O Sr. Carlos partiu; com oitenta e nove anos, deixou-nos,
como todos os peregrinos de passagem neste Mundo… deixou mágoas, profunda dor
nos familiares mais próximos, como explicitou um dos netos, ternamente, com os
olhos banhados em lágrimas, na cerimónia fúnebre no dia 18/09/2019 na Igreja do
seu batismo de Rebordainhos. Foi, para mim, um dos homens mais cratos,
complacente, benigno, afável, hilariante, que eu conheci, juntamente com a Sra.
Emília Rodrigo e o irmão António Rodrigo. Era eu um gaiato, e morava na casa de
acolhimento, da família bondosa e generosa, Trindade, e ele geria com o Álvaro
a taberna mesmo em frente. Partilhei visualmente as suas traquinices benignas,
aquelas extravagâncias sem afinco, o gracejo do humor e da felicidade, nas
matanças, roubando o rabo do porco, nas malhas atirando os “coanhos” para as
cabeças das garinas, brilhantes de azeite virgem, na arranca da batata
escondendo despercebido o pipo do vinho, nas castanhas simulando com fumo o
lugar onde se podiam aquecer as mãos, mas sobretudo uma história que já narrei
num dos meus textos, aquela com o Herminio e o tio “Leque”. Recordo ainda, e
com tanta nostalgia, o seu filhote Carlitos, montado naquela bicicleta linda,
talvez a primeira a chegar à terra, fazendo malabarismos que deixavam de boca
aberta todos os putos que por lá se agrupavam para ver o espetáculo! E o Sr.
Carlos pegava numa mão cheia de rebuçados, atirava-os ao ar dizendo: - Ao
rebolo para quem apanhar mais… e nós, tais um bando de pintainhos, de boca
aberta e olhos fincados nos rebuçados que caíam do céu, atirávamo-nos ao chão
rastejando, rompendo a parca roupa que tínhamos para adoçar a boca; o tio
Carlos sorria mas aquele sorriso não era malicioso mas sim de quem desejaria
partilhar o Mundo com os mais carenciados…
Filho e marido exemplar, nunca rejeitou uma conversa amiga,
qualquer que fosse a situação social. Sacrificou-se naquela grande casa, na
enorme eira de tão lindas recordações, para que a sua esposa tivesse a
dignidade, o carinho e o amor que tanto merecia… mas, as circunstancias,
obrigaram-no a abandonar aquele lugar de magia, onde viu crescer os seus amados
filhos, quando vinham passar férias com os avós no fecho das aulas de verão,
Natal, e Páscoa.
Meu Deus, como o silêncio pesa!
Os Bons jamais morrem… descanse em paz tio Carlos