domingo, 29 de novembro de 2020

O presépio

Naquela noite tão bela                             

De um céu azul sem igual

Juntaram-se todas as estrelas

Para cantar é Natal

 

Correram os pastorinhos

Guiados por uma luz que brilha

Vieram de longe das serras

Quiseram bater à porta, mas não havia

 

Foi numa gruta sagrada

Que à luz foi dado o menino

Numa manjedoura entre palhas

Junto da Virgem S. José a vaca e o burrinho

 

Do deserto vieram os reis magos

Com presentes nos seus sacos

Gaspar, Baltazar e Belchior

Que por Deus foram enviados

 

Ouro, incenso e mirra

Era o tesouro guardado

Para oferecer a Jesus

O redentor esperado

 

 

Toquem os sinos da terra, o messias nasceu

Alegrem-se todos os povos do mundo

Cantem e dancem, alegrem.se os corações

Por este privilégio tão profundo

Que a humanidade celebra

Em família, com amigos, na paz e alegria da terra

 

Texto de partida


sábado, 28 de novembro de 2020

Sentimentos

Por António Braz
 

O valor é sempre o mesmo:

Foram tantos os episódios que fizeram parte das nossas vidas que encheriam uma biblioteca de livros ou uma longa metragem de filmes, onde entrariam personagens capazes de representar, quase perfeitamente, cenas passadas no âmbito familiar, em diversificados  contextos, situações sociais, conjeturas cuja precaridade transbordava dos limites humanísticos, recorrendo a perícias de inclinação impetuosa, para lograr das migalhas desperdiçadas, de um pão centeio duro e negro que só ensopado em águas ferventes, com um dente de alho e uma areia de sal, saciariam ou enganariam o estomago por horas ou dias, numa luta constante pela sobrevivência, tal como ainda hoje se vive, em Países supostamente ricos, onde meia dúzia de magnatas, subornados e corruptos, traçam por linhas tortas o destino de gente honrada, honesta a trabalhadora, servindo-se de poderes e relações onde a justiça não existe, e muito menos o lado sentimental.

Noutras famílias, como descreve na perfeição, António Lobo Antunes, o escritor em voga, brincando com as palavras como se fosse plasticina, que tanto admiro e respeito, e que leio frequentemente. Muitas das suas crónicas, situam-se no tempo e em lugares que lhe foram queridos, junto de uma família exemplar, de médicos, desde algumas gerações, onde vigorava a inteligência, mas também a disciplina e o respeito, em casa na rua ou onde quer que um dos seus andasse. Fiquei surpreendentemente convicto de que a quantidade de filhos nunca foi obstáculo para os seus, e cada um do agregado familiar respeitava escrupulosamente as diretivas que regem os procedimentos sem barafustar invejar ou ciúmes, porque quem bem educa não necessita agredir nem sequer repreender.

Sei que hoje tudo modificou, e é verdade ser diferente, porém há valores e princípios que acompanham o ser humano até à eternidade. Para o miúdo que nasceu bem perto de Murçós onde reside há vinte e dois anos, com integração lenta e a certos momentos perturbada, e que assistiu ao desmoronar remisso de uma população numerosa e afetuosa, à desertificação e ao envelhecimento dos poucos que por cá ficaram, vendo partir os pilares que suportavam ventos e marés, nesta terra, com vivacidade e bom senso, a solidão companheira dos longos e dos curtos dias, começa a pesar como um fardo sem esperança de deixar os ombros onde se sente confortável, aguardando os libertadores que por certo jamais virão. Já não há quem acaricie as pedras da calçada, num andar lento ou num corredio desenfreado, as ruas sentem-se tristes e os largos vazios, as casas ou casebres teimam em suicidar-se, uma telha duas pedras, trancando as portas para que os ladrões não entrem e venham roubar a felicidade que presenciaram em tempos idos, enquanto junto das janelas pálidas e doentes, pousa e levanta rapidamente um pardal que resistiu por milagre às guerras dos ervecidas e pesticidas. No chafariz secaram as lágrimas, e as flores nos canteiros deixaram o lugar às silvas invasoras. Ainda se ouve o sino dar as horas, mas até o seu encanto desencantou. Subi a rua como quem sobe a montanha azul, e não encontrei ninguém, falei com Jesus. E na oração, ouvi aquela canção que o Vítor (Poulo) tantas vezes cantava lá para o lado do vale grande: oliveiras castanheiros… e a noite chegou húmida e fria, e com ela os dois tratores carregados de azeitona dos grupos que resistiram ao furacão


terça-feira, 24 de novembro de 2020

Lembra-me

Lembra-me que as recordações não morrem, e o passado apenas viajou, o tempo não é dono do destino, nem da estação onde apeou, foi há anos, ou foi há dias, já não sei; da longa espera no cais, e dos comboios banais, meu deus que fumaçais! Onde de vista nos perdíamos, para mais tarde nos encontrarmos, nas festas, nas romarias, nas terras onde vivíamos, e que tão jovens de lá saíamos à procura das migalhas, como pássaros já sem ninho, que voam sem lei nem tino por entre as árvores talhadas, abrindo caminhos à sorte,  pelos madrigais já sonhados, por entre multidões no deserto, vindas de longe ou de perto, em camelos alinhados.

Lembra-me de quando era criança, e vivia com esperança, de um dia ser grande e forte, junto daquela gente sem sorte, dando-lhe a minha confiança, o carinho e a ternura que alimentavam com doçura, nas cálidas noites de verão, ao luar de um céu azul, cheio de estrelas e um coração que batia, batia, na mão. 

 

domingo, 22 de novembro de 2020


 

Dia de sorte 22/11/2020 por António Braz

Alfredo o amigo de José, foi largado por este e a namorada junto ao rio, a uns 300 metros de sua casa para onde correu como louco, tantas e tão grandes eram as saudades de estar com os seus entes mais queridos, que o esperavam de pés firmes e o olhar procurando vê-lo vislumbrar ao longe após o seu telefonema recebido, onde especificava a sua visita, sem mais pormenores. Seguindo viagem, para casa de Cindia, a explosão deu-se logo após a saída do outro passageiro. Se até então a rapariga se tinha mantido calada sem manifestar o descontentamento que a tinha desiludido e ao mesmo tempo ferido no seu amor próprio, revelava-se agora agressiva vaziando o saco sobre o pobre rapaz, que não encontrava argumentos que pudessem ajudá-lo, a voltar à razão aquela moça com quem tinha simpatizado, idealizado projetos, e, apesar de não sentir por ela uma grande paixão, os seus sentimentos eram honestos, embora não tivesse sabido lidar com a situação… - Perdoa-me, suplicou-a José prometendo no futuro estar mais atento aos seus deveres de namorado – mas nada resultava. Estava decidida a por fim àquela relação que mal tinha começado, o suficiente para compreender que não era o companheiro que queria para a sua vida, e muito menos ser a progenitora de um filho seu. Saiu do automóvel sem sequer se despedir, e antes de fechar a porta ainda lhe atirou ao rosto: - Não te quero ver mais, pelo que se nos encontrarmos no mesmo passeio peço-te que finjas que não me viste.

José ficou atônito, petrificado sem saber o que fazer. Ainda pensou ligar à mãe onde encontrava sempre o seu refúgio, e as soluções mais sensatas, era apenas nela que depositava inteira confiança, mas, tinha um compromisso com Alfredo, que era voltar ainda essa noite à herdade dos avós, passando por sua casa nos Arcos.

Novamente, na sua cabeça turbilhonavam descontroladamente ideologias preponderantes, conflituosas, com mais atividade divergente, atirando-o para aquele beco sem saída, do qual julgava ter saído, começando a usufruir de uma felicidade a prazo, que voltara antes de cumprir o tempo de tréguas que ninguém tinha fixado, só ele esperançado acompanhava cegamente. Tudo voltava à casa de partida, de onde não conseguia descolar, por muitos esforços que fizesse! Foi tentado a desistir, só, ali dentro daquele carro, encostado na berma daquela estrada que se tinha tornado medonha, fria, tão fria… solitária, onde as árvores lhe apontavam o dedo da culpa, e os sons lhe martirizavam os tímpanos, e, de olhos fechados revia a sua nascença, num dia de sorte, ou talvez de azar, por lhe não faltar nada, mas tinha falta de tudo o que é necessário para poder avançar ao ritmo do amor da paz e da alegria. Chorou como um miúdo num soluçar que fazia a terra tremer, que era apenas o ronronar do motor que aguardava diretivas do mestre para avançar.

Após longo tempo de ponderação, lembrou-se que Alfredo o esperava para voltarem à herdade dos avós. – Meu deus!

Arrancou fazendo os pneus cantar ao contacto do solo, olhando apenas em frente, porque estava atrasado, e Alfredo não tinha culpa dos seus problemas. Chegou ao lugar marcado em Arcos onde o esperava o amigo, estiveram ali mais pessoas que o queriam conhecer, inclusive a namorada deste, mas era já noite e José não encontrava a desculpa necessária para esta demora. Durante o resto do trajeto falaram apenas no tempo de felicidade que Alfredo viveu na companhia dos seus durante aquelas poucas horas

sábado, 14 de novembro de 2020


 "- Como vai dona Ema?

derivado a que o osso da anca iniciou uma revolta contra ela, a que o colesterol aderiu. Felizmente o coração, por enquanto, mantém-se neutro e o médico anda em diligências diplomáticas na esperança de evitar que os ventrículos tomem partido
- São impulsivos os ventrículos, previne ele à dona Ema, as aurículas em geral pacíficas, os ventrículos é o que lhes dá na tola
e a dona Ema, é natural, preocupada com a tola dos ventrículos. Quase oitenta anos se calhar, sei lá, o osso da anca arrasta-se ao andar. Mas anda. Pelo menos por enquanto anda. Anda ela e andam os pombos no passeio em torno da esplanada. Sempre os achei parecidos com chefes de secção, sempre achei que, quando chegam, o mundo fica cheio de funcionários públicos. A dona Ema, a olhar para a minha tosta mista:
- Você o que é que faz como trabalho?
que é uma pergunta sempre difícil para mim. Não vou dizer que escrevo, tenho pudor, não vou dizer que sou médico porque já não faço medicina e os impulsos dos ventrículos escapam-me. Fico a olhar a tosta com ela e parecemos duas pessoas fixadas num quadro de museu. Respondo
- Ando por aí
e a dona Ema a subir da tosta até mim, desconfiada, não vá eu fazer parte do grupo do inspector e encontrar-me na esplanada em trabalho, investigando desvios aos regulamentos de conduta das raparigas do alterne, por vezes dominadas por impulsos autonomistas de País Basco, que umas bofetadas a tempo, graças a Deus, corrigem. As mulheres, largadas à solta, são todas como aquelas de que falava um senhor espanhol: a morte do marido transtornou-a tanto que, de um dia para o outro, o cabelo tornou-se-lhe loiro, e portanto convém andar em cima da fruta. A dona Ema, esperançosa
- Pediram-lhe que se ocupasse de mim?
e eu, não querendo desiludi-la
- Mais ou menos
fazendo-a sonhar com música, penumbra, mesas discretas e clientes sussurrantes, de joelhinho empreendedor, a sonharem com uma hora de ginástica sueca numa pensão a jeito. O problema da dona Ema era a anca
(- Será que aguenta, será que não aguenta?)
que o resto é como andar de bicicleta, não se esquece nunca, e até faz oitos se for preciso. A dona Ema hesitou nesse ponto, a vacilar
- Ainda conseguirei um oito?
e há-de conseguir, dona Ema, se o coração se mantiver neutro é canja.
Tornámos a encontrar-nos no dia seguinte, tornámos a encontrar-nos mais vezes, convidei-a a visitar-me em casa, conversámos disto e daquilo, fomos ganhando amizade, dormimos juntos a verificar os oitos que conseguimos mais ou menos, um bocado tremidos mas conseguimos mais ou menos, a amizade deu lugar à afeição, a afeição deu lugar ao, não direi amor, que oitenta anos sempre são uma barreira, a afeição deu lugar a uma ternura sólida, não cozinha mal, não limpa mal, tem-me o andar arrumado e, acerca de dois meses, mandei-a trazer os tarecos para aqui. Não me sinto aborrecido: tenho companhia à noite e massaja-me os ombros quando chego cansado. Não me trata por Hernâni, trata-me por Nani como a minha madrinha me tratava e uma noite ou outra damos um pulinho ao bar de alterne, onde me apresentou um militar reformado, um pouco a cair da tripeça mas lúcido, que me declarou com entusiasmo
- Tem aí uma pérola
e sem ofensa, até tenho. A idade a gente esquece e também não olho muito para ela. Sento-me no sofá, fecho os olhos, a dona Ema traz-me uma almofada para apoiar a cabeça
- Não estás melhor assim, Nani?
e realmente até estou. Descalço e confortável, com a dona Ema ao lado. De longe em longe um oitozito, basta-me pensar na sobrinha e aí vou eu. Ofereço-lhe uns trocos
(poucos)
para os alfinetes dela, que a dona Ema merece, dedicada, cúmplice. Quando visitamos o médico o doutor segreda-me
- Um dia destes fica-lhe como um passarinho
mas enquanto fica e não fica vivo em sossego. No caso de ficar o meu cunhado, que trabalha no ramo, já me prometeu um funeral em conta. E no dia seguinte lá estarei na esplanada, certo de que no meio dos pombos algum galãozito claro há-de aparecer. " (2013) ANTÓNIO LOBO ANTUNES « A Dona Ema »

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

 

Amor de proibição

Poderia amar-te durante o tempo que duraram aqueles raios de luz, e a tua sombra percorria caminhos controversos, enquanto o silencio da voz argumentava, indeciso, perturbado, à procura de uma razão que libertasse o peso da decisão, que jamais conseguiste tomar, derivando em águas tépidas que transportavam a felicidade momentânea, que ia alimentando a esperança e o desejo, brincando com os meus sentimentos, como quem brinca com uma boneca, a beija com ardor nos seu lábios frios, a desdenha e atira para o vazio, mas quando chega a noite, e o coração bate mais forte, as lágrimas impedem os olhos de se fecharem, ouvem-se murmúrios no quarto, à porta que tantas vezes te serviu de vigia, por saberes que eu passaria por lá, e um trocar de olhares enchia mais um dia de felicidade, enquanto às escondidas, como se fossemos ladrões, procurávamos discretamente o ponto de encontro. Nestes lugares sagrados, ao abrigo de olhares indiscretos, dominados por uma louca paixão, uniam- se os sentimentos, e os corpos transformavam-se num só, livre para amar e o tempo não tinha fim! Mas já a noite voltava, e dali nos retirava, levando com ela os segredos, voltavam os dias de medos…

porque não me prendeste quando tiveste a ocasião? – Perguntavas-me tu nuns rascunhos de papel. – Simplesmente porque te amava como nunca amei ninguém, e o amor não pode viver preso… Apesar de muitos os anos que baloiçaram a nossa grande paixão, que a alimentaram já ambos casados, e o adultério nos tentou, o destino nada mudou. Andamos hoje por caminhos diferentes, somos pais, somos avós, mas para sempre adolescentes, que viveram os melhores anos da vida, numa terra branquinha esquecida, longe ou perto onde quer que estejamos, continuam os nossos olhares se cruzando, e os beijos ardentes a alimentar. Aquela esperança que não veio para ficar

 

domingo, 1 de novembro de 2020

Já fomos amigos


 É surpreendentemente aberrante o comportamento das pessoas, especificamente aquelas que hipoteticamente discorrem consideradas amigas, e, por uma futalidade, sùbitamente, vos ocultam aqueles sorrisos fictícios vos privam de conversas interessantes, menosprezando sentimentos também eles de carater ardiloso, embebendo-se por detrás de um manto negro impermeável e ascoso onde o orgulho contamina e destroça aquela humildade, em tempos praticada, nas confidencialidades, no apreço e consideração destruídas pela inveja, ganancia ou simplesmente a metamorfose também operada nos irracionais sem sentimentos sem valores nem princípios. È imensamente penoso constatar que familiares, alguns muito próximos, nascidos dos mesmos pais, sobrinhos, afilhados e outros, que um dia se assentaram à vossa mesa e comeram da fornada de pão, amassada com as mãos sagradas de quem vos ama, e cozido no forno de lenha que ajudámos a construir, sobejando aquele “borralho” para aquecer as mãos geladas, mas o coração esse mantinha a sensibilidade e o calor para partilhar

com aqueles que vos foram queridos, tão queridos! Desdenhar aquilo que foi pureza é como colocar uma coroa de espinhos na cabeça de um inocente condenado… e incentivar os algozes ao martírio, porquê?  Para quê? O amanhã pode amanhecer sem luz, porque não é o vento quem tudo leva, apesar de nada ficar, e os arrependimentos servirem apenas de ilusão para colmatar a gravidade dos erros… acordamos, quando acordamos, e os passos são repetitivos, as ações descabidas, e os gestos embebecidos num turbilhão de incoerências, ações prodigas, inconcebíveis. Fomos tão amigos! Ou tão iludidos! Já não sei, nem concebo que os seres humanos, alterem o modo de ser só porque a amizade dentro deles se esgotou? Começo a duvidar que o tempo ajude a “assagir” o que nasceu com genes bravios… e lamento! Lamento que os meus amigos me tenham usado enquanto confiava neles cegamente… e pena-me! Pena-me, porque os considerava, porque confiava na sinceridade dos seus sentimentos… amigo é para sempre… aconteça o que acontecer, E sinto esta dor que me vai minando, por não ter uma razão que prove os seus atos… porque vos amo sempre e com a mesma força, e jamais, jamais deixarei de vos querer, mesmo que me volteis as costas.