sexta-feira, 5 de maio de 2017

Avec le Temps

 Decorriam os anos 50/60 nas rusticas Aldeias do Nordeste Transmontano. Tempo de vacas magras, enriquecimento do tesouro nacional por ordem dos ditadores Américo Thomaz e o famoso Salazar cujos nomes para esta juventude nem sequer fazem parte da História de Portugal. – A foto de Américo Thomas bem presente nas nossas escolas, enquadrado e pendurado nas paredes para o qual erguíamos o olhar ao mesmo tempo que cantávamos o hino nacional –  o nome Américo Thomas não me diz nada… Humberto Delgado já ouvi falar – respondia um jovem no concurso televisivo: agarra se poderes…
(avec le temps tout s’en va) Ficam por algum tempo as narrativas, como esta, embora em ficção cientifica, por vezes uma seca para os que leem e não percebem népia, saturados de ouvir os pais e avôs dizer: no nosso tempo?...
Ouviu-se o toque das trindades já o sol desaparecera por detrás daquela serra de manto agreste não deixando expandir a beleza da pequena e pacata aldeia do Nordeste Transmontano. O comboio apitou três vezes, entrava certamente no túnel disto de três ou quatro quilómetros, e o tio Manuel passou duas vezes  o lenço sujo e enrugado pela face que escorria suor, levantou a gadanha para o ombro e dirigiu-se a passos largos para casa onde o esperava a tia Joaquina com os potes ao lume deitando fumo quando levantava o testo de ferro para provar o “manjar” – dizia ela – que o meu homem bem merece.
Assentou-se no “escano”, exausto, perante o olhar piedoso da esposa sofrendo com ele o cansaço da vida dura que as circunstancias impunham, para que não faltasse o pão na mesa e alguns tostões para as despesas correntes. Baixou-se a mesa embutida na traseira do banco de madeira, negra, impregnada de fumo, sebenta pelo tempo que teria passado por ela... Chamou pelos 4 filhos que o casal tinha, três raparigas e um rapaz; a comida estava na mesa. Eram “chícharos” cozidos com couves galegas, e um pedaço de toucinho do porco que se matara tempos antes. Não faltaram as orações antes e depois do repasto, agradecendo ao supremo o pão nosso para cada dia…  A tia Joaquina era demasiado supersticiosa, acreditava em feitiços, bruxedos e espíritos malignos, e contava com a lágrima no canto do olho aquele tempo em que o marido esmirrava cada vez mais, talvez vitima de um mau olhado, uma maldição que lhe caíra em cima como uma faísca obrigando-o a ficar acamado durante um mês, enquanto a esposa incansável recorreu a todos os remédios, e com a graça de Deus melhorou. Neste tempo morria-se com doenças que hoje parecem banais e a medicina controla. Eram talvez os cancros de hoje, hepatites, VIH etc.

 O ciclo do tempo foi decorrendo com altos e baixos sempre numa luta constante e os garotos cresceram. A mais velha casou e foi com o marido para frança onde este possuía uma pedreira e de lá saía o seu ganha-pão. A segunda era humilde, inteligente e os pais foram aconselhados para ela ir estudar não se poupando o agregado a privacidades e grandes sacrifícios… mas valeu a pena. Formou-se professora do ensino primário partindo com trapos e bagagens para onde fora colocada. Seguia-se um rapaz, o Francisco, de estatura média, bochechudo, com faces encarnadas e também uma réstia de inteligência. A mãe desde sempre carregou no coração e na mente o desejo de fazer dele um sacerdote, talvez para compensar o que Deus, a quem ela tinha tanto pedido quando o esposo esteve doente, as suas melhoras, e apesar de acreditar poder ter sido bruxedo, a fé pendia também para as orações e para a ida visitar o padre silva, para desconjurar os espíritos malignos que mantinham o marido acamado havia tanto tempo com quatro filhos para criar. Não sabia como manifestar o seu deseja ao marido, coitado que já trabalhava tanto, estagnando os preços da batata e centeio, principais fontes de rendimento… abordou-o com a suavidade que lhe era peculiar, num dia que ele parecia mais bem-disposto.
- Manuel…
- Que foi mulher?
- Há muito tempo que ando mortificada com uma coisa que tenho para te pedir…
- Oh! Minha pérola… o que eu não faria para te ver alegre e feliz?! Mas… fala. Diz-me o que tormenta essa cabecinha de anjo…
- E se nós mandássemos o nosso Francisquinho estudar para padre?
- Caramba! Isto anda tão mau… e sabemos lá nós se tem jeito, ou vocação como se diz por aí?
- Gostava tanto…
- Ó minha santa, vamos ver o que se pode fazer. Vou falar com o padre Pires que é a pessoa mais indicada. Prometo.
MG textos ( parte 1)


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