
Lembrei-me
de ti… aliás não consigo aceitar o fato de te obrigarem a partir para sempre
rumo ao nada de onde viemos…pelo menos já, pois sei que era e é o destino de
todos nós, mas, tu, minha guerreira preferida que amava tanto os cheiros e
sabores da vida, talvez fruto de um passado por terras Ultramarinas, para onde
teu pai, o melhor caçador da terra, te levou ainda bem jovem, juntamente com o
resto da tua família, provavelmente à procura do que tanto faltava no seio do
vosso lar, como no meu e no de tantas outras famílias que na hora da partida
tantas lágrimas derramaram, gritos de quem arranca um pedaço de si… só o tio Alfredo
guerra, Ferreira, e aqueles que tinham touças por perto se regozijaram, porque
não podíamos morrer de frio, e aquelas ramas tão bem aparadas que arrastávamos até
à lareira em volta da qual inventávamos jogos para matar o tempo juntamente com
a “lazeira” saciada com um caldo de couves a nadar e adobada com unto quando
ainda restava… sei que anda por aí muita gente que esqueceu, ou finge, mas eu
recordo-me tão bem como se fosse hoje, como me

recordo,
e tu me lembravas no face onde adoravas expressar-te, aquela escorregadela para
o tanque do Pelourinho, num dia frio e gelado! Eras traquina, talvez da qual
surgiu a alcunha que não gostavas nada que te chamassem, mas na nossa terrinha
onde não voltarás, ficou gravada como um eco que surge longínquo, permanente.
Lamento imenso que os intelectuais do lugar não te tenham referenciado nos seus
lugares privilegiados, pelo menos com uma pétala de rosa, mas também não fiquei
muito surpreendido, pois não te consideravam nem fazias parte do mundo secreto
dos hipócritas… Minha querida Mena! Prezava tanto a tua frontalidade que por
vezes fazia distúrbios! E os textos poemas e citações, fossem ao não fossem
teus… aquelas piadinhas… os telefonemas quando te deslocavas a Miranda com os
amigos e de lá levavas: chouriças, salpicões, alheiras, e uma orelha de porco
para cozerem com as casulas que

partilhavas com a tua grande amiga Eduarda, talvez a única
que te compreendia? Grande defensora de instituições para as quais trabalhavas benevolamente…
Quando for aí a cima vamos encontrar-nos – dizias tu –
mas nunca aconteceu o que me deixa ainda mais penoso… o destino é por vezes tão
cruel! Eramos talvez leigos? Dizem ainda os crentes, que nos vês, que nos ouves…
só mentiras que ajudam ao esquecimento mais rápido. Tinhas tantos supostos
amigos no face, alguns passaram rapidamente para deixar os pêsames, por
cortesia, ou talvez fossem sinceros… outros já nem se lembram de ti… e eu, cá
tão longe e com problemas de saúde não fui despedir-me de ti. Perdoa-me. Já
havia muito tempo que não escrevia, fiz esta opção, mas roía-me por dentro,
pesava-me na consciência, ficava horas sem dormir. Porque tu merecias todas as
considerações do mundo… sem chichis… palavras caras,

imposturices
que nos levarão também para debaixo da terra que por vezes nem é a nossa. A
única coisa que peço aos meus é que me levem para onde nasci. Não quero flores,
caixões bonitos, rezas nem lágrimas, tudo isto faz parte da ficção científica…
dar em vida é um gesto nobre, e eu recebi tanto, e creio ter dado também… Pois
é minha Mena, lembrar-me-ei sempre de ti, enquanto tiver folego, porque eu era
realmente teu amigo. Um beijo