sábado, 18 de setembro de 2021

Avec le temps Por António Braz (ficção) Quando o Tiago era pequenino, do seu carrinho confortável e fino, abria os olhos lindos de um azul celeste, e o seu sorriso meigo atrevido meio provocador, atraía os olhares dos passantes, carinhoso, afável, atrevido que proporcionava comentários tais como: quando fores crescidinho todas as meninas te vão adoletrar. Os pais ficavam orgulhosos, seguindo o seu caminho, sem problemas na vida, com uma situação social bem estruturada, trabalhando os dois, vivendo em união de faco, numa casinha modesta, mas espaciosa, onde o quarto do menino se tornou o centro das atenções. Apesar da juventude dos pais, a criança foi apaixonadamente desejada, e recebida como um dom divino. Foi crescendo sempre com aquele entusiasmo de felicidade, até à idade dos seus dois anos, irrequieto, carinhoso, e de uma inteligência fora do comum. Porém não balbuciava palavra ou silaba e a inquietação dos pais aumentava enquanto aguardavam um possível atraso. Contudo resolveram consultar a pediatra a qual embora com reticências, encaminhou-os para um serviço especializado. O diagnóstico caiu nos dois jovens como uma bomba que fere até à profundidade das entranhas. Como era possível nunca terem reparado que o menino não ouvia? Foram tantos os índices, mas quando se é pai e mãe só vemos o que nos convém… um surdo mudo que nada alterava ao amor que os progenitores tinham por ele, mas que por certo viria a ser um entrave no decorrer do seu crescimento e mais tarde no mercado do trabalho. Foi crescendo com a deficiência que o destino lhe legou, e como era excecionalmente inteligente, foi ele próprio a encontrar a maneira de comunicar com os pais e outros familiares, através das novas tecnologias, que manipulava aos quatro anos, muito acima dos adultos dotados e considerados como os crac na matéria. Frequentou durante um ano as escolas especializadas, sobretudo a gestual, mas a aprendizagem durou tês vezes menos tempo que para os habituais alunos. Com cinco anos terminou o 1º e 2º ano. No seu computador, tablet ou telemóvel que manobrava como um cozinheiro de renome a sua cozinha, ele instalava todas as ferramentas de que necessitava, e com elas chegou ao décimo segundo ano tinha apenas doze anos fazendo sempre uma vida normal, embora certos jogos dos adolescentes como ele não lhe interessassem tentava humildemente participar, e nunca sentiu descriminação, apenas umas peadas dos colegas com idade muito superior à dele. Com dezoito anos tinha já terminado o curso superior em ciências aplicadas e foi convidado para trabalhar numa empresa Americana de renome onde se faziam pesquizas para deficientes de todos os géneros, mas não aceitou porque tinha mais um ano para concluir o doutoramento. Muito querido, mas sobretudo admirado por personagens de alto nível que levavam os cumprimentos ao fastio do rapaz que apenas tinha nascido diferente dos outros. Tiago vivia alegre e feliz na sua humilde casinha em companha dos pais que também planeavam secretamente um futuro com vislumbre para o filho, mesmo com a deficiência existente. Já com o doutoramento concluído, chegavam a casa propostas de imensas firmas, reconhecendo os dons intelectuais do rapaz. Porém, num dia de outono, quando as folhas já começavam a cair, enquanto passeava na margem do rio, começou a sentir uma dor de cabeça que progredia para a atrocidade, e, de volta a casa, os pais com grande aflição chamaram o INEM que o conduziu de imediato ao hospital de S. João e o prognóstico do 1º médico que o observou revelava-se reservado, mas bastante critico. Numa sala ao lado dialogavam os melhores professores do hospital depois de ter passado pela ressonância magnética, e a conclusão não era deveras otimista. Entretanto tinham-lhe sido administradas duas doses de morfina para amortecer aquelas horríveis dores e gritos que Tiago quase já sem forças, debatia-se perante os olhares impotentes da medicina, sendo um caso raríssimo que presenciavam tristemente com lágrimas a descer lentamente pelos rostos, e sem coragem para comunicar o seu estado aos pais que aguardavam ansiosos na sala de espera. Ligaram para os mais prestigiosos hospitais dos estados unidos para uma eventual transferência que não julgaram aconselhável em virtude da distância e do estado do doente. Duas horas depois foi anunciado o óbito. Tiago partira para sempre

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