segunda-feira, 29 de março de 2021

Cai a madrugada


 Madrugada  por António Braz

Cai a madrugada! E na profundidade da paz envolvente, silenciam-se as  ruas as montanhas e o mar… adormece a dor, enquanto o vento, discreto e suave, tenta varrer a sujidade limpando as nódoas impregnadas na alexitimia marcante desenvolvida pelos seres humanos  à medida que o tempo vai passando, com subtileza perspicaz, engendrando caminhadas, pisando, saltando, menosprezando aqueles que outrora retiraram o pão da boca para lhes matar a fome, considerando-os e amando-os, amamentando-os, levando-os ao colo para que os seus pés nus e frágeis, não pisassem a lama, cansados, temerosos, implorando aos céus apenas alimentos, porque carinho e amor tinham de sobra para dividir em partes iguais.

Cai a madrugada, estão a acabar aqueles sonhos lindos que mantiveram uns olhos molhados, enquanto a noite não se fez dia, e os passarinhos dormiam serenamente, porque nem uma agulha bolía. Olho o telhado e vejo raios de sol querendo entrar? Fico triste e sem alento. Dou voltas e mais voltas na cama procurando a madrugada… não uma madrugada qualquer! Aquela que calou a dor. Que silenciou as ruas. Aquela que na sua bagagem trazia a paz o carinho e o amor. Também aqueles lindos sonhos, que me fizeram tão longe viajar por onde mais ninguém poderá andar, e muito menos roubar, aquilo que sempre fui, que me ajudou a caminhar pelas madrugadas sem fim


domingo, 7 de março de 2021

Antes do salto


 

ANTES DO SALTO por António Braz

O “ puto”, no auge da adolescência e em plena rutura de uma vida aprazível, no seio daquela adorável família, mas que, pelos motivos já conhecidos e outros que não foram revelados nem aprofundados se viu obrigado a voltar ao seio de uma família pobre, sentiu muito, física e psicologicamente ao ponto de se ter arrependimento em não seguir as diretivas de outros que permaneceram nas instituições religiosas até atingirem um grau curricular que lhes desse equivalência à situação respeitável com a qual hoje se passeio sem remorsos nem culpabilidade – não tinham vocação – que desculpa tão esfarrapada!

Não tinha nada e chegou a ter tudo, e agora “ vira-se o pobre contra a esmola” errou uns tempos como um cão vadio, mas tornava-se urgente contribuir para a nutrição dos mais novos, e pela sua própria autonomia, embora só tivesse 16 anos, e pouco ou nada sabia fazer… “geireiro” para todos os serviços, e pago no final do dia com meia dúzia de tostões que não pagavam os gastos do deslocamento a pés com distâncias superiores a 20km,

A primeira jorna foi a convite de tio António piloto, um homem justo, trabalhador e honesto. – Sei que ainda és novo, mas também sei que é de novo que se amansa o vitelo, pelo que tenho no baixo umas ganhas novas que comprei na feira dos chãos, com um cabo à maneira, - feito por mim _ amanhã vamos lá para vale de saidouro, - tenho lá um batatal como nunca vi… toda certificada, para ir para o estrangeiro… que terra rapaz! Desfiz o lameiro, tinha água com fartura, aquilo são batatas por todos os buracos!

Tinha realmente lá um batatal apesar da extensão do terreno não ultrapassar os dois hectares foi levar para os silos de Rossas vagões de batatas que eram de dia escolhidas por uma equipa de raparigas, mediante o olhar do pisco, e nós carregávamos e descarregávamos já alta noite, para logo no dia seguinte às 5h da manhã ensilar. Este bondoso homem dizia-me sempre: - Não tragas merenda, eu levo par os dois.


Passamos ainda algum tempo juntos, no arranjo dos caminhos sobretudo os que davam à sua propriedade, para que as pedras não magoassem as vacas nas patas. Pelo meio ganhei algumas jeiras para o Sr. Lopes Direito cujo feitor era o tio Carlos. Depois surgiram, na quinta do Sepúlveda trabalhos diários com as “campiçadas” de luplo em voga nestes tempos e que empregava dezenas de pessoas para além dos numerosos criados, feitores, pastores etc.

Com uma pequena mochila para transportar a parca merenda, corria ainda antes do sol nascer pela canada de Vale de espada, roubando uma maçã coradinha ao Sr. Professor, entrava no carreirão da Galiana até chegar à quinta onde a vida já era de movimento entra a gritaria dos numerosos


miúdos e a tia “Palecas” barafustando por tudo e por nada, uma língua! Era a esposa do feitor o tio Assis, um homem rude, de estrutura grande, e poucas falas, mas justo velando pelos interesses dos patrões, também para governar a filharada, porque nesse tempo, eram muitos os que comiam e poucos os que trabalhavam.

Nesta quinta ajudei na arranca da batata, acarrejas, e colha do luplo, a fonte de mais rendimento nesse tempo. Voltava sempre que o sol desaparecia, cansado, mas com um entusiasmo e grandes esforços para chegar junto de uma propriedade onde a mulher que namorava e amava vinha colher umas couves, simples pretexto por saber que eu passaria por lá sempre às mesmas horas… Ficávamos a olhar um para o outro como encantados, trocávamos um beijo fugitiva e não encontrávamos as palavras para dizer o que quer que fosse…. Estávamos realmente apaixonados, para que serviam as palavras?


 


sexta-feira, 5 de março de 2021

Estrada

Pelos caminhos

Há quem lhes chame estradas, os mais vulneráveis e restritos meios com os quais a vida os brindou, proprietários de velhos “calhambeques” a caírem de ferrugem, latas amassadas, rodados que já não sentem os seixos afiados a penetrá-los, como “manteiga em focinho de cão “e a passarada já escassa fogem para longe tal como as cabras, quando as havia, mansas, cujas impressões digitais deixavam no chão com as patas, e excrementos que lhe aliviavam a pança, berrando cada vez que passavam junto de uma “ferranha” apetitosa e verdinha. Esta, que liga Murçós à bonita Aldeia de Agrochão, e não só, vive há séculos de promessas, dos políticos que nunca mentem, se não abrirem a boca, e fica-lhes tão bem prometer aproveitando-se da genuinidade daqueles que ajudaram a elege-los trocando um pelouro afável por profissões honrosas e rentáveis, 

mas… quem não gosta de mandar nos outros? – teremos de conversar com o presidente do outro concelho – dizia para acalmar os ânimos, o presidente deste lado das pontes… tretas que para muita gente já caem em sacos rotos, porém há sempre a sorte de um dos moradores desta região ganhar aquele concurso dos milhões e efetuar os trabalhos que faltam para o asfalte, e colocar uma portagem para aqueles que desleixam certas regiões, privilegiando outras que lhes são mais queridas, e que contribuem para nova eleição, porque hoje em dia médico já não é profissão referenciada nem engenheiro ou por aí fora…

Menos de 2km já com caixa e tudo, mas a má vontade resiste às preces das urzes floridas, das estevas com as cinco chagas de cristo, às giestas que iluminam o percurso carregando flores de um amarelo 


resplandecente, e das amendoeiras em flor que não merecem a veneração de outros lugares só porque por aqui não passou Deus!

Hoje percorri mais uma vez parte desta estrada de terra batida, e as paisagem são de uma beleza singular, que os olhos do “puto de Vale dos Amieros”, adotou, tal como os lugares belos onde nasceu, e que se desenganem os convencidos, já não é para ele que reivindica, mas porque é rebelde e julga ser uma injustiça vergonhosa não asfaltar um caminho que passaria a ser estrada, com grande ganho de tempo e economias para todos aqueles que se deslocam de um concelho para o outro.

Do lado de lá o escairo ganhou novo look, embora eu preferisse o antigo, onde um dos moradores sonhou que poderiam realizar um aeroporto?
Nunca cheguei a saber se para aviões ou azeiteiros daqueles que invadiam as poças, e nós tentávamos apanhar o maior número, e mais bonito.

De volta a casa, revi os três livros que acabei de ler, dois deles de Lesley Pearse – nunca te esqueças e até sempre – e um de Raul Minh’alva – na queda aprendi- dois escritores que gosto ler e cuja escritura, quanto a mim, ultrapassa todos os limites da decência, ainda que os tempos sejam modernos, não julgo necessário entrar detalhadamente em assuntos amorosos, mesmo que tendencialmente a balança pese para os fiffty fiffty entre sexos o que me deixa indiferente sem opinião preconcebida, e me leva a crer que poderia dar , não um padre qualquer, mas um excelente Sacerdote, não fosse a tentação e o desejo entre sexos diferentes.

O verdadeiro amor não necessita ser pinado com cores afrodisíacas, nem enquadrado em triangulações “fectixes”