sábado, 21 de setembro de 2019

Adeus sentido



O Sr. Carlos partiu; com oitenta e nove anos, deixou-nos, como todos os peregrinos de passagem neste Mundo… deixou mágoas, profunda dor nos familiares mais próximos, como explicitou um dos netos, ternamente, com os olhos banhados em lágrimas, na cerimónia fúnebre no dia 18/09/2019 na Igreja do seu batismo de Rebordainhos. Foi, para mim, um dos homens mais cratos, complacente, benigno, afável, hilariante, que eu conheci, juntamente com a Sra. Emília Rodrigo e o irmão António Rodrigo. Era eu um gaiato, e morava na casa de acolhimento, da família bondosa e generosa, Trindade, e ele geria com o Álvaro a taberna mesmo em frente. Partilhei visualmente as suas traquinices benignas, aquelas extravagâncias sem afinco, o gracejo do humor e da felicidade, nas matanças, roubando o rabo do porco, nas malhas atirando os “coanhos” para as cabeças das garinas, brilhantes de azeite virgem, na arranca da batata escondendo despercebido o pipo do vinho, nas castanhas simulando com fumo o lugar onde se podiam aquecer as mãos, mas sobretudo uma história que já narrei num dos meus textos, aquela com o Herminio e o tio “Leque”. Recordo ainda, e com tanta nostalgia, o seu filhote Carlitos, montado naquela bicicleta linda, talvez a primeira a chegar à terra, fazendo malabarismos que deixavam de boca aberta todos os putos que por lá se agrupavam para ver o espetáculo! E o Sr. Carlos pegava numa mão cheia de rebuçados, atirava-os ao ar dizendo: - Ao rebolo para quem apanhar mais… e nós, tais um bando de pintainhos, de boca aberta e olhos fincados nos rebuçados que caíam do céu, atirávamo-nos ao chão rastejando, rompendo a parca roupa que tínhamos para adoçar a boca; o tio Carlos sorria mas aquele sorriso não era malicioso mas sim de quem desejaria partilhar o Mundo com os mais carenciados…
Filho e marido exemplar, nunca rejeitou uma conversa amiga, qualquer que fosse a situação social. Sacrificou-se naquela grande casa, na enorme eira de tão lindas recordações, para que a sua esposa tivesse a dignidade, o carinho e o amor que tanto merecia… mas, as circunstancias, obrigaram-no a abandonar aquele lugar de magia, onde viu crescer os seus amados filhos, quando vinham passar férias com os avós no fecho das aulas de verão, Natal, e Páscoa.
Meu Deus, como o silêncio pesa!
Os Bons jamais morrem… descanse em paz tio Carlos


domingo, 15 de setembro de 2019

Confições intimas

 Confissões íntimas: por António Bras
São dias de solidão horripilantes que me torturam, me carregam, e obstruem todos os caminhos acessantes ao desempenho das funções metódicas, ao deleite, onde o elã sofre a metamorfose do asilado num lugar deserto, e os habitantes são meros espantalhos, hirtos, cuspindo o veneno ingurgitado na amamentação. São horas desesperantes, martirizantes, epidémicas, sugando o alimento dos poros, o oxigénio, até ao sufoco. São meses dilatados pelo tempo, imitando a tartaruga no seu percurso lento e receoso, como quem não anseia chegar. São anos mortos e frios, que me gelam o corpo e a mente atirando-me para uma nuvelina que pouco a pouco se vai tornando escuridão. Sou um dos milhares de sobreviventes cujos prazeres mundanos se 
 esvaneceram completamente; alimento-me por necessidade, ando por obrigação, durmo e sonho pelo domínio corporal. Será que vale mesmo a pena viver depois de ter vivido!? Lembro-me daquele casal que conduzi no meu táxi do “jardin des tuilleries à praça de la Nation em Paris”em 1977, tinha eu então 27 anos, e o ditoso casal por volta de 57. Surpreendentemente, o marido, parecia obcecado por conversas, tendencialmente perversas, segundo o meu primeiro julgamento. A esposa tentava retraí-lo, envergonhada e receosa. Porém o homem, foi direto ao assunto que tinha em mente, propondo-me que tivesse relações sexuais com a sua esposa, porque ele 
aqui vivi eu no 3º andar

era impotente e sofria tanto quanto a esposa com esta anomalia… - Deixa o rapaz, não vês que…
- Cala-te mulher… também ele se encontrará um dia na mesma situação que eu e…
Chegamos ao destino e perante a insistência do homem respondi:
Desculpe, mas foram-me transmitidos valores e princípios que não permitem aquiescer ao seu pedido, por respeito por si e sua esposa. Quanto ao ser ou não impotente quando tiver a sua idade, só a mim me diz respeito, podendo afirmar-lhe desde já, que jamais submeteria a minha esposa a tamanha vergonha…Hoje admiro a reação deste homem por não esconder a sua doença como tantos outros o fazem, seja por obrigações protocolares, vergonha, enfado perante os familiares e outros componentes que fazem com que guardem bem guardado o seu segredo, sacrificando os víveres, camuflando o seu verdadeiro ser ao preço mais elevado para não ferir suscetibilidades.
Paris foi, e será para sempre o meu cantinho mágico… o local onde nunca ninguém me apontou o dedo como sendo indesejado… jamais os meus atos extrovertidos foram julgados com afinco ou perversidade… trinta e dois anos vividos intensamente… 
circunvalado por presumíveis amizades, embalado pelo hipotético e sucinto amor-perfeito, fui homem fui criança, alienado e ao mesmo tempo circunspecto, reverabundo circunstancial, abrigo de desejos e vontades, simplesmente feliz! “- E tudo o vento levou”: acordo ancípite de sonhos em tange onde os eidos frontifícios da canção de Jorge Ferreira: ( um velinho caminhava) manifestam-se reiteradamente nos meus ouvidos moribundos, arrastando-me para a tentação irreverente de um coração sem lugar para o atos benevolentes, e um cérebro moribundo, banzo aguardando o desfecho final.