o salário destes funcionários públicos… porém o tio chico, não disparatava com ninguém, humildava-se sempre com uma capacidade indiscritível, perdoando as ofensas, e controlando como ninguém, um saber estar, que muita gente gostaria ter.

Felicidade foi crescendo mimada carinhosamente pelos pais, mas sobretudo pelos irmãos, que não se cansavam de a ter nos braços, quando voltavam da escola, e do Fausto, o mais velho que já andava no liceu, mas ia e vinha todos os dias na camioneta, para ajudar o pai nas fainas da lavoura. Era uma menina linda! Cabelos loiros encaracolados que brilhavam como o ouro, quando os raios de sol da manhã se focavam na sua cabeça como se fosse obram do divino espirito santo… um sorriso de anjo, e mãozinhas brancas como a neve. Começava a dar os primeiros passos, e a madrinha, escolhida na mesma família, uma irmã da mãe que tinha um estatuto social melhor que o deles, ofereceu-lhe uns sapatinhos cor-de-rosa, que lhe iam muito bem com o vestido da mesma cor que uma alma bondosa lhe tinha doado. Esta família não mendigava o que quer que fosse, trabalhavam duro durante toda a semana mas o Domingo era sagrado, não se fazia nada, até os animais eram alimentados no sábado… Se o tempo estivesse bom, metiam uma merenda dentro dos alforges que um burrico preto transportava até junto do rio onde se instalavam grande parte do dia a comer, brincar, e conversar dos acontecimentos semanais dentro da família. A vida dos outros não era para lá chamada. Faziam projetos para o Fausto se quisesse continuar os estudos, e a felicidade reinava no coração dos de casa e fora, chegando alguma gente a ter ciúmes… continua»»

 

 

 


 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Mãe era um nome vulgar...

"Mãe era o nome mais vulgar em Portugal. Curto, rápido, preciso e fácil de gritar durante o horrível suplício do corte das unhas, sobretudo o mindinho que uma tesoura feroz atacava magoando-me sempre, ou então era o medo que me magoasse que me magoava. Horas tremendas
- Que horror essas unhas ordens horríveis - Chega-te mais para a luz conselhos tenebrosos - Não te mexas agora e isso, o arrancar dos pontos pretos com o aviso
- Está quase seguido da exibição de uma coisa microscópica na ponta do indicador, sem mencionar a sopa (- Quem não tem fome de sopa não tem fome de doce) e a lavagem dos dentes, constituíram os suplícios cardinais da minha infância.
Entretanto acho que me desviei do princípio desta crónica, ou seja de ficar sempre espantado com a vida das pessoas, os seus desejos, as suas ambições, os seus medos, as suas minúsculas querelas. E as folhas das jarras a desprenderem-se dos caules. Se me deitasse no chão da sala acabavam por cobrir-me por inteiro e eu debaixo delas dando pela empregada a abrir a porta, a olhar para aquilo e a varrer-nos na direcção da pá: lá vou eu para o contentor dentro de um saco plástico, cheio de perfumes moribundos como os das tias-avós, rodeadas de essências vagas e tristes. Claro que se eu chamar a dona Olívia não liga: não acredita que as plantas falem e para o caso de se atreverem a falar nada melhor do que empurrá-las com força para o fundo.
O que os outros se agitam, tanta pressa sempre, e eu quieto. Sou um narciso, uma begónia, uma túlipa, ou antes restos de narcisos, de begónias, de túlipas, tão doces, tão pálidas. Mas não terei olhos ocos nem aflitos, apenas um caule tranquilo e por cima sacos plásticos dos vizinhos." (2008) António Lobo Antunes

 

sábado, 12 de setembro de 2020

Dia de sorte III

Na grande quinta do Sr, Carlos Alves e da Sra. Efigénia, vivia-se como num paraíso terrestre… estava totalmente vedada, e na entrada uns grandes portões de ferro, comandados eletricamente, onde os intrusos esbarravam e temiam os dois cães da serra da estrela, que se passeavam noite e dia dentro da herdade. A casa, colorida lilá e branco, tinha um aspeto terno e acolhedor, enquanto o grande parque arborizado, e a cascata que enchia o lago, onde se deliciavam patos e faisões, deliciava também os olhares daqueles que tinham o privilégio de por lá passar. José era o jardineiro dedicado, tudo brilhava à sua volta, para grande satisfação dos patrões que murmuravam entre eles, enquanto saboreavam o chá da tarde no grande terraço: - Creio que encontramos a pessoa certa para tratar da herdade, Carlos…?

- É realmente um rapaz muito competente e responsável… foi sorte!

Alfredo não tinha voltado a Arcos de Valdevez desde que foi contratado, por razões de transporte, já que o seu velho carro foi ter a uma sucata, ficando-lhe mais cara a reparação que o seu valor, e começava a sentir saudades daqueles que lá deixou, embora tivessem conversas vídeo de vez em quando, das passeatas à beira rio com a mulher que tanto amava, uma rapariga modesta, atenciosa e trabalhadeira, cujo namoro durava desde a adolescência, um dia repleto de magia, quando se encontraram pela primeira vez, num percurso de bicicleta, e um furo na roda da frente de Beatriz, chamou a atenção de um passageiro galante, que se ofereceu para ir procurar o necessário à reparação, e ambos riram às gargalhadas, quando lado a lado seguiram caminho. Voltaram a encontrar-se numa feira mensal, mas apenas 

trocaram ternos olhares e um discreto aceno de mão, porque a rapariga ia acompanhada dos pais… contudo trazia numa mão fechada, um papel com o numero de telemóvel, que discretamente deixou cair intencionalmente não passando despercebido ao Alfredo que se apressou a recuperá-lo. A discrição durou secretamente durante cinco anos, e só quando os dois atingiram a maior idade, contaram aos familiares os quais aceitaram de bom grado, sendo os dois do mesmo meio social, famílias honestas e trabalhadeiras.

Era fim-de-semana, um dia de Outono esplendoroso cujos raios de sol projetados nas árvores que se despiam, contrastava com um colorido apaziguador, e as folhas mortas despediam-se sem lamúrias nem contestações, aceitando resignadas o destino de um sículo, quando José apareceu na herdade dos avós, acompanhado de uma rapariga baixa, morena, que apresentou como sendo sua namorada. Foram-lhe mostrados os aposentos e por exigência da moça em quartos separados.

- Queres acompanhar-me? - Perguntou José à Cindy, depois de ter mudado de roupa.

- Onde vamos? – Visitar um grande amigo que deve andar algures por aí a jardinar.

- Um amigo jardineiro!?

- Sim. É o Alfredo, aquele rapaz que te falei…

- Queres dizer que não pareaste de falar dele… é assim tão importante para ti?

- Sim, é…

- E eu não sou importante para me abandonares onde não conheço ninguém?

- Vai ter com os meus avós, que são mesmo fixes!

E sem pronunciar mais palavra desata a correr à procura do amigo Alfredo, o qual mal o viu veio ao seu encontro para lhe dar um abraço bem apertado. Era talvez uma maneira de matar as saudades da sua terra e daquelas gentes que tanto amava. (continua)


 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Agradecimentos


 

Agradecimentos

Venho por este meio agradecer a todos os que se dignaram adquirir o meu livro “O puto de Vale dos Amieiros” cujo sucesso inesperado superou as minhas espectativas, em vendas e elogios, onde se identificaram muitas pessoas, e as outras manifestaram o prazer de ter lido, o que me preza também a mim. Foi solicitado além-fronteiras, tal como Brasil, França; Espanha, Bélgica, Suíça, Itália e outras, assim como no continente nas grandes e pequenas cidades. Um muito especial e carinhoso obrigado às gentes de Rebordainhos e Murçós.

P.S. Verificaram-se algumas gralhas resultantes da má prestação da supervisora, que foi paga para um serviço que em vez de fazer desfez, porém, penso ser uma linda recordação, que ficará para a posteridade, com simplicidade e humildade. Obrigado do coração