sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Afetos


Afetos                                                                                Por António Braz Pereira
Maio desbotado desabrochava na vastidão de afetos lépidos e ao mesmo tempo indigentes enquanto a luminosidade de raios solares penetrava pelas paredes de granito esburacadas fixando-se no soalho roto, perante o deleite das ratazanas no recôndito predileto de uma casinha de dois compartimentos, um deles assoalhado e abastardado, o outro térreo manuseado ao jeito de cozinha onde o renomado “lançadouro”  pútrido pelo uso e pelo tempo, e enfeitado com jornais  rendilhados  magistralmente para dar um ar de alegria e felicidade inexistentes  ou talvez para engodar o ego? Uma lareira veemente acesa e rodeada pela filharada e alguns familiares, incluindo a parteira, que vieram para o nascimento. A grande porta de madeira corrompida abria-se e fechava-se dando passagem às velhas mulheres que ajudavam no parto num vaivém acentuado pelo trepar das “socas” e saias de cor preta carregadas até aos pés, e de rostos amarroados como se se tratasse de um enterro. Finalmente, na solidão do firmamento e no silêncio abstrato dos que dormitavam soergue-se um chorar infantil determinado e voraz, surpreendentemente como se ninguém o esperasse. Era um puto! Teria havido manifestamente alaridos e sorrisos largos por ser um macho depois de três fêmeas, supostamente; porque na realidade dos factos, era a quarta boca a comer numa casa onde faltava o pão para cada dia, e os dias eram tão longos! … E o puto dias depois decidiu adormecer, tal como num coma barbitúrico, durante mais de 48 horas, sendo chamado o padre para o sopear por não ter sido batizado, considerando a morte deatilada. Renasceu antes de fincar com um berro de revolta, e só onze anos depois foi registado como cidadão português e os nomes que lhe foram atribuídos tiveram recusa absoluta, sendo os progenitores obrigados a escolher outros que deveriam ter sido: o indesejado.

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