domingo, 15 de setembro de 2019

Confições intimas

 Confissões íntimas: por António Bras
São dias de solidão horripilantes que me torturam, me carregam, e obstruem todos os caminhos acessantes ao desempenho das funções metódicas, ao deleite, onde o elã sofre a metamorfose do asilado num lugar deserto, e os habitantes são meros espantalhos, hirtos, cuspindo o veneno ingurgitado na amamentação. São horas desesperantes, martirizantes, epidémicas, sugando o alimento dos poros, o oxigénio, até ao sufoco. São meses dilatados pelo tempo, imitando a tartaruga no seu percurso lento e receoso, como quem não anseia chegar. São anos mortos e frios, que me gelam o corpo e a mente atirando-me para uma nuvelina que pouco a pouco se vai tornando escuridão. Sou um dos milhares de sobreviventes cujos prazeres mundanos se 
 esvaneceram completamente; alimento-me por necessidade, ando por obrigação, durmo e sonho pelo domínio corporal. Será que vale mesmo a pena viver depois de ter vivido!? Lembro-me daquele casal que conduzi no meu táxi do “jardin des tuilleries à praça de la Nation em Paris”em 1977, tinha eu então 27 anos, e o ditoso casal por volta de 57. Surpreendentemente, o marido, parecia obcecado por conversas, tendencialmente perversas, segundo o meu primeiro julgamento. A esposa tentava retraí-lo, envergonhada e receosa. Porém o homem, foi direto ao assunto que tinha em mente, propondo-me que tivesse relações sexuais com a sua esposa, porque ele 
aqui vivi eu no 3º andar

era impotente e sofria tanto quanto a esposa com esta anomalia… - Deixa o rapaz, não vês que…
- Cala-te mulher… também ele se encontrará um dia na mesma situação que eu e…
Chegamos ao destino e perante a insistência do homem respondi:
Desculpe, mas foram-me transmitidos valores e princípios que não permitem aquiescer ao seu pedido, por respeito por si e sua esposa. Quanto ao ser ou não impotente quando tiver a sua idade, só a mim me diz respeito, podendo afirmar-lhe desde já, que jamais submeteria a minha esposa a tamanha vergonha…Hoje admiro a reação deste homem por não esconder a sua doença como tantos outros o fazem, seja por obrigações protocolares, vergonha, enfado perante os familiares e outros componentes que fazem com que guardem bem guardado o seu segredo, sacrificando os víveres, camuflando o seu verdadeiro ser ao preço mais elevado para não ferir suscetibilidades.
Paris foi, e será para sempre o meu cantinho mágico… o local onde nunca ninguém me apontou o dedo como sendo indesejado… jamais os meus atos extrovertidos foram julgados com afinco ou perversidade… trinta e dois anos vividos intensamente… 
circunvalado por presumíveis amizades, embalado pelo hipotético e sucinto amor-perfeito, fui homem fui criança, alienado e ao mesmo tempo circunspecto, reverabundo circunstancial, abrigo de desejos e vontades, simplesmente feliz! “- E tudo o vento levou”: acordo ancípite de sonhos em tange onde os eidos frontifícios da canção de Jorge Ferreira: ( um velinho caminhava) manifestam-se reiteradamente nos meus ouvidos moribundos, arrastando-me para a tentação irreverente de um coração sem lugar para o atos benevolentes, e um cérebro moribundo, banzo aguardando o desfecho final.

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