segunda-feira, 29 de junho de 2020

O livro de que vai gostar

Já se encontra à venda o meu livro. Pode encontrá-lo neste link https://www.sitiodolivro.pt/O-puto-do-vale-do-Amieiro. Ou pedindo através do meu mensager com todas as informações. Obrigado

O Meu livro


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preço em minha casa 13 euros mais custos de envio
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Desde já agradeço o interesse de toda a gente, e espero que lhes proporcione momentos de distração e prazer da leitura. 

terça-feira, 23 de junho de 2020

Básicopraticamente

"Há pessoas a quem falta a quarta classe para acabarem o curso e há por aí uma universidade privada que compreendeu isto na perfeição. Saber mudar o pneu de um automóvel é o bastante para ser engenheiro mecânico
Lembro-me de um primo meu, pequeno, dizer
- Se a mãe sesse o pai puzia gravata
lembro-me da Isabel, quando a levei a uma exposição de pintura e lhe perguntei o que achava, me responder
- É um bocado aborrecente
lembro-me do Pedro, zangado com o João, bater à porta do quarto do banho a fazer queixa, do pai a exclamar
- Ah
e do Pedro para o João, vingado
- Estás a ver, o pai disse Ah
e acho que se fossemos mais assim a nossa vida melhorava.
Muito mais do que escutar um ministro referir-se às "ciclópicas tarefas que nos pendem sobre os ombros", e eu a ver as ciclópicas tarefas a escorregarem pelas mangas abaixo, ou do professor de Obstetrícia que declarava
- O que caracteriza esta doença é ser caracterizada pelas seguintes características.
Se dependesse de mim puzia o meu primo a dar aulas, arranjava um ministro menos aborrecente e escolhia um professor de Obstetrícia capaz de resumir a lição num
- Ah eloquente.
Lembro-me de um cabo, em Angola, que respondeu
- Básicopraticamente
quando lhe perguntei se ele achava que tinha razão, e espanta-me que os políticos não respondam isso ao interrogarem-nos se pensam que as suas opções são correctas, e as eleições não sejam marcadas para o dia trinta e dois que era a data em que um sipaio queria casar-se. Básicopraticamente tinha razão: que dia existe melhor que o trinta e dois para uma cerimónia dessas? O que não se pouparia no médico se tomassem todas as manhãs uma aspirina, como o meu amigo senhor Vicente que, ao interessar-me pelas vantagens de tanta pastilha, me esclareceu, firme:
- Pelo sim pelo não
o mesmo que me apareceu com uma coceira qualquer e que, ao comentar-lhe que devia ser chato estar sempre a torturar a pele com as unhas me informou
- É chato na medida em que se torna aborrecido
coisa em que francamente nunca tinha pensado. É que, de facto as situações chatas são-no na medida em que se tornam aborrecidas e a profundidade desta frase não me abandonou mais. Tanta agudeza expressa de um modo aparentemente tão simples basta para elevar um homem às alturas do génio. Ainda por cima pode virar-se a coisa ao contrário e afirmar que o aborrecido é aborrecido na medida em que se torna chato, o que nos faz voltar à crítica de pintura da Isabel. Mais cedo ou mais tarde os grandes espíritos acabam por encontrar-se na opinião de uma criança de cinco anos. E aborrecente possui uma perfeição semântica que deixa o aborrecido a léguas. É este pequeno toque de génio que faltou ao senhor Vicente para se tornar um Kant." (2015)
ANTÓNIO LOBO ANTUNES « Básicopraticamente »

sábado, 13 de junho de 2020

O diplomata

 VIVERES:  por António Braz
Ficção
Tudo começou antes da segunda guerra Mundial, nos anos quarenta, quando foi enviado do México, um jovem rapaz, que tinha terminado brilhantemente os seus estudos, como diplomata de altos cargos, para a embaixada deste País em Paris. Tinha raízes Argentinas, que o ajudaram na integração e a desenvolver conhecimentos estatutários, sociais, de conhecimentos no seio da “alta” sociedade, restritiva e compacta, onde só havia lugar para os afortunados, reputados e reconhecidos no mundo da ingratidão, hipocrisia e autoridade. Dois anos depois, numa dessas receções gigantescas, no grande salão de trezentos metros quadrados, entre por volta de trezentos convidados minuciosamente escolhidos, cujo objetivo bem definido era urdir os casamentos, segundo os critérios, convenientes, talvez herdados, onde os protagonistas nunca eram consultados, e muito menos autorizados a recusar a escolha, que era a melhor para eles, pondo de parte os sentimentos, os quais viriam com o decorrer dos tempos, o Sr. Yturbe foi apresentado a uma jovem e linda rapariga, de vinte e três anos de idade, tímida, sem maquilhagem, de olhos castanhos, vestindo um vestido com flores que lhe chegava muito por baixo dos joelhos, sapatos escuros, que ia sorrindo quando a
abordavam, mas de imediato voltava a cair num silencio abstrato, enquanto esperava pela revelação dos progenitores, que, apesar de não lhe ter sido concedido um esclarecimento, tinha bem presente no seu pensamento, as razões daquela festa em sua honra. Chegou o momento crucial, e todos os convivas fizeram silêncio para escutar os pais da rapariga, embora já soubessem do que se tratava, mas era necessário para que ficasse bem registado na mente dos presentes e oficialmente. A partir dessa noite, e depois de o rapaz ter colocado um anel de rubis no dedo trémulo da moça, e acrescentar estamos noivos, bateram-se palmas seguidas de felicitações, os encontros entre os dois, sempre em locais públicos, não podiam ser criticados pela gente de baixo nível, e eram apreciados pelos da alta sociedade. 


Um ano depois casaram, numa grande propriedade na periferia de Bayonne pertencente à família. Foi uma cerimónia de “arromba” com centenas de convidados, fogo-de-artifício, e uma banda de músicos latina para acompanhar os acontecimentos os quais surgiram nos jornais e revistas da época. Deste casamento nasceram dois rapazes, o Yves e o Miguel, com diferença de idades de quatro anos, sendo o Miguel o mais velho. Nestas famílias cristãs e praticantes com assiduidade, vivia-se segundo as regras e condições impostas pelo verdadeiro cristianismo, que jamais infringiam. O pessoal de serviço que eram: um mestre cozinheiro, Espanhol, com tendências gays apesar de ser casado, duas mulheres de limpeza, a que servia as refeições, e o chofer, andavam vestidos a rigor e alinhados como se estivessem a fazer o serviço militar. A Educação do Miguel, rigorosa, num colégio interno de freiras, foi uma grande desilusão para os pais, embora saísse de lá com habilitações necessárias para trabalhar numa instituição bancária, era um rapaz triste, inibido, solitário, que dava a impressão de viver apenas por obrigação. Vivia num prédio de quaro andares, que pertencia à família, herdado após a morte dos pais da mãe, junto da maior praça de Paris, com vista para o arco de triunfo, no primeiro subsolo, num pequeno apartamento, remodelado especialmente para ele.
 Da pequena janela do seu apartamento, que dava para a rua de Presbourg, aós as 10h da noite, podia ver as prostitutas a desfilar, subindo para os automóveis dos clientes, para ir consumar os atos sexuais em hotéis próximos, até às tantas da madrugada, ele respeitava os valores e princípios que lhe inculcaram, ou seriam outras as razões, para nunca ter sido visto com uma mulher? Bem próximo dali, na avenida Foch, onde residiam os mais famosos e ricos do País, às tantas da madrugada, juntavam-se casais para troca, (partuses) mulheres ricas e viciadas, à procuro do sexo maior e mais potente, 
Homossexuais desdenhados à procura de um novo amor, travestis Brasileiros, e logo ao lado o bosque de Bolonha onde se praticavam poucas vergonhas, enquanto não foi proibido por lei. Yves era um rapaz mais jovial, um pouco “cabeça no ar” mas tinha desejos por mulheres, embora o sistema protocolar da casa não lhe permitisse expor-se, tinha as suas saídas esporádicas , encontros discretos, e quando começou a trabalhar, já tinha para cima dos quarenta, enrrolou-se com uma mulher com a qual casou e teve uma filha. Miguel saía para trabalhar e voltava à tarde sempre de cabisbaixo, e se se cruzava com a porteira, dava a boas horas, sem olhar nem esperar resposta. Na sua mesinha de cabeceira havia sempre uma garrafa de whisky talvez para o ajudar a suportar as mágoas secretas que trazia dentro de si.
O pai tinha falecido, e apesar de ser uma família de grande fortuna, com contas na Suíça onde o Sr. Yturbe se deslocava de tempos a tempos, as despesas eram extravagantes, para manter o pessoal, impostos e restruturações do valoroso prédio, e despesas com Yves que não trabalhava, e vivia também no seu próprio apartamento dentro do prédio. O contabilista sugeriu à viúva que alugasse um ou dois apartamentos no último andar, para ajudar a suportar os custos. O apartamento do segundo andar que a viúva e o pessoal de serviço partilhavam, durante o dia, tinha por volta de 600m quadrados, e os valiosos quadros, ou réplicas, porque os verdadeiros estavam bem guardados em cofres, pendurados nas paredes tinham a assinatura dos melhores pintores da época. No grande salão de 300m quadrados, os tapetes valiosos e antigos, suportaram numerosas festas com a intenção de casar os rapazes mas nunca resultou. Dos trezentos convidados que numerosas vezes aqui jantaram cozinhados importados dos mais reputados restaurantes Parisienses, acompanhados do melhor champanhe que chegava por encomenda em grandes caixas de 50 unidades, restavam as nostálgicas recordações. Mas, a Senhora, uma mulher espetacular, educada, bondosa, e que guardava a beleza por fora e por dentro, nunca se queixava, nem comentava com ninguém, qualquer que fossem os seus problemas. No seu intimo, teria desejado do fundo do coração  que os seus filhos tivessem fundado um lar, ter netos, mas sobretudo que lhe tendessem a mão quando era ela a ter de resolver tudo com dois filhos de mais de quarenta anos? Porém, acumulava todos os porquês dentro do seu coração, e como uma mãe galinha, protegia os frutos do seu ventre… tais como eram, com virtudes e defeitos.                  
 fotos retiradas do google


quarta-feira, 10 de junho de 2020

A prenda dos meus anos


Apesar da história do puto do vale dos amieiros decorrer em lugares e tempos específicos, qualquer um de nós, consegue identificar-se com ela, prendendo a nossa atenção do primeiro ao último minuto de leitura .
O puto de vale dos amieiros, foi apenas uma criança, que tal como tantas outras, viveu no tempo da ditadura salazarista, numa aldeia perdida de trás os montes. Tempos muito difíceis, roçando a miséria completa: Não havia o que comer, as pessoas andavam literalmente esfomeadas, a educação estava apenas reservada aos mais abastados e toda esta revolta tinha de ser vivida em silêncio, pois o medo dominava a mentalidade da época. Também como muitos outros, este “puto”, resolveu dar o “salto” para França, sempre com o intuito de, com isso, ajudar os familiares que ficavam. Famílias enormes, onde a média de filhos era normalmente de sete. Mas onde existia amor, carinho e espírito de entreajuda.
O puto lá viveu e formou família. Até que resolveu regressar. E foi nesse momento que se viu confrontado com as suas maiores dúvidas existenciais, dúvidas em relação ao balanço dos seus atos, dúvidas em relação à real dimensão humana de pessoas que ele sempre considerara modelos. E claro, o questionamento final: O cômputo geral é negativo ou positivo?
É muito fácil para nós, Leitores, identificar-nos com o protagonista desta obra: Choramos, ou rimos, angustiamo-nos ou deleitamo-nos, assimilando as emoções do puto como sendo também as nossas, de alguma forma. Isto, porque apesar de todos os seres humanos sermos diferentes, na essência, muitas vezes nos cantos mais recônditos da nossa mente, todos nós recordamos que, também já fomos um dia, o puto do vale dos amieiros.
Mas nem todos temos a marca da vocação do escritor: transmitir, envolver e fazer apaixonar o Leitor pela história narrada, que é ao mesmo tempo uma bênção (porque se torna numa catarse para quem escreve) e uma maldição (porque acorda os “demónios” dos quais as nossas mentes tentam sempre fugir). O autor consegue atingir este objetivo com a maestria dos seres dotados para o ato de escrita. É tão fácil visualizar este puto, de calças rotas e pés descalços, transportando no braço uma bola toda remendada. O olhar é triste, mas ao mesmo tempo esperançoso. Afinal, ainda há uma vida inteira por viver!

quarta-feira, 3 de junho de 2020

António Lobo Antunes

"Antes desta casa morei num apartamento na minha opinião muito bonito, no Conde de Redondo, com a parede da frente toda em vidro, de onde tive que sair por já não haver espaço para mais livros. Estavam em toda a parte: no quarto, no corredor, na sala, na cozinha, até a lareira desapareceu atrás deles, na moldura da porta, etc., e gostava muito do bairro que me lembrava o sítio da minha infância, isto é casas antigas e comércios pequeninos, sapateiro, merceariazinhas, cafés de pobres, costureiras, cabeleireiros modestos
(ali imensos, frequentados por travestis opulentos)
bilhares manhosos, capelistas, vizinhos à janela, um ou dois malucos oficiais que apimentavam o bairro, restaurantes baratos, pastelariazecas frequentadas por bandos de viúvas todas loiras, com a menopausa oculta nos caracóis, de cãezinhos ao colo com os quais dividiam os ducheses, reformados imóveis, papelarias que também vendiam bonecos de loiça abracadabrantes que eu adorava, automóveis cobertos com panos, barbeiros de uma única cadeira, carrinhos de bebé, mulheres da vida, decadentes, nas esquinas, em guerra com outras mais novas que afinal eram rapazes, um ex-combatente da guerra de África, sempre de gravata, a insultar os caixotes do lixo, pombos a sujarem tudo, polícias
que davam joelhadas nas mulheres
da vida e nos travestis ordenando
– Andor, andor
tudo o que eu gosto enfim, me encanta, me seduz, me dá pena, sobretudo as viúvas de idade cosidas às paredes, sobretudo a dignidade lenta dos bêbedos, sobretudo os caixotes das mercearias no passeio, sobretudo as raparigas que moravam em quartos alugados a desejarem os vestidos baratos, cheios de coisas que brilhavam, nas montras, bares de alterne guardados por porteiros avantajados e cheios de senhores dignos de bigode e brasileiras capitosas arredondadas por enchumaços, comerciantes nepaleses com o inevitável poster do Himalaia na parede.
A seguir ao almoço, antes de recomeçar a escrever, andava até ao Campo de Santana a fim de dar alguma corda às pernas, frequentado por viúvas esmoleres que traziam sacos de plástico cheios de pães de ontem para os pombos e os reformados do costume entretidos nas suecas do costume, batendo do alto, muito acima dos bonés de xadrez, uma manilha triunfal. O lago já não tinha cisnes nem patos porque a malta fixe da droga
os comera todos, e eu dava a volta na estátua do doutor Sousa Martins, cercada de fiéis do espiritismo, oferecendo-lhe velas acesas e membros de cera que agradeciam curas milagrosas. Caminhava rente à parede comprida do Hospital Miguel Bombarda, repleta de cartazes que se desfaziam e grafitis de toda a ordem. Lembro-me um que afirmava
EU NÃO SEI SENÃO SONHAR
numa caligrafia caprichosa, perfeita, que um segundo artista comentou a carvão, em letras apressadas
NUNCA CAGAS?
e era a profundidade de diálogos como este que dava sentido ao mundo. Arranjei amigos firmes por ali,
por exemplo o mulato imenso que desafiava a polícia
– Por cima de mim só os aviões
com o cálice de bagaço sumido na palma infinita, de quem a esposa se queria separar por ele se ter aborrecido com ela, desejo que o mulato não entendia, a explicar-me surpreendido
– Palavra de honra que só lhe parti um braço
poisando-me no ombro um cotovelo amigo que me esmagou a omoplata. A verdade é que eu gostava imenso da fauna e da flora daquele bairro, de ouvir as pessoas, lhes fazer perguntas, conversar com elas, dos cães a quem os troncos proporcionavam um banquete de cheiros, do sujeito de bigode e patilhas a zangar-se com a empregada da capelista por uma questão de trocos, apelando-lhe à inteligência
– Ó flor pensa com a raiz
do urinol cilíndrico, de metal, postado junto a um cruzamento, que se abria com uma moeda de euro, se fechava sobre nós e não se abria mais, no interior gemia, de tempos a tempos, um pedido de socorro cada vez mais ténue até que um empregado da Câmara viesse remover o cadáver
(adoro a expressão remover o cadáver)
de boca e braguilha meio abertas, conforme meio de joelhos e meio deitado, olhando-o de baixo para cima numa censura vítrea. Gostava de me livrar desta coisa dos livros e comprar um rés do chão ali, com cortinas de macramé, por baixo do segundo andar da Hospedaria Dallas ou ao lado do rés do chão e primeiro da Residencial Santa Maria Madalena Águas Correntes Quentes e Frias, cuja dona, idosa e ruiva, vinha cá fora fumar de boquilha em roupão e chinelos de cetim e respondia ao meu aceno com
– Olá boneco
prometedor. Dona Áurea, ouvi chamarem-na uma vez Dona Áurea. Tenho ideia que a mulher do chefe de posto quando eu estava em África era Dona Áurea também e também gorda, confortável. Mas em Angola havia mais morcegos e nenhum travesti em cada esquina como nenhum automóvel caro em conversações com eles, de cadeirinha de bebé no banco de trás." (2018)
ANTÓNIO LOBO ANTUNES « O Conde Redondo »