terça-feira, 2 de outubro de 2018

O fim de um sonho lindo


O fim de um sonho lindo
Por: António Braz

Abdicar da única esperança de concretizar os sonhos de menino não foi tarefa fácil para o puto… ruminara na sua mente, durante tanto tempo, a possibilidade de aparecer um coração bondoso que lhe proporciona-se, um meio, fosse qual fosse, de estudar, partir para outros horizontes, conhecer tantas maravilhas que por certo existiam longe daquele buraco de ratos engaiolados, e chegada a hora dessa grande oportunidade, sentia-se na obrigação de recusar, magoado, ferido no mais intimo do seu ser, mas, a honestidade bradava-lhe aos ouvidos repetidamente: não podes enganar pessoas tão generosas e bondosas se te julgas sem vocação para o sacerdócio…
A razão falou mais alto e veio paliar o que durante tanto tempo ruminou naquela cabecita inocente, desnorteada, talvez até com excesso de desvairo? Verificou-se também uma enorme deceção no olhar daquela maravilhosa Senhora cujo gesto de generosidade era também simbolizado por um forte desejo de realizar uma grandiosa ação para com Deus. Nunca poderia ser padre.
Mas a vida continuou e a roda girando veloz, através de um emaranhado de peripécias contundentes sem concessões mas com propósitos indefinidos, porque o puto nascera assim… dotado de uma linda voz mas nunca foi cantor… jogava bem à bola mas não obstante para ser um bom futebolista… com critérios de comediante incipientes… seria o seu destino aquele que o norteou enveredando por outros caminhos? Prevaleceu durante longos anos a dúvida do ego, a definição concreta do seu verdadeiro ser ou não ser? Porém, mesmo vivendo o dia-a-dia, prezava-o aquela cupidez, gozando de uma felicidade peculiar, dissoluta, respeitando sempre os valores e princípios que trazia na bagagem, e não esquecendo nunca a sua verdadeira família, que apesar de pobre eram o bem mais precioso que lhe foi atribuído pelo todo-poderoso.
Enquanto adolescente, para além dos numerosos relacionamentos, apaixonou-se por uma boneca, um dia, uma noite, quem sabe quando e porquê? Aquele primeiro beijo, ao cair da noite, implementou nele, um malévolo eterno. Amaram-se tão profundamente! Mas, estava escrito que nunca chegariam a ser marido e mulher, apesar das lágrimas derramadas, dos desejos consumados, das tentativas de fuga, dos momentos inesquecíveis passados no refúgio dos olhares indiscretos. Nunca prometeram o que quer que seja um ao outro durante esses dez anos de ruturas e reconciliações. Unidos pela magia de um poder sobrenatural pertenceriam para sempre um ao outro mesmo seguindo por caminhos diferentes…
E o puto tornou-se um jovem imaturo, mas, sabia o que queria, pelo que foram numerosas e pertinentes as tentativas, atendendo aos magros meios que possuía, par subir a grande escada sem contar com a ajuda dos que tinham o braço comprido… sentia-se realizado mesmo não tendo protagonizado um ideal e jamais ter ambicionado projetos a longo prazo… perpetrou secretamente o adultério, acatou o aborto, foi banzado pela perícia da homossexualidade numa consulta de rotina com o Dr. Nodet, assediado por um marido impotente, convidado para “partouzes” (relação a três) com casais da alta sociedade, oferta de pagamento, na cama, o taxímetro, conviveu com travestis, transportou personagens importantes, saindo do cabaret drogados, cantores, atores, homens do “show business”, almoçou com magnatas do petróleo, levou a casa o Abbé Pierre, tomou um café convidado pelo “Michou” viveu intensamente a vida Parisience sem desencarrilar, avaliando ponderadamente cada situação das quais saiu sem desdouro; será que se pode considerar uma aberração?




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