sexta-feira, 22 de julho de 2016

Noticias da Aldeia



FERNANDO CALADO


Notícias da aldeia...ou quase poema
Na Ferradosa havia um ribeiro…agriões…hortas…e as rãs que toda a tarde estavam à soalheira para animar o correr da água…e cantavam…num cantochão dolente…sonoro como o Verão…coisas de rãs!
A Ferradosa era o mistério…das minas de ferro…de mouras encantadas em grutas nunca vistas…e que na lonjura do tempo se pressentiam em noites de São João tecendo em teares de ouro… aguardando…sem pressa…nem hora …o sentir de outras histórias de vida… de amor... tão reais como a água fresca da fonte…onde a boca se dá no beijo que tarda.
…na outra fonte da Ferradosa…a água saía do ventre da terra onde o ferro permanece e brotava por entre quatro pedras fazendo-se fonte…a mais fresca e mágica de todo o povoado.
A Ferradosa tinha maçãs do cedo…malápias doces como os olhos de mãe …e tinha o sonho da merenda…comida sem pressa…para que o tempo durasse…e ficasse!...e havia muito sol!...e mais e mais…
…A Ferradosa…mudou…o parque de merendas…é a novidade…a piscina é estranha…ao ribeiro que afagava o linho…mas é um sinal do progresso…e da qualidade de vida…que leva as nossas memórias…doutro tempo…doutras pobrezas…doutras fomes.
…claro que a fonte já não é a minha fonte!
…mas é esta a fonte onde eu bebo…e onde molhamos os pés descalços como quem dança nas águas do ribeiro!
…e daqui a muitos anos…esta fonte será a minha fonte!
…e vou, para sempre, ouvir o som da água fresca amaciada pelo coração da terra…
…e há uma ponte…um ribeiro…um rouxinol que canta…e o velho castanheiro que resiste..e diz que não tem medo do tempo!
…e as memórias estão tão perto!

domingo, 17 de julho de 2016

Viveres



simplesmente maria
VIVI…
Vivi na ignorância e na incompreensão
Na mentira e desilusão
Na falsidade e corrupção
Vivi feita carne para canhão
Agora
Vou querer morrer no meio da solidão.
Uma campa rasa no chão.
Não quero mármore branco e frio
Enterrem meu corpo na lama
Cale-se a voz que me chama
Deixem minha alma deambular no vazio
Quero voar na eternidade
Nas asas de anjos desprovidas de maldade
Rumo ao infinito
Numa nuvem tatuar rosas douradas.
Decifrar no azul do céu palavras cruzadas
Falar linguagens codificadas
Recolher almas penadas
Para fazer ver que não morri de dor
Morri de saudade
De ansiedade
De maldade
Morri de sonhos que sonhei em vão
E todos ficarão a saber que afinal eu tinha razão.
Morri de pé na clareira
Como uma árvore altaneira
Forte e rija.
Pura madeira.
Acto de negação
Eu morri de pé!
Ficaram apenas as cinzas no chão.
M.C.M. (São Marques)

Há coisas

Há Coisas e Coisas

KHumpel

Existem coisas na vida das quais eu realmente me arrependo...
Da palavra que eu não disse quando deveria ter dito.
Do problema que deixei de resolver por achar que seria difícil.
Da oportunidade que deixei passar por achar que seria impossível.
Da luta que deixei de travar por imaginar que não valia a pena.
Do sonho que deixei de sonhar para viver a dura realidade.
Das coisas que deixei de aprender por acreditar que não tinha mais a saber.
Das lagrimas que não derramei por vergonha de demonstrar o que sentia.
Do grito que não dei quando estava com aquele nó na garganta.
Do amor que julguei perdido e deixei ir sem lutar.
De ter sido tão superficial quando o que eu queria era ter-me aprofundado.
Do caminho que deixei de seguir por não saber se seria seguro.
Arrependo-me de ter sido tão covarde em não arriscar conhecer o desconhecido.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Tenho a certeza

MARIA SIMPLESMENTE

TENHO A CERTEZA
Que a minha alma é feita de vidro e luz
Que a esperança é o fio de ceda que a conduz
Tenho a certeza que a voz é um grito de saudade
Que se dependura entre o sonho e a realidade
Que o meu coração é transparente
Tenho a certeza que muitas vezes errei
Que muitas vezes pequei
Que fui amada e amei.
Que fui acariciada com asas de anjos
Fui vítima de tramas e desarranjos
Tenho a certeza que sol namora a lua
Que a minha vida se cruzou com a tua
Que o fio da navalha cortou o meu destino
Que as pedras da calçada dissiparam o meu caminho
Que as cegonhas regressam na Primavera
Que o silêncio é apenas uma quimera.
Tenho a certeza que que passei dias de terror
Que o meu corpo se contorceu de amor
Que adoro o som estridente das guitarras
Que o verão chega com as cigarras
Que gosto do incenso de alecrim
Tenho a certeza…
Que o mundo que habito não foi feito para mim.
Que deveria ser proibido errar
Que todos deveriam ter nova chance para recomeçar
Tenho a certeza que vivi com dignidade
Que não tolero a desigualdade ´
Que odeio a maldade.
Que a morte um dia vai chegar
E os meus olhos docemente encerrar.
M.C.M. (São Marques)