terça-feira, 28 de setembro de 2021

Dia de sorte

Dia de sorte 28/09/2021 por António Braz Amanheceu o dia com céu limpo, os passarinhos chilreiam num esboçar de contentamento, as árvores acariciavam o florescer enquanto nas ruas ainda vigiavam os primeiros amantes daquele silencio aprazível de paz e harmonia que só nas aldeias se pode desfrutar. Às narinas de Francisco, chegavam cheiros de pão torrado, crepes recheados com chocolate e outras guloseimas que o fizeram saltar da cama para fora como injetado por uma mola. Independentemente do que tinha acontecido no dia anterior, dormiu como uma pedra, e nem mesmo ao acordar ponderou o caso Cíntia. Estava bem disposto, pelo que tencionava arrumar num canto perdido o que já considerava passado e usufruir do pouco tempo que lhe restava na companhia dos avôs que adorava, passear pelas terras de singular beleza, e talvez encontrasse por lá o amigo Alfredo com quem gostava conversar. Depois de banhado vestiu roupa apropriada para andar no campo e veio até à cozinha onde a criada de costas voltadas não se apercebeu da sua chegada, e ele aproveitou para lhe fazer umas coceguinhas debaixo dos braços o que assustou a rapariga. - São para mim? - O quê… os crepes? - Claro o que devia de ser! - Para toda agente, e os seus avós estão à espera para tomarem todos o pequeno almoço. Todos?... – Claro pensava que tinha tanto trabalho só consigo? - Marota… Dirigiu-se para a pequena sala de jantar onde efetivamente a mesa estava quase cheia, restava apenas um lugar que por certo lhe estava destinado. - Ei…na!!! É hoje a malha? - E os bons dias também fazem parte da educação… - Desculpem. Bom dia. Ando distraído, e… A estupefação verificou-se de imediato nos que conheciam os acontecimentos bem recentes e esperavam ver um rapaz abatido, fragilizado ou até mesmo quezilado. Terminado o repasto, cada um foi à sua vida, mas o avô pegou num braço do neto e convidou-o para um passeio. Na sua mente estava ainda presente uma explicação de bom senso e queria ouvi-la da boca do rapaz. Quando já distanciados da herdade onde ninguém podia ouvir a conversa, começou por dizer: agora nós… sabes que te amo muito, mas, uma explicação em relação à tua amiga merece justificação. Não achas? É simples avô… eu e a Cíntia eramos namorados por amizade, e também porque a mãe quer que arranje uma mulher e tenhamos um filho para herdar os bens caso contrário o Estado fica com tudo… Mas… filho, que se passa realmente contigo? Não se passa nada, Ainda não encontrei uma moça de quem gostasse realmente, e… - O avô esperava ouvir mais e mais concretamente, ficou à espera que o rapaz desabafasse. - Avô na minha cabeça anda tudo misturado, e o meu corpo pode não ser igual ao dos outros homens… - Filho que me dizes, ou o que queres dizer e não consegues? - Avô, aconteça o que acontecer eu jamais os desiludirei, nunca. - Ó meu querido neto. Creio compreender… mas… há tantas incógnitas na tua expressão! Tu sabes que estarei aqui quando quiseres confidenciar coisas que não possas partilhar com tua mãe. - Obrigado avô e agora vou ter com o meu amigo Alfredo com quem gosto conversar e passear pelos campos

domingo, 26 de setembro de 2021

As pessoas nos restaurantes fazem-me sempre lembrar os quadros grandes, com martírios de santos, da igreja da minha infância. Casais que não se olham nem se falam: eles de queixo no prato, a espiarem os vizinhos de baixo para cima, elas de cabeça noutro lado e ambos a pensarem – Porque carga de água não me desamparas a loja? mas o dinheiro, mas o hábito, mas o medo da solidão dos homens – E se eu adoeço? mas a vantagem de ter uma mulher a dias sempre à mão, com olho para os botões a caírem e para as nódoas no fato apesar da chatice de ter que fazer amor com ela de vez em quando – Assim que acabo arranjo uma desculpa qualquer e levanto- -me logo porque ela gosta de ficar no nónhónhó, abraçada, e a gente o que nos apetece é que nos deixem em paz, o maior prazer que tiro daquilo é saber que – Agora, durante uma semana, estou safo pensar – Que raio de ideia me fez casar contigo? pensa – Só não me separo por causa das crianças quando não me separo não por causa das crianças, não me separo porque tenho medo, se me aparecesse uma garina em condições, mais nova do que tu, claro, mais bonita, o que também não é difícil, sobretudo de manhã, quando acordas, despenteada, sem pintura, não aguento o barulho dos teus chinelos no corredor, não aguento as tuas conversas, as histórias intermináveis acerca do emprego, constantemente interrompidas por um – Estás a ouvir? a gente, que não ouviu nada – Estou ela – Então o que é que eu disse? a gente, num resmungo – Que raio de conversa, se respondi que ouvi é porque ouvi a pensar – E se me deixasses em paz? a pensar – Que idiotas as mulheres que ainda por cima gastam um rolo inteiro de papel higiénico quando fazem chichi apesar de dois quadradinhos chegarem perfeitamente, para quê tanto papel, senhores, ao entrarmos de manhã na casa de banho encontramos sempre a rodela de algodão, toda preta, com que na véspera, à noite, tiraram a maquilhagem e que nunca despejam no balde como se custasse muito despejar aquilo no balde, basta carregar no pedal com a ponta do pé e nunca carregam, a rodela de algodão, a bandelete com que puxaram o cabelo para trás, a pasta de dentes sem tampa, a toalha torta no toalheiro, aqueles frascos todos, aqueles boiões todos, a inquietação a propósito de uma borbulha no queixo que teimam em mostrar-nos – Já viste esta borbulha? uma merdice que mal se percebe de súbito dramática, a queixa indignada – Nem olhaste a tragédia da celulite, a tragédia das estrias, o que elas decidem ser uma variz na perna esquerda – Estou uma velha ganas de concordar com elas – Não estás velha, estás a envelhecer porque a tragédia não é ser velha, é envelhecer, a inveja – Nos homens dá-lhes charme envelhecerem, nas mulheres é horrível de facto é horrível mas se por acaso concordamos – Pensas que és algum actor de cinema, tu? e de imediato referências à nossa barriga, à tristeza de nos estarmos a tornar repetitivos, à maçada de nos estarmos a tornar cada vez mais chatos, um olhar de desprezo à nossa silhueta – E gordo, e curvado portanto nada de conversas sobre a idade para não encontrar olhos que cintilam de lágrimas de humilhação e raiva, a boca, de cantos para baixo – Desculpa confessar isto mas o que tu mudaste e claro que mudei mas, ao contrário de ti, mudei para melhor, um dia destes tens as pernas fininhas como dois palitos cravados numa batata, há ginásios, sabias, o que não falta para aí são ginásios de onde voltarás toda suada, de madeixas agarradas à testa, com olheiras, a atirares-te para cima de um sofá, exausta, soprando – Já não tenho vinte anos e realmente já não tens, tens quarenta, perdão, quarenta e três, tu logo, ofendidíssima – Quarenta e dois nós – Fazes quarenta e três em junho e estamos em março, olha que grande diferença elas – E eu só não falo da tua idade por pena de mim, prefiro esquecer-me que vivo com uma múmia nós, picados – Não há nada mais amargo que uma senhora provecta e oxalá ela fique amuada uma semana ou duas, é da maneira que me salvo do tal e coisa por mais uns dias, tenho que pensar nas amigas da minha filha mais velha para conseguir o tal e coisa ou na atriz daquele filme de ontem na televisão ou nas pequenas do rialitichâo que tu – Umas pindéricas, umas saloias para não dizer a verdade pindéricas e saloias de facto que nem português sabem falar mas aqueles peitos, aquelas cinturas, aquelas bocas, no fundo não há como uma pindérica saloia para acordar hormonas, tu, desgostada – Vocês, homens, são uns animais, e de facto somos, tens razão, somos uns animais mas é graças a elas que eu, e calamo- -nos a tempo, ou seja, pensamos que nos calámos a tempo mas não nos calámos a tempo porque bateste com a porta do apartamento e fico sozinho, sem saber o que fazer, no terror que te passe pela cabeça não voltar. António Lobo Antunes, in 'Visão' (2016-06-23)

sábado, 18 de setembro de 2021

Avec le temps Por António Braz (ficção) Quando o Tiago era pequenino, do seu carrinho confortável e fino, abria os olhos lindos de um azul celeste, e o seu sorriso meigo atrevido meio provocador, atraía os olhares dos passantes, carinhoso, afável, atrevido que proporcionava comentários tais como: quando fores crescidinho todas as meninas te vão adoletrar. Os pais ficavam orgulhosos, seguindo o seu caminho, sem problemas na vida, com uma situação social bem estruturada, trabalhando os dois, vivendo em união de faco, numa casinha modesta, mas espaciosa, onde o quarto do menino se tornou o centro das atenções. Apesar da juventude dos pais, a criança foi apaixonadamente desejada, e recebida como um dom divino. Foi crescendo sempre com aquele entusiasmo de felicidade, até à idade dos seus dois anos, irrequieto, carinhoso, e de uma inteligência fora do comum. Porém não balbuciava palavra ou silaba e a inquietação dos pais aumentava enquanto aguardavam um possível atraso. Contudo resolveram consultar a pediatra a qual embora com reticências, encaminhou-os para um serviço especializado. O diagnóstico caiu nos dois jovens como uma bomba que fere até à profundidade das entranhas. Como era possível nunca terem reparado que o menino não ouvia? Foram tantos os índices, mas quando se é pai e mãe só vemos o que nos convém… um surdo mudo que nada alterava ao amor que os progenitores tinham por ele, mas que por certo viria a ser um entrave no decorrer do seu crescimento e mais tarde no mercado do trabalho. Foi crescendo com a deficiência que o destino lhe legou, e como era excecionalmente inteligente, foi ele próprio a encontrar a maneira de comunicar com os pais e outros familiares, através das novas tecnologias, que manipulava aos quatro anos, muito acima dos adultos dotados e considerados como os crac na matéria. Frequentou durante um ano as escolas especializadas, sobretudo a gestual, mas a aprendizagem durou tês vezes menos tempo que para os habituais alunos. Com cinco anos terminou o 1º e 2º ano. No seu computador, tablet ou telemóvel que manobrava como um cozinheiro de renome a sua cozinha, ele instalava todas as ferramentas de que necessitava, e com elas chegou ao décimo segundo ano tinha apenas doze anos fazendo sempre uma vida normal, embora certos jogos dos adolescentes como ele não lhe interessassem tentava humildemente participar, e nunca sentiu descriminação, apenas umas peadas dos colegas com idade muito superior à dele. Com dezoito anos tinha já terminado o curso superior em ciências aplicadas e foi convidado para trabalhar numa empresa Americana de renome onde se faziam pesquizas para deficientes de todos os géneros, mas não aceitou porque tinha mais um ano para concluir o doutoramento. Muito querido, mas sobretudo admirado por personagens de alto nível que levavam os cumprimentos ao fastio do rapaz que apenas tinha nascido diferente dos outros. Tiago vivia alegre e feliz na sua humilde casinha em companha dos pais que também planeavam secretamente um futuro com vislumbre para o filho, mesmo com a deficiência existente. Já com o doutoramento concluído, chegavam a casa propostas de imensas firmas, reconhecendo os dons intelectuais do rapaz. Porém, num dia de outono, quando as folhas já começavam a cair, enquanto passeava na margem do rio, começou a sentir uma dor de cabeça que progredia para a atrocidade, e, de volta a casa, os pais com grande aflição chamaram o INEM que o conduziu de imediato ao hospital de S. João e o prognóstico do 1º médico que o observou revelava-se reservado, mas bastante critico. Numa sala ao lado dialogavam os melhores professores do hospital depois de ter passado pela ressonância magnética, e a conclusão não era deveras otimista. Entretanto tinham-lhe sido administradas duas doses de morfina para amortecer aquelas horríveis dores e gritos que Tiago quase já sem forças, debatia-se perante os olhares impotentes da medicina, sendo um caso raríssimo que presenciavam tristemente com lágrimas a descer lentamente pelos rostos, e sem coragem para comunicar o seu estado aos pais que aguardavam ansiosos na sala de espera. Ligaram para os mais prestigiosos hospitais dos estados unidos para uma eventual transferência que não julgaram aconselhável em virtude da distância e do estado do doente. Duas horas depois foi anunciado o óbito. Tiago partira para sempre

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Por terras de beleza

esta foto não é minha

 Os vales

Uma terra como tantas outras, situada na encosta da serra da nogueira, isolada de tudo e de todos, mas, quem lá morou , tenho a certeza que amou este lugar singular de beleza natural, e foram poucos os privilegiados num pequeno aglomerado de quatro casas cujos residentes, dois ou três casais com filhos ainda pequenos que nunca lhes faltou pão batatas e o que davam os “cevados” para comer em dias e noites medonhas de inverno onde se ouviam os lobos uivar em tempos de nevões , bem perto do povoada, com fome, desesperados, mas o tio Raul, homem de pequena estatura já não temia, talvez por se ter acostumado, e também porque a “escopeta” estava sempre carregada e pronta para defender os seus entes queridos. Nunca cheguei a saber porque razão foi ali parar e construiu a sua casa, assim como depois os outros habitantes, a cerca de cinco ou seis km da freguesia, suponho que tenham sido as terras férteis que podia cultivar e extrair o pão nosso para cada dia embora o desconforto e a longevidade de outros aglomerados fossem fatores de risco que ele enfrentou sempre como homem de garra e luta. Não existia estrada apenas um carreirão por onde passavam

 
dificilmente os carros de vacas carregados com cereais e batata, que gastavam um dia para as levar à estação de Rossas onde eram enciladas e depois vendidas seguindo no comboio a carvão que transportava mercadorias. Era uma casa abastada, e os filhos, de quem me lembro melhor por terem apenas menos dois anos que eu, devem ter vivido um calvário em tempos escolares. Chegavam à escola todos os dias encharcados dos pés à cabeça tiritando com o frio e neve que nestes tempos eram rigorosos, onde uma braseira que a tia Benigna ou Maria Silva se esforçavam para ter à disposição dos professores, deixando o lugar por uns momentos às pobres crianças para aquecerem as mãos, e o resto do corpo ia aquecendo também por baixo das roupas ensopadas, de boa qualidade que o pai velava com ambição, e até muitas vezes veio com

eles até à ribeira para os ajudar a atravessar, por cima de umas pedras escorregadias com o coração num punho não fossem arrastado pelas águas neste tempos densas e velozes. O seu grande sonho era que os filhos tirassem um curso superior apesar das adversidades, e dois deles, inteligentes conseguiram. Levar para os vales a luz elétrica o que nunca aconteceu. Houve mais tarde um rompimento pela malhada velha onde se podiam deslocar os mais atrevidos com automóveis, mas a vida nos Vales já era. Havia também uns gémeos dos quais não me lembra o nome esses mais novos, mas que também ainda comungaram das dificuldades para se deslocarem a Rebordainhos ou a Lenção que era as aldeias mais próximas.

Quem morou neste paraíso de tranquilidade saudável não deve envergonhar-se de ter lá vivido, nem mesmo quando alguém mais atrevido lhes perguntar de onde são… pessoalmente sustento imensa admiração pelos pais e filhos que lutaram para vencer e o tio Raul deve ter partido orgulhoso com justificadas razoes. (Houve um lapso no nome da personagem que integra este texto, o qual já foi retificado com imensas desculpas aos familiares, amigos, conhecidos e leitores. Mea culpa

sábado, 11 de setembro de 2021

Do pó até ao pó


Não deixe que as suas panelas brilhem mais do que você!!!!
Não leve a faxina ou o trabalho tão a sério!
Pense que a camada de pó vai proteger a madeira que está por baixo dela!
Uma casa só  será um verdadeiro  lar quando você for capaz de escrever “Eu te amo” sobre os móveis!
Antigamente eu gastava no mínimo 8 horas por semana para manter tudo bem limpo, caso “alguém viesse visitar-me” – mas depois descobri que ninguém passa “por acaso” para visitar – todos estão muito ocupados passeando, divertindo-se e aproveitando a vida!
E agora, se alguém aparecer de repente?
Não tenho que explicar a situação da minha casa a ninguém…
…as pessoas não estão interessadas em saber o que eu fiz o dia todo enquanto elas passeavam, se divertiam e aproveitavam a vida…
Caso  não tenha ainda percebido: A VIDA É CURTA… APROVEITE-A!!!

Tire o pó… se precisar…

Mas não seria melhor pintar um quadro ou escrever uma carta, dar um passeio ou visitar um amigo, fazer um bolo e lamber a colher suja de massa, plantar e regar umas florinhas?
Pese muito bem a diferença entre QUERER e PRECISAR !

Tire o pó… se precisar…

Mas você não terá muito tempo livre…
Para beber champanhe, nadar na praia (ou na piscina), escalar montanhas, brincar com o cão de estimação, ouvir música e ler livros, fazer amigos e aproveitar a vida!!!

Tire o pó… se precisar…

Mas a vida continua lá fora, o sol iluminando os olhos, o vento agitando os cabelos, um floco de neve, as gotas da chuva caindo mansamente….
- Pense bem, este dia não voltará jamais!!!

Tire o pó… se precisar…

mas não se esqueça que você vai envelhecer e muita coisa já não será tão fácil de fazer como agora…
E quando você partir, como todos nós partiremos um dia, também voltará a ser pó!!!
Ninguém se lembrará das contas que pagou, nem da sua casa tão limpinha, mas  lembrar-se-ão da sua amizade, da sua alegria e do que você ensinou.

AFINAL:

“Não é o que juntou, mas sim o que espalhou que reflete como a nosso vida foi vivida.”

Autor desconhecido