ANTES DO
SALTO por António Braz
O “ puto”,
no auge da adolescência e em plena rutura de uma vida aprazível, no seio
daquela adorável família, mas que, pelos motivos já conhecidos e outros que não
foram revelados nem aprofundados se viu obrigado a voltar ao seio de uma
família pobre, sentiu muito, física e psicologicamente ao ponto de se ter arrependimento
em não seguir as diretivas de outros que permaneceram nas instituições
religiosas até atingirem um grau curricular que lhes desse equivalência à
situação respeitável com a qual hoje se passeio sem remorsos nem culpabilidade –
não tinham vocação – que desculpa tão esfarrapada!
Não tinha
nada e chegou a ter tudo, e agora “ vira-se o pobre contra a esmola” errou uns
tempos como um cão vadio, mas tornava-se urgente contribuir para a nutrição dos
mais novos, e pela sua própria autonomia, embora só tivesse 16 anos, e pouco ou
nada sabia fazer… “geireiro” para todos os serviços, e pago no final do dia com
meia dúzia de tostões que não pagavam os gastos do deslocamento a pés com
distâncias superiores a 20km,
A primeira
jorna foi a convite de tio António piloto, um homem justo, trabalhador e
honesto. – Sei que ainda és novo, mas também sei que é de novo que se amansa o
vitelo, pelo que tenho no baixo umas ganhas novas que comprei na feira dos chãos,
com um cabo à maneira, - feito por mim _ amanhã vamos lá para vale de saidouro,
- tenho lá um batatal como nunca vi… toda certificada, para ir para o
estrangeiro… que terra rapaz! Desfiz o lameiro, tinha água com fartura, aquilo
são batatas por todos os buracos!
Tinha
realmente lá um batatal apesar da extensão do terreno não ultrapassar os dois hectares
foi levar para os silos de Rossas vagões de batatas que eram de dia escolhidas
por uma equipa de raparigas, mediante o olhar do pisco, e nós carregávamos e descarregávamos
já alta noite, para logo no dia seguinte às 5h da manhã ensilar. Este bondoso
homem dizia-me sempre: - Não tragas merenda, eu levo par os dois.
Passamos
ainda algum tempo juntos, no arranjo dos caminhos sobretudo os que davam à sua
propriedade, para que as pedras não magoassem as vacas nas patas. Pelo meio
ganhei algumas jeiras para o Sr. Lopes Direito cujo feitor era o tio Carlos.
Depois surgiram, na quinta do Sepúlveda trabalhos diários com as “campiçadas”
de luplo em voga nestes tempos e que empregava dezenas de pessoas para além dos
numerosos criados, feitores, pastores etc.
Com uma pequena mochila para transportar a parca
merenda, corria ainda antes do sol nascer pela canada de Vale de espada, roubando uma
maçã coradinha ao Sr. Professor, entrava no carreirão da Galiana até chegar à quinta
onde a vida já era de movimento entra a gritaria dos numerosos
miúdos e a
tia “Palecas” barafustando por tudo e por nada, uma língua! Era a esposa do
feitor o tio Assis, um homem rude, de estrutura grande, e poucas falas, mas
justo velando pelos interesses dos patrões, também para governar a filharada,
porque nesse tempo, eram muitos os que comiam e poucos os que trabalhavam.
Nesta quinta
ajudei na arranca da batata, acarrejas, e colha do luplo, a fonte de mais
rendimento nesse tempo. Voltava sempre que o sol desaparecia, cansado, mas com
um entusiasmo e grandes esforços para chegar junto de uma propriedade onde a
mulher que namorava e amava vinha colher umas couves, simples pretexto por
saber que eu passaria por lá sempre às mesmas horas… Ficávamos a olhar um para
o outro como encantados, trocávamos um beijo fugitiva e não encontrávamos as
palavras para dizer o que quer que fosse…. Estávamos realmente apaixonados,
para que serviam as palavras?