terça-feira, 29 de novembro de 2022

Amizades desvanecidas AB Eramos adolescentes, pobres e vizinhos sem qualquer empatia especial. Eu com quatorze anos de idade, ele um ano mais novo. Afastou-se da violência doméstica e do miserável casebre arrendado, com a ajuda dos patrões endinheirados e respeitados que acabavam de chegar à terra vindos de colónias ultramarinas libertas de tantos anos de opressão. Integrado numa congregação religiosa, como uma dezena de rapazes tinham conseguido a admissão, através dos mesmos meios, conhecimentos e braços longos quedou-se por lá pouco tempo, apenas dois anos, desconheço as verdadeiras razões, ser padre era a finalidade… durante este tempo, recebeu o pároco da freguesia uma carta sua na qual segundo este me mandava um abraço. Atônito respondi ainda incrédulo: mande-lhe também um meu. Pouco tempo depois voltava à terrinha e após um primeiro encontro comecei a considerá-lo como o meu melhor amigo. Fomos crescendo, com fome ou sem ela, (porque também os famintos crescem) e namoriscando, dando voltas sem fim ao povoado, na esperança de nos cruzarmos com as pretendidas em qualquer canto, ou que viessem à porta ou à janela com um pequeno aceno de mão que já nos ajudava a dormir melhor. Confidenciamos um com o outro, levando recadinhos, porque os pais não eram de cocegas, e quem pagava as favas eram elas. Estes namoriscos tornaram-se em verdadeiras paixões proibidas pelos familiares que só por terem uns pedaços de terra se julgavam superiores esperando casar as filhas com melhores partidos sendo nós considerados “pandilhas”. Não houve conformismo nem cedências e os invernos iam passando neste enredamento. No mês de outubro, completava eu dezoito anos e ele dezassete. Ponderamos no facto de dar o salto para França onde supostamente se ganhava para viver melhor mesmo sendo longe daquela espelunca que amávamos profundamente incluindo os familiares. Com 50 escudos no bolso desloquei-me a Bragança para requerer o bilhete de identidade. Pela primeira vez na minha vida confrontei-me com o suborno e a corrupção reles do funcionário do registo civil metendo ao bolso os 50 escudos, caso contrário não havia bilhete de identidade para ninguém. Voltei para casa com a barriga a dar horas e felizmente tinha tirado o bilhete de ida e volta, caso contrário só me podiam valer as pernas. Durante os dias que se seguiram fomos contactados por um “passador” e em troco de uma certa soma de dinheiro acompanhava-nos até Paris. Partimos à uma da manhã, no dia de todos os Santos, mas o pai do meu amigo não deixou que ele seguisse viagem connosco No mês de agosto seguinte voltávamos de férias já com a papelada no bolso para poder trabalhar na França depois de várias peripécias durante este tempo. Por cá os namoriscos continuavam no mesmo ritmo e não tinha mudado nada em relação às restrições. No mês de setembro voltamos a embarcar e desta vez o pai do meu amigo não teve hipótese de o proibir a dar o salto. Deixámo-lo na no quarto de um primo que tentou arranjar-lhe trabalho, mas como não tinha dezoito anos feitos foi obrigado a falsificar o BI. Trabalhava e estudava já com o 2º ano concluído que trouxe da congregação. Era inteligente e progrediu na vida à força dos seus braços e inteligência. Quando a sua amada atingiu a maior idade, casaram, voltaram juntos para frança, para uma região que visitei sendo várias vezes convidado com uma amizade crescente juntamente com a esposa e filho. Tudo se desmoronou com o decorrer do tempo, e hoje sou apenas um estranho que cruzou na sua adolescência e toda a nossa amizade sumiu. Pergunto-me vezes sem fim porquê? E não encontro uma razão válida ou suscetível de ser. Concluo que não há amizades eternas.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

A FELICIDADE ESCURECEU O MEU VIVER Lembro-me na escuridão do meu quarto As cores do arco-íris, o brilho do sol a brilhar Adormeço e de tantos sonhos me aparto Já não vejo o firmamento nem estrelas a cintilar Quando era menino e com os outros meninos brincava Jogando à cabra cega tinha de adivinhar O nome daquele que me tocava de olhos vendados andava Sem bengala branca para o guiar, Não nutro ressentimentos vivendo à minha maneira Sabendo que será noite para o resto o meu viver Mesmo já não vendo a luz pela peneira Não esqueço aquele que para me salvar a vida teve que morrer Com seus órgãos renasci e na minha casinha só, mas aconchegado Sou feliz com a infelicidade que um dia me bateu à porta A prendi a navegar em mares desenfreados Não conheço o nome do porto, mas que importa Entre quem por bem bater à minha porta, Fui marido sou pai e sou avô, homem de guerras vencidas E para com aqueles que desdém me olham Deixo apenas um aviso, ninguém está ao abrigo AB

domingo, 27 de novembro de 2022

'Poema do Futuro' Conscientemente escrevo e, consciente, medito o meu destino. No declive do tempo os anos correm, deslizam como a água, até que um dia um possível leitor pega num livro e lê, lê displicentemente, por mero acaso, sem saber porquê. Lê, e sorri. Sorri da construção do verso que destoa no seu diferente ouvido; sorri dos termos que o poeta usou onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo; e sorri, quase ri, do íntimo sentido, do latejar antigo daquele corpo imóvel, exhumado da vala do poema. Na História Natural dos sentimentos tudo se transformou. O amor tem outras falas, a dor outras arestas, a esperança outros disfarces, a raiva outros esgares. Estendido sobre a página, exposto e descoberto, exemplar curioso de um mundo ultrapassado, é tudo quanto fica, é tudo quanto resta de um ser que entre outros seres vagueou sobre a Terra. - António Gedeão, in 'Poemas Póstumos'

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

HÁ COISAS DO ARCO DA VELHA! AB A citação não é minha, ouvi-a por aí, quando andava catando inspirações, por entre pinhais e serras, miradouro de paisagens prodigiosas de recetividade e alimento, onde as palavras deixam o lugar à magnificência, e nos transportam em tornados envolventes para nos despejarem em lugares de criatividade, ao sabor da indulgencia ou gratidão? Dormi na perturbação do imaginário e de comentários que tinham mera importância, mas, perseguiam o meu raciocínio, justo ou injusto, já não sei, tenho apenas a convicção de que: não haveria homens se as mulheres não existissem como poderia haver mulheres sem haver homens? Voltando à história do ovo e da galinha e qual deles nasceu primeiro não elucida ninguém porque ambos nasceram. Não sendo portador de preconceitos e concordando com a emancipação de todos os oprimidos não apoio uma liberdade prejudicial onde a família se resume ao casal filhos e netos cuja educação fere a suscetibilidade de outras gerações que levaram chapadas na escola, palmatórias e outros castigos, com a finalidade de aprenderem prestando atenção, e que atualmente, com a gestação programada de percentagem muito baixa, os meninos são reis dominando o afeto parental, com birras e chantagens, comendo só quando querem e do que querem, acompanhados de um telemóvel exibindo desenhos animados ou lutas incentivantes à violência, cuja atenção se desvia do que era suposto ser um almoço familiar com idades para saberem estar e comer à mesa, e que parte dos alimentos caem sobre as toalhas, com repreensões nefastas, cabendo aos pais a responsabilidade de uma educação sem violência mas que dela resultem resultado a crescer com eles de onde se extraem os bons princípios, e valores sem preço. Os professores vivem autênticos calvários com certos alunos a apreensão de serem deslocados, não podendo sequer dizer: Ó fulano assenta-te que estás a perturbar a aula. O menino vai fazer queixinhas englobando mentiras, e o Diretor da escola em quem acredita? O que corre noite e dia nas cabeças ocas de pais que já nasceram e cresceram no tempo das vacas magras, apenas 50% porque os outros jogam em campeonatos sem desejos nem necessidades sexuais, é apenas a ganância de ter mais que o vizinho, filhos com cursos superiores aos do mundo inteiro, onde o orgulho se transforma em desprezo e a avareza podre contamina mais que qualquer surto. Um dia ficará cá tudo mesmo a podridão contagiosa, um povo vaidoso que não teve o que poderia ter tido, e que se isola numa amnésia fulgurante, cujos resultados se vão verificando, nas guerras sem fundamento e o medo de serem arrasados pelos que andaram mais depressa, mortes e sofrimentos atrozes para quê? Voltando aos comentários de o homem não ser nada se não existissem mulheres, o mar vai crescendo e as bananas cada vez mais acessíveis. Divorciar com 70/80 anos, mais de metade unidos e suportados, com altos e baixos, e hoje por uma peneira já não deixar passar a farinha, dividimos e não te quero ver mais. Que grande falcatrua! Conheci a violência doméstica, ensinou-me algumas coisas, mas os meus pais amados serão sempre o que foram, O adultério não pode ser o fator que desencadeia o desastre. Cobiçar é a prova que o ser humano deve saber gerir sem ferimentos nem provocações, alimentadas por factos à espera do clique. A mulher sabe arrumar a casa, o homem sabe mudar o pneu furado. A mulher sabe mudar a fralda dos filhos dar-lhes banho o homem também sabe. De morrer todos tem medo. Tem capacidades psicológicas a mulher para suportar o sofrimento mais acentuadas que o homem resta a provar…. Vivem melhor as mulheres sós do que os homens, já não são mulheres apenas uma boneca feita na olaria, ou procuram comparações para a satisfação exigente. Quanto aos homens acomodam-se com os meios ao dispor… cest la vie

domingo, 20 de novembro de 2022

"...tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa; há prematuramente, no calor e na luz, uma certa tranquilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de leve; o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada; respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora. Veio-lhe uma alegria: sentia-se ligeira, tinha dormido a noite de um sono são, contínuo, e todas as agitações, as impaciências dos dias passados pareciam ter-se dissipado naquele repouso. Foi-se ver ao espelho." Eça de Queirós in "O Primo Basilio"

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Poema de AB Calem-se os gritos nesse desespero bradar Abram fileiras aos que de longe vem divulgar E no silencio deste imensurável calcorrear Ouvem-se crianças, sem mãe e a sem pai a soluçar Onde os poetas que tão bem sabem prosear Não encontram locuções e vagueiam a deambular Como verdes lagartas em fila atravessando a estrada Sem rumo nem destino onde pernoitar Esta poesia em todos nós emprenhada Serve para quê? Para quando? Ou para nada Vive impotente sem sentimentos e desnudada Alimenta ilusões para quem segue vazio pela longa estrada Para jamais voltar e em cinzas ser transformada Num silencio medonho onde todos caímos E tudo calado E tudo dormindo Fechem-se as portas Onde dormia o menino

terça-feira, 15 de novembro de 2022

https://cspslmurcos.blogspot.com/2022/10/traicao.html Traição 503 O viajante errante, Continuação João, gastara o dinheiro da venda que o irmão lhe tinha depositado numa conta em seu nome aconselhando-o a terminar o curso, reprimindo-o da péssima vida que o estava afundando cada vez mais, dependente de drogas e álcool, sujo por dentro e por fora, dormindo sobre um cartão de papelão à entrado do metro ou abrigando-se em lugares repulsivos, mendigando sobretudo expressões asquerosa onde surgia sempre – vai trabalhar malandro… O seu fiel amigo de quatro patas, um pastor alemão que imensas vezes lhe evitou graves sarilhos, acompanhava-o velando noite e dia onde quer que estivessem. Chegou a deitar-se junto do seu corpo trémulo quase gelado após ressacas que se sucediam cada vez mais frequentes tentando aquecê-lo e com uma das patas limpava-lhe o rosto de uma barba crescida sem higiene por onde passeavam insetos e a voz do desprezo abandonado pelos que passavam fingindo não o conhecer, com vergonha onde na casa que fora dos seus pais lhe engraxavam os sapatinhos e lhe chamavam o Joãosinho. Já sem dinheiro com fome e sede coberto com um capote esfrangalhado, umas botas comidas pelo tempo, calças esburacadas camisa de marca chique, mas que lhe colava ao corpo imundo, já sem forças para se levantar, pensava na morte terrível que se avizinhava, nos pais e no irmão cujas saudades lhe umedeciam aqueles olhos que tinham brilhado e hoje só viam a noite na escuridão. O cão ladrava e uivava pressentindo a morte, e João ainda teve forças para dizer: - És a minha única família, mas só te posso legar gratidão e carinho…. Do outro lado da rua, enquanto esperava a esposa e a filha que faziam compras no interior um homem presenciou a lamentável situação pormenorizadamente, e tirando do bolso do casaco comprido de um azul escuro o telemóvel fez uma chamada. As pessoas que presenciaram, concluíram que seria para a polícia, porem, um senhor fardado aproximou-se do estranho, e depois de umas instruções, atravessou a rua e foi ter com João. Olá! disse este com sotaque estrangeiro: O meu patrão encarregou-me de tratar de si e do seu cão, acrescentando que fizesse de tudo para que não lhe faltasse nada. Por onde começamos? João ficou atónito, e dirigiu o olhar para o Sr. que o saudou com as duas mãos apertadas. Um estrangeiro com coração de ouro, proprietário das melhores lojas da região. Se me permite vamos comprar roupas novas nas suas lojas, tomar um banho no seu hotel, calçar-se nas suas sapatarias e barbear-se no seu barbeiro preferido. Depois vamos comer no restaurante preferido já reservado, e só exige uma foto no fim para poder admirá-lo. E porque faz isso tudo esse homem? A essa pergunta já não posso responder, mas recomendou-me que lhe fizessem um farnel bem recheado para que não fosse a fome a matá-lo mas você a matar a fome. AB (continua)

domingo, 13 de novembro de 2022

AB Destinos e destinados 302 por António Braz Era mais um dia de fim de verão, as folhas amarelavam prevendo que brevemente cairiam mortas, num chão frio, mas a paisagem era primorosa com aquela variação de cores anunciando um outono ventoso com mudanças de temperatura, obrigando as pessoas a agasalhar-se nas suas casas ou fora. É uma das estações do ano cheia de imprevistos, que dá entrada a falatórios mais ou menos realistas, com insinuações e previsões de despedidas. Ás seis da manhã, junto à vivenda dos Avós de Fernando C estacionava uma ambulância do INEM, e três pessoas dirigiram-se com o porteiro para o interior a passos largos e apressados. Subiram pelas escadas, duas a duas, levando com eles todo o equipamento de socorro, só a cama de encarte entrou mais tarde quando o médico tinha instalado o maquinismo ao qual ligou imediatamente o moribundo que de olhos fechados não conseguia responder às perguntas, com os lábios colados um ao outro. O enfermeiro interrogava com o olhar o médico o qual brevemente chegou a um diagnóstico - Crise cardíaca severa, (infarto do miocárdio) opinou o médico, precisamos de conduzi-lo ao hospital o mais rápido possível… Junto ao leito, banhada em soluços, a esposa de mãos postas e olhos erguidos para a imagem do divino senho, enquadrado por cima do leito rezava em voz trémula e baixa. Fernando C que não tinha dormido em casa, ausências frequentes que o álcool e as drogas, faziam dele um farrapo, sobretudo nesta fase em que a amiga borboleta lhe tinha colocado um ultimato, que tinha de escolher rapidamente entre ela e as fantasias destrutivas com amizades de gangues, onde o dinheiro ardia como palha seca, situação em que colocava os avós responsáveis pela sua educação num desespero constante, tendo já sido obrigados a recorrer ás economias sendo ameaçados e chantageados com a morte da mãe. As empresas foram vendidas, a oportunistas negociantes que aguardam como abutres situações idênticas das quais tiram o máximo lucro. Antes de lhe faltarem todas as faculdades o avô tinha mandado chamar o notário ao quatro onde foi registado um testamento no qual eram repartidos todos os seus bens, os de um império que se desmoronava como um castelo de cartas. Todos os seus entes queridos tinham a parte que lhes pertencia por direito. Fernando D entrou em casa no dia seguinte, ainda meio atordoado, mas ao reparar nos choros da avó que não tinha fechado olho, sentiu um estremecer e um bater de coração, como se alguma coisa tivesse acontecido naquela casa, Antes de abraçar a avó subiu ao quarto vazio onde dormia o casal e ao vê-lo vazio o coração caiu-lhe aos pés. Voltou a descer as escadas saltando por cima delas, e a pergunta não foi necessária. O teu avô foi ontem para o hospital em estado critico, provavelmente vai morrer, e tu onde estavas? Teria amado falar contigo pela última vez e tu negaste-lhe o último desejo. Será que o teu coração é feito de pedra? - Perdão avozinha, - e agarrado ao seu cabelo parecia um touro à solta. Eram tantos e tão grandes os remorsos, que não conseguia orientar-se. - Não vais vê-lo enquanto é tempo? - Claro que vou… mas não sei onde está nem tenho dinheiro para o transporte. -Desgraçado, em que bicho te tornaste? Pelo caminho do hospital Fernando C sentiu-se um monstro. Ao entrar de mansinho no quarto do avô assentou-se a seu lado inundado em lágrimas enquanto lhe apertava uma das mãos. Depois passou os seus dedos por aquele rosto meigo e enrugado enquanto mentalmente pedia perdão. Estava a beijá-lo na fronte quando uns olhos meigos, ternos, e cansados se entreabriram, e os lábios ressequidos perguntaram com grande dificuldade: - És tu meu ilho? Não temos muito tempo para falar, mas queria que soubesses que te amo muito e a tua avó também.… não deixes que lhe falte nada, prometes? -Fernando estava arrasado, e as palavras demoravam a sair. - Promete meu filho, porque eu vou partir brevemente e só assim partirei em paz. -Claro que prometo… mas não nos deixe por amor de Deus… O homem voltou a fechar os olhos para nunca mais os abrir, esperou pelo neto lutando até ao último suspiro.

sábado, 12 de novembro de 2022

O medo tentou raptar-me. Levou-me por caminhos incertos. Mostrou-me os espinhos e escondeu as rosas. Quis-me fazer acreditar que a Primavera não iria voltar e que eu estava definitivamente condenada a sofrer. O medo convidou-me para conhecer o lado oposto da vida. Roubou-me o sol e disse-me que na escuridão tudo era mais perfeito. Atordoada segui-lhe os passos sem compreender que não estava a caminhar. Com ele só poderia retroceder ao que não queria voltar a viver. Ele queria impor as suas regras e mudar quem eu sempre fui por vontade própria. Apagou-me o sorriso dos lábios. Riscou a palavra felicidade do meu dicionário. Aceitei ser refém dessa sombra para que ninguém visse o tormento que me perseguia. Não queria que vissem a cor da minha mágoa, nem sentissem o cheiro do meu sofrimento. Fiz essa viagem ao fundo do abismo. Quis acreditar que o mundo era um inferno em chamas e que sofrer era a forma certa para viver. Quis perder-me no meio da escuridão para não ver o que está à minha volta. Só que a meio do caminho senti o cheiro do amor. Vislumbrei as pétalas de uma rosa por entre os raios do sol que não obedeceu às ordens do medo e continuava ali a iluminar os meus dias naquela floresta negra onde andava perdida. Chamei pelo amor, indiferente ao olhar ameaçador do medo que me queria calar a todo o custo. Chamei por mim e pedi de volta todos os meus sonhos sem querer saber se o medo iria ou não aceitar esta minha decisão. A vida era minha e ele era apenas um intruso que estava a virar do avesso a minha realidade. O medo quis raptar-me, mas o amor ensinou-lhe que num coração com sentimentos quem manda é ele. Expulsou o medo da minha vida e comecei a viver de braço dado com a alegria que o amor me mostrava, desenhando linhas por onde deveria caminhar se quisesse continuar a sorrir. O medo retirou-se contrariado, mas ninguém lhe deu grande importância. O foco era viver e sentir a vida a cada momento e essa é uma dança que o medo mão sabe dançar. @angela caboz

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Esta foto não é deste ano Os dias começam a ser longos e frios acabaram-se as cavaqueiras e as paredes das casas já não ouvem murmurar. Choram as telhas num silencio de dor, rasgam-se nuvens ainda em flor, fecharam-se portas que abrigaram tanto amor. Dentro já não mora ninguém, as ratazanas constroem seus ninhos sem projetos nem licenças, andam de um lado para o outro num granjeio de patrões sem medo dos gatos que também já não vem. Meu Deus, porque me abandonaste? Um grito de cristo pregado na cruz, já sem timbre na voz, nem alento que significa estarmos sós, abandonados e tristes como avestruz, sem pernas sem asas e a vista que nos falta, gelados com frio quando chega a madrugada, em camas de desespero que já não podem nada lembrando-nos o tempo em qua a vizinhança falava, e até comentava cenas de filmes que tanto nos agradava. Ó terra de tantas lembranças amontoadas fugitivas, das quais não resta nada. Ó tempo malvado que tão cruel tens sido, abrasas no verão, solta-se o vento que queima tudo o que é alimento. Se é à fome que nos queres matar, sem argumentos para julgar, que essa corda medonha se enrole aos nossos pescoços, e juntos tremendo com medo da morte, leva-nos ao mar para que possamos anelar. Se estamos condenados pelo destino pela nossa hora esperar, leva conforto esperança e carinho, àqueles que no seu miserável ninho, não tem com que falar, nem meios para aquecer os pés e as mãos ao anoitecer, e a fome por dentro a roer. Neste desespero medonho ajuda-os a ter um lindo sonho, ainda que seja uma só vez porque a solidão é tão cruel, mas o carinho doce como o mel. AB Tempo de castanhas que este ano será um verdadeiro desastre para os que esperavam uns tostões amealhar e que infelizmente as temperaturas de verão não permitiram. Toda a produção de alimentos foi afetada, os preços de compra dobraram e triplicaram, combustível energia, é um ano para esquecer aqueles que subviverem. Melhores dias virão e esta gente não é de atirar a esponja. Também a azeitona outra fonte de rendimento se ficou pelos 20% resta encontrar solução para colmatar. AB

sábado, 5 de novembro de 2022

Será que o meu dia chegará? AB Pobre de mim desgraçada nasci em tempos degradada, despida descalça e mal-amada servindo só para ser pisada e talvez ainda enxovalhada, pelos que para estas bandas não tem nada sem sabem o que é uma estrada. Vivi já tantos anos com a esperança e o desejo que já me cansa de um dia ter o condão de entrar em Agrochão, toda de azul vestida com cheirinho a alcatrão. Tantas promessas que o vento varreu, de cabeças ocas do que nunca foi seu e com mentiras sempre prometeu, reunir-se com o colega para debater as razões porquê seis km tem tantas obstruções ou serão as más informações que tão deprimida me vão deixando, esperar, mas até quando? Quem espera desespera onde se instala a quimera, por chegar mais uma primavera, após um horrível inverno, coroado de intempéries o malvado, deixando sobre mim tudo encharcado, e de ossos à vista e carne desfeita, banhados em lama da esquerda à direita, poças cobertas de água, bermas invasoras cobertas de mato, sou só um caminho que não vale nada. Os meus lamentos fundamentados, entram em escritórios onde estão confortavelmente assentados, seres sem dor nem compaixão cabendo-lhe apenas na mão, o poder de decidir, ponderando brevemente, se deve calar-se ou agir. Se não desejam que pertença ao concelho, cortem a entrada a saída e o meio, retirem dos que ainda alimentam ilusões, a traição dos corações e formem justas opiniões de um eleitorado democrático, cuja balança pende sempre para o lado dos burlões, dos graxistas e dos “mamões”, porque quem por aqui vive e passa, paga todos os direitos e a taxa, dos que tem podem e querem.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O caminho Caminhava na lentidão prescrita para idades e momentos, acompanhado pela esposa, num esboço de ave consternada, num impulso de cobiçar muito para além do que podia esperar, era meu primo cuja afinidade foi sempre como o antigo muro de Berlim, tinha oito ou dez anos mais que eu, e abalou para outros horizontes quando eu era ainda um “puto” pelo que não tomei como insólito a fato de não me reconhecer. Esperei na beira da estrada, que no passado foi caminho de lama e pó, por onde se efetuavam grandes corredios para apanhar o comboio a vapor a quatro quilómetros de distância, e quando lhe tendi inocentemente a mão par o cumprimentar, não fui correspondido o que me deixou confuso numa perplexidade embaraçosa. Sou filho do teu tio o…- incrível! Responde ele num tom de voz consternado observando-me dos pés à cabeça como um forasteiro que jamais tivesse visto. Como as pessoas ficam desfiguradas! – Disse ele em voz baixa. Acompanhei-os mais alguns passos, sem mais perguntas nem respostas… iam assistir à misa de todos os santos, passados três anos, procurei-o por entre os presentes na igreja, em vão. Na minha mente surgiam constantemente aquelas poucas frases que trocámos, caminhando ou empurrados por um vento que rapidamente passa e gela, transforma e leva consigo, para lá das serras, dos lugares e das pessoas, transformadas em pó, já sem linguagem nem pernas para ainda caminhar, ao som das trombetas, dos sinos que repenicam, de mais uma peça que se retirou do puzzle, em silencio, com dignidade. Familiares que nunca fomos, amizades passageiras de um dia, um mê ou alguns anos, que bruscamente o nefasto realça, quando já o interesse atravessou para o outro lado aquele rio sujo, encontrando o que sempre procuraram, desejos falsificados, promessas imersas no fundo de um saco com eles trazido onde tudo, até as mentiras, foi metido. Vamos neste dia mostrar, e perante os numerosos presentes lacrimejar até as costas voltar deixando para trás tormentas e dor, representadas por cada flor. Vasos lindos para inglês ver, perfumes que acabam por desaparecer. Enquanto vivos foram esquecidos e desprezados, de todos os seus bens despojados e com lindas frases encaminhados para asilos de velhos onde são deixados, que as suas reformas vão pagando, nunca sabe até quando aqueles meigos olhares na parede fixos, e que á noite nos seus quartos isolados, acordam de manhã de pés e mãos molhados. Nunca mais poderão chorar, nunca mais voltarão a amar, tantos anos se perderam, noites à vela sem poder dormir, pagos com moedas de desilusão das quais também um dia eles receberão. Quem é a tua família? Perguntar-lhe-á um gaiato, que desaparece neste mundo ingrato AB