destinos por António Brás
Chamo-lhe destinos por acreditar que os nossos caminhos são traçados num hialino invisível, irrevelado, durante uma vida sem prazo, cuja longevidade depende exclusivamente de uma fração de segundos, sejamos ricos ou pobres, sábios ou ignorantes, protegidos ou desprezados, novos ou velhos, quando o sinal de partida surgir, para a última viagem, com bilhete apenas de ida.
Chamo-lhe destinados, aos que nasceram com caraterísticas idênticas, concebidos de formas semelhantes, paridos por uma mãe, partilhando da felicidade imposta pela ignorância, enquanto o cérebro não se desenvolve e atinge a compreensão, podendo assim fazer a distinção do bem e do mal, do bom e do ruim, do grande e do pequeno, do interessante e do insignificante, e por aí fora…
Os nove meses de gravidez das três mulheres cujos destinos foram traçados de maneira atribulada, “ com a ajuda de Carlos” chegavam ao fim, e os preparativos para a nascença das crianças tomavam rumos idênticos. Havia já certezas no género, três Rapazes, e no nome próprio que ia de encontro aos desejos expressados pelo progenitor, pequena fraqueza das mães, ou ironia do destino, chamavam-se Fernando, e eu apelidei-os dos três FFF.
Havia apenas um mês a separar a nascença dos três FFF. O
filho da Fernanda foi o primeiro a ver a luz na clinica de Arca D’água. O Sr.
Félix acompanhou o parto com o carinho de um verdadeiro pai, e os olhos
esbugalhados em lágrimas. Foi talvez o dia mais feliz da sua vida, sem esquecer
o do casamento com a mulher que amou incondicionalmente. Quando o recém-nascido
soltou o primeiro choro, agarrou com tanta força a mão de Fernanda e só a
largou ao fitá-la nos olhos e aperceber-se que a estava a magoar. … Então pediu
perdão, e beijou aquela mão frágil longamente como se fosse necessário provar-lhe
que estava com ela de alma e coração para enfrentar as peripécias que o futuro
lhe reservava, educar aquele filho que considerava seu.
Julia tinha casado com um homem que não tinha a beleza
exterior do seu primeiro amor, mas era dócil, compreensivo, trabalhador, mas
sobretudo amável e carinhoso. Tinha-se apaixonado por ela, e mesmo sabendo do
seu passado recente amoroso, e da gravidez de um filho que jamais poderia usar
o seu apelido, estava disposto a enfrentar todas as objeções, com honra,
dignidade, oferecendo-lhe a felicidade de um lar… Era professor de Português e
história na escola secundária de Penafiel, tinha aí uma reputação bem formada e
era respeitado como homem de grandes valores. No dia em que sua esposa deu à
luz o Fernando 2, velou-a toda a noite até que foi decidida uma cesariana
devido a complicações do parto, por volta das três horas da manhã. De manhã, exausto, foi procurar a primeira
florista e ordenou que lhe fizessem o mais lindo ramo de flores para oferecer a
uma Senhora. Entrou pelo quarto dentro, trémulo, e mudo com o olhar fixo
naquele rosto dormente, lívido, mas de uma beleza singular, e foi o choro da
criança que os acordou aos dois para uma realidade que os unia ainda mais.
Aproximou-se do leito, e segurando ao de leve uma das suas mãos, beijou-a na
fronte, enquanto uma lágrima corria e vinha refugiar-se no canto da boca.
Finalmente, Paula, a esposa legal de Carlos, entrou em parto
numa clinica particular, na zona do Porto, onde deu à luz o seu filho
denominado também Fernando por desejo do pai, que só visitou a mãe e o filho no
dia seguinte, ordem e exigência dos seus pais, que achavam ser de uma
mesquinhez invulgar o seu péssimo procedimento, perante famílias honradas e de
renome. – Pode não se amar profundamente… mas, que diabo, nasceu um filho teu?
Carlos obedeceu, tal como sempre o fez, para salvar as aparências,
mas, o seu coração batia por outra mulher, que também já não lhe podia
pertencer, e sofria… sofria profundamente a desilusão dos seu próprios atos, o urdido
em que se tinha enfiado sem ponderação nem consciência das mazelas que podia
provocar, como um irresponsável, um puto mimado que se julgava com o direito de
passar por cima de tudo e de todos sem refletir, e já nem sequer podia
arrepender-se e voltar atrás… porque o tempo fugiu, a noite chegou e tudo
escureceu.