quarta-feira, 28 de agosto de 2024
Amizades desvanecidas AB
Eramos adolescentes, pobres e vizinhos sem qualquer empatia especial. Eu com quatorze anos de idade, ele um ano mais novo. Afastou-se da violência doméstica e do miserável casebre arrendado, com a ajuda dos patrões endinheirados e respeitados que acabavam de chegar à terra vindos de colónias ultramarinas libertas de tantos anos de opressão. Integrado numa congregação religiosa, como uma dezena de rapazes tinham conseguido a admissão, através dos mesmos meios, conhecimentos e braços longos quedou-se por lá pouco tempo, apenas dois anos, desconheço as verdadeiras razões, ser padre era a finalidade… durante este tempo, recebeu o pároco da freguesia uma carta sua na qual segundo este me mandava um abraço. Atônito respondi ainda incrédulo: mande-lhe também um meu. Pouco tempo depois voltava à terrinha e após um primeiro encontro comecei a considerá-lo como o meu melhor amigo. Fomos crescendo, com fome ou sem ela, (porque também os famintos crescem) e namoriscando, dando voltas sem fim ao povoado, na esperança de nos cruzarmos com as pretendidas em qualquer canto, ou que viessem à porta ou à janela com um pequeno aceno de mão que já nos ajudava a dormir melhor. Confidenciamos um com o outro, levando recadinhos, porque os pais não eram de cocegas, e quem pagava as favas eram elas. Estes namoricos tornaram-se em verdadeiras paixões proibidas pelos familiares que só por terem uns pedaços de terra se julgavam superiores esperando casar as filhas com melhores partidos sendo nós considerados “pandilhas”. Não houve conformismo nem cedências e os invernos iam passando neste enredamento. No mês de outubro, completava eu dezoito anos e ele dezassete. Ponderamos no facto de dar o salto para França onde supostamente se ganhava para viver melhor mesmo sendo longe daquela espelunca que amávamos profundamente incluindo os familiares. Com 50 escudos no bolso desloquei-me a Bragança para requerer o bilhete de identidade. Pela primeira vez na minha vida confrontei-me com o suborno e a corrupção reles do funcionário do registo civil metendo ao bolso os 50 escudos, caso contrário não havia bilhete de identidade para ninguém. Voltei para casa com a barriga a dar horas e felizmente tinha tirado o bilhete de ida e volta, caso contrário só me podiam valer as pernas. Durante os dias que se seguiram fomos contactados por um “passador” e em troco de uma certa soma de dinheiro acompanhava-nos até Paris. Partimos à uma da manhã, no dia de todos os Santos, mas o pai do meu amigo não deixou que ele seguisse viagem connosco
No mês de agosto seguinte voltávamos de férias já com a papelada no bolso para poder trabalhar na França depois de várias peripécias durante este tempo. Por cá os namoricos continuavam no mesmo ritmo e não tinha mudado nada em relação às restrições. No mês de setembro voltamos a embarcar e desta vez o pai do meu amigo não teve hipótese de o proibir a dar o salto. Deixámo-lo no quarto de um primo que tentou arranjar-lhe trabalho, mas como não tinha dezoito anos feitos foi obrigado a falsificar o BI. Trabalhava e estudava já com o 2º ano concluído que trouxe da congregação. Era inteligente e progrediu na vida à força dos seus braços e inteligência. Quando a sua amada atingiu a maior idade, casaram, voltaram juntos para frança, para uma região que visitei sendo várias vezes convidado com uma amizade crescente juntamente com a esposa e filho. Tudo se desmoronou com o decorrer do tempo, e hoje sou apenas um estranho que cruzou na sua adolescência e toda a nossa amizade sumiu. Pergunto-me vezes sem fim porquê? E não encontro uma razão válida ou suscetível de ser. Concluo que não há amizade
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário