segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Mena

 Lembrei-me de ti… aliás não consigo aceitar o fato de te obrigarem a partir para sempre rumo ao nada de onde viemos…pelo menos já, pois sei que era e é o destino de todos nós, mas, tu, minha guerreira preferida que amava tanto os cheiros e sabores da vida, talvez fruto de um passado por terras Ultramarinas, para onde teu pai, o melhor caçador da terra, te levou ainda bem jovem, juntamente com o resto da tua família, provavelmente à procura do que tanto faltava no seio do vosso lar, como no meu e no de tantas outras famílias que na hora da partida tantas lágrimas derramaram, gritos de quem arranca um pedaço de si… só o tio Alfredo guerra, Ferreira, e aqueles que tinham touças por perto se regozijaram, porque não podíamos morrer de frio, e aquelas ramas tão bem aparadas que arrastávamos até à lareira em volta da qual inventávamos jogos para matar o tempo juntamente com a “lazeira” saciada com um caldo de couves a nadar e adobada com unto quando ainda restava… sei que anda por aí muita gente que esqueceu, ou finge, mas eu recordo-me tão bem como se fosse hoje, como me 


recordo, e tu me lembravas no face onde adoravas expressar-te, aquela escorregadela para o tanque do Pelourinho, num dia frio e gelado! Eras traquina, talvez da qual surgiu a alcunha que não gostavas nada que te chamassem, mas na nossa terrinha onde não voltarás, ficou gravada como um eco que surge longínquo, permanente. Lamento imenso que os intelectuais do lugar não te tenham referenciado nos seus lugares privilegiados, pelo menos com uma pétala de rosa, mas também não fiquei muito surpreendido, pois não te consideravam nem fazias parte do mundo secreto dos hipócritas… Minha querida Mena! Prezava tanto a tua frontalidade que por vezes fazia distúrbios! E os textos poemas e citações, fossem ao não fossem teus… aquelas piadinhas… os telefonemas quando te deslocavas a Miranda com os amigos e de lá levavas: chouriças, salpicões, alheiras, e uma orelha de porco para cozerem com as casulas que
 partilhavas com a tua grande amiga Eduarda, talvez a única que te compreendia? Grande defensora de instituições para as quais trabalhavas benevolamente…
Quando for aí a cima vamos encontrar-nos – dizias tu – mas nunca aconteceu o que me deixa ainda mais penoso… o destino é por vezes tão cruel! Eramos talvez leigos? Dizem ainda os crentes, que nos vês, que nos ouves… só mentiras que ajudam ao esquecimento mais rápido. Tinhas tantos supostos amigos no face, alguns passaram rapidamente para deixar os pêsames, por cortesia, ou talvez fossem sinceros… outros já nem se lembram de ti… e eu, cá tão longe e com problemas de saúde não fui despedir-me de ti. Perdoa-me. Já havia muito tempo que não escrevia, fiz esta opção, mas roía-me por dentro, pesava-me na consciência, ficava horas sem dormir. Porque tu merecias todas as considerações do mundo… sem chichis… palavras caras,
 imposturices que nos levarão também para debaixo da terra que por vezes nem é a nossa. A única coisa que peço aos meus é que me levem para onde nasci. Não quero flores, caixões bonitos, rezas nem lágrimas, tudo isto faz parte da ficção científica… dar em vida é um gesto nobre, e eu recebi tanto, e creio ter dado também… Pois é minha Mena, lembrar-me-ei sempre de ti, enquanto tiver folego, porque eu era realmente teu amigo. Um beijo

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá António
Em primeiro lugar quero dizer-lhe que só um amigo consegue fazer um tributo assim.
As coisas que o António se foi lembrar... da vossa infância não tenho recordações, como sabe sou um pouco mais nova, mas sim...sei das dificuldades das famílias à época, tanto pelo que a minha família me contou, como através dos escritos que vou lendo . O trambolhão no tanque do Pelourinho era uma história (estória) sempre contada pela nossa amiga Mena com muita alegria e ao mesmo tempo uma amarga saudade dos seus tempos de meninice. E saudade era tanta que era comum que ambas nos lambuzávamos com a comidinha típica (salpicão, presunto, casulas, butelo e até uma boa alheira caseira).
Quanto à referência sobre a importância dada nos locais próprios (percebi onde queria chegar, concorde-se ou não os critérios editoriais são dos administradores e só eles saberão a relevância que cada um merece ) tenho a dizer-lhe meu amigo que a Mena teve durante todo o tempo de internamento e na sua despedida a dimensão que lhe era devida, incansáveis os filhos, e os amigos que gostavam dela creio que, e pela parte que me toca , foram tendo conhecimento da situação da forma que entenderam melhor. Nada me pesa... nem o riso e uns bons copos em dias de alegria, nem as horas de conversa em dias menos bons, nem tão pouco falta de interesse durante esta última fase. Foi uma amiga que após alguns anos de distância reencontrei através do blog de Rebordainhos. Assim sendo só tenho a agradecer, pois quanto a isso cumpriu, o mesmo, um dos seus objectivos.
Quanto à hipocrisia de que fala, concordo em absoluto consigo. Mas enfim as partes definem-se através dos seus actos e não por via de palavrinhas de ocasião Por aqui me fico, mais uma vez agradecendo as suas palavras amigas e mostrando que na verdade não precisamos de chavões para demonstrar amizade. Um abraço e que a si tudo corra pelo melhor.
Eduarda

antonio disse...

Obrigado Eduarda; e desde já peço desculpa pela demora a publicar o seu comentário, assim como não ter respondido mais pormenorizadamente na sua mensagem... tenho andado com problemas de saúde e a minha esposa também pelo que não me apetece comunicar, nem tenho disposição para escrever.
Quanto ao seu comentário que acrescentar? Diz tudo e com o tacto que a careateriza, pelo que julgo sensato ficar por aqui. É verdade que me recordo de muitas coisas do passado relativas a toda a gente da terrinha natal, guardo-as para mim por chegar à conclusão que o nosso tempo de vida é tão curto que o que fica por dizer é o que toda a gente estima mais correto.
Escrevi para a Mena e é dela que quero guardar as melhores recordações do Mundo. Cumprimentos

Unknown disse...

Olá António e Eduarda!
Quero, como filha orgulhosa da mãe que tive e tenho para sempre no meu coração, agradecer vos as palavras sinceras que sei que saem do vosso coração e não apenas da boca, como muita gente as usa..
Foram amigos como vocês que encheram o coração e a vida da minha mãe, Filomena, a Pataca para vocês. Palavras e sentimentos sinceros que a minha mãe tanto prezava. Nunca se enganou em relação a isso. Ela tinha o dom especial de farejar os falsos à distância.
É tão bom saber que a lá sabia que lhe chegava esse carinho, mesmo que por vezes à distância (possível).
A minha vida nunca mais foi nem será a mesma, pois é uma perda irreparável. E tanta falta me faz a mim e ao meu irmão.. e também ao meu pai, eu sei.
Demos tudo o que podíamos e fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para que este não fosse o desfecho.. eu nunca acreditei que seria este o desfecho de tamanha crueldade que lhe fizeram, que nos fizeram...mas como disse a prima e amiga Eduarda, amor não lhe faltou. Estive todos os dias sem excepção a dar lhe a mão, a minha energia, o meu abraço, as minhas palavras, a transmitir lhe as mensagens de força dos que gostavam dela.. e tenho a certeza que pelo menos algumas ela ouviu nas vezes que conseguia reagir..
Ela foi, mas ainda cá está. Enquanto eu viver ela viverá através de mim. Dizem me muitas vezes que eu sou muito como ela, uma força da natureza. Então agora essa força da natureza é ainda maior, a dela e a minha juntas. A Mena foi para junto de Deus, mas o seu amor permanecerá para sempre nos nossos corações. O amor quando é verdadeiro não morre.
Um grande OBRIGADO aos verdadeiros amigos da minha mãe, que serão meus amigos sempre.
Beijinhos
Paula

antonio disse...

Olá Ana Vinagre. Não a conheço pessoalmente, mas sei que quem aos seus sai é sempre boa pessoa que merece todo o meu carinho e respeito. Quanto à sua mãe que mais acrescentar? Deixou-nos um grande vazio que ninguem poderá colmatar.. Recordo-a vezes sem fim, e por vezes dou comigo a chorar e falar sozinho... sei que não é corrente, mas que fazer? Eu sou assim os meus amigos verdadeiros permaneceram para sempre no meu coração. Coragem e um beijo grande.