O fim de um sonho lindo
Por: António Braz
Abdicar da única esperança de concretizar os sonhos
de menino não foi tarefa fácil para o puto… ruminara na sua mente, durante
tanto tempo, a possibilidade de aparecer um coração bondoso que lhe
proporciona-se, um meio, fosse qual fosse, de estudar, partir para outros
horizontes, conhecer tantas maravilhas que por certo existiam longe daquele
buraco de ratos engaiolados, e chegada a hora dessa grande oportunidade,
sentia-se na obrigação de recusar, magoado, ferido no mais intimo do seu ser,
mas, a honestidade bradava-lhe aos ouvidos repetidamente: não podes enganar
pessoas tão generosas e bondosas se te julgas sem vocação para o sacerdócio…
A razão falou mais alto e veio paliar o que durante
tanto tempo ruminou naquela cabecita inocente, desnorteada, talvez até com
excesso de desvairo? Verificou-se também uma enorme deceção no olhar daquela
maravilhosa Senhora cujo gesto de generosidade era também simbolizado por um
forte desejo de realizar uma grandiosa ação para com Deus. Nunca poderia ser
padre.
Mas a vida continuou e a roda girando veloz,
através de um emaranhado de peripécias contundentes sem concessões mas com
propósitos indefinidos, porque o puto nascera assim… dotado de uma linda voz
mas nunca foi cantor… jogava bem à bola mas não obstante para ser um bom
futebolista… com critérios de comediante incipientes… seria o seu destino
aquele que o norteou enveredando por outros caminhos? Prevaleceu durante longos
anos a dúvida do ego, a definição concreta do seu verdadeiro ser ou não ser?
Porém, mesmo vivendo o dia-a-dia, prezava-o aquela cupidez, gozando de uma
felicidade peculiar, dissoluta, respeitando sempre os valores e princípios que
trazia na bagagem, e não esquecendo nunca a sua verdadeira família, que apesar
de pobre eram o bem mais precioso que lhe foi atribuído pelo todo-poderoso.
Enquanto adolescente, para além dos numerosos
relacionamentos, apaixonou-se por uma boneca, um dia, uma noite, quem sabe
quando e porquê? Aquele primeiro beijo, ao cair da noite, implementou nele, um
malévolo eterno. Amaram-se tão profundamente! Mas, estava escrito que nunca
chegariam a ser marido e mulher, apesar das lágrimas derramadas, dos desejos
consumados, das tentativas de fuga, dos momentos inesquecíveis passados no refúgio
dos olhares indiscretos. Nunca prometeram o que quer que seja um ao outro
durante esses dez anos de ruturas e reconciliações. Unidos pela magia de um
poder sobrenatural pertenceriam para sempre um ao outro mesmo seguindo por caminhos
diferentes…
E o puto tornou-se um jovem imaturo, mas, sabia o
que queria, pelo que foram numerosas e pertinentes as tentativas, atendendo aos
magros meios que possuía, par subir a grande escada sem contar com a ajuda dos
que tinham o braço comprido… sentia-se realizado mesmo não tendo protagonizado
um ideal e jamais ter ambicionado projetos a longo prazo… perpetrou
secretamente o adultério, acatou o aborto, foi banzado pela perícia da homossexualidade
numa consulta de rotina com o Dr. Nodet, assediado por um marido impotente,
convidado para “partouzes” (relação a três) com casais da alta sociedade,
oferta de pagamento, na cama, o taxímetro, conviveu com travestis, transportou
personagens importantes, saindo do cabaret drogados, cantores, atores, homens
do “show business”, almoçou com magnatas do petróleo, levou a casa o Abbé
Pierre, tomou um café convidado pelo “Michou” viveu intensamente a vida
Parisience sem desencarrilar, avaliando ponderadamente cada situação das quais
saiu sem desdouro; será que se pode considerar uma aberração?
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