Afetos Por
António Braz Pereira
Maio desbotado desabrochava na vastidão de afetos
lépidos e ao mesmo tempo indigentes enquanto a luminosidade de raios solares
penetrava pelas paredes de granito esburacadas fixando-se no soalho roto,
perante o deleite das ratazanas no recôndito predileto de uma casinha de dois
compartimentos, um deles assoalhado e abastardado, o outro térreo manuseado ao
jeito de cozinha onde o renomado “lançadouro”
pútrido pelo uso e pelo tempo, e enfeitado com jornais rendilhados magistralmente para dar um ar de alegria e
felicidade inexistentes ou talvez para
engodar o ego? Uma lareira veemente acesa e rodeada pela filharada e alguns
familiares, incluindo a parteira, que vieram para o nascimento. A grande porta
de madeira corrompida abria-se e fechava-se dando passagem às velhas mulheres
que ajudavam no parto num vaivém acentuado pelo trepar das “socas” e saias de cor
preta carregadas até aos pés, e de rostos amarroados como se se tratasse de um enterro.
Finalmente, na solidão do firmamento e no silêncio abstrato dos que dormitavam soergue-se
um chorar infantil determinado e voraz, surpreendentemente como se ninguém o
esperasse. Era um puto! Teria havido manifestamente alaridos e sorrisos largos
por ser um macho depois de três fêmeas, supostamente; porque na realidade dos
factos, era a quarta boca a comer numa casa onde faltava o pão para cada dia, e
os dias eram tão longos! … E o puto dias depois decidiu adormecer, tal como num
coma barbitúrico, durante mais de 48 horas, sendo chamado o padre para o sopear
por não ter sido batizado, considerando a morte deatilada. Renasceu antes de
fincar com um berro de revolta, e só onze anos depois foi registado como
cidadão português e os nomes que lhe foram atribuídos tiveram recusa absoluta,
sendo os progenitores obrigados a escolher outros que deveriam ter sido: o
indesejado.
Sem comentários:
Enviar um comentário