quarta-feira, 10 de junho de 2020

A prenda dos meus anos


Apesar da história do puto do vale dos amieiros decorrer em lugares e tempos específicos, qualquer um de nós, consegue identificar-se com ela, prendendo a nossa atenção do primeiro ao último minuto de leitura .
O puto de vale dos amieiros, foi apenas uma criança, que tal como tantas outras, viveu no tempo da ditadura salazarista, numa aldeia perdida de trás os montes. Tempos muito difíceis, roçando a miséria completa: Não havia o que comer, as pessoas andavam literalmente esfomeadas, a educação estava apenas reservada aos mais abastados e toda esta revolta tinha de ser vivida em silêncio, pois o medo dominava a mentalidade da época. Também como muitos outros, este “puto”, resolveu dar o “salto” para França, sempre com o intuito de, com isso, ajudar os familiares que ficavam. Famílias enormes, onde a média de filhos era normalmente de sete. Mas onde existia amor, carinho e espírito de entreajuda.
O puto lá viveu e formou família. Até que resolveu regressar. E foi nesse momento que se viu confrontado com as suas maiores dúvidas existenciais, dúvidas em relação ao balanço dos seus atos, dúvidas em relação à real dimensão humana de pessoas que ele sempre considerara modelos. E claro, o questionamento final: O cômputo geral é negativo ou positivo?
É muito fácil para nós, Leitores, identificar-nos com o protagonista desta obra: Choramos, ou rimos, angustiamo-nos ou deleitamo-nos, assimilando as emoções do puto como sendo também as nossas, de alguma forma. Isto, porque apesar de todos os seres humanos sermos diferentes, na essência, muitas vezes nos cantos mais recônditos da nossa mente, todos nós recordamos que, também já fomos um dia, o puto do vale dos amieiros.
Mas nem todos temos a marca da vocação do escritor: transmitir, envolver e fazer apaixonar o Leitor pela história narrada, que é ao mesmo tempo uma bênção (porque se torna numa catarse para quem escreve) e uma maldição (porque acorda os “demónios” dos quais as nossas mentes tentam sempre fugir). O autor consegue atingir este objetivo com a maestria dos seres dotados para o ato de escrita. É tão fácil visualizar este puto, de calças rotas e pés descalços, transportando no braço uma bola toda remendada. O olhar é triste, mas ao mesmo tempo esperançoso. Afinal, ainda há uma vida inteira por viver!

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