À procura de
identidade.
Tal como um perdulário, um barco à deriva, mas inerte ou
inerente da incompreensão, que conduz à futilidade, envolvido num pragmatismo
de insolvência racional, levantei-me, preparei-me e saí. Peguei nas chaves do
meu já velho automóvel, pelo qual, como por mim, também o tempo passou,
deixando sequelas dos maus-tratos… de Invernos passados na escuridão das noites
frias e medonhas, de verões quentes, cujos raios solares penetram na epiderme
desprotegida e frágil, mas, ainda com rodas e motor. Envolvido numa
perplexidade contundente, reparei, à medida que descia as escadas da minha
própria casa, contava os degraus, como se as descê-se pela primeira vez… eram
treze, numero que suscita azar. Azar, toda a minha vida tem sido assim! Sempre
fui apelidado de forasteiro, nómada e até estrangeiro. Meu Deus como me tem
pesado na alma! É aterrorizador não pertencer a lado nenhum…ou melhor,
pertencer e não ser reconhecido como tal.
Subi a encosta do Lameirão lentamente, olhando à minha
volta, através dos vidros molhados por uma “merujeira” de água que caía
silenciosamente, mas, não via nada que não tivesse já visto dezenas de vezes,
passando-me pelos ouvidos um zumbido desagradável, irritante, ao ponto de
desejar fugir para bem longe… onde os passarinhos tivessem liberdade para
cantar, os veados espaço para correr, e os seres humanos paz para viver!
Já em
Soutelo Mourisco , perguntei-me mentalmente onde ia, porque
fugia da terra onde vivia há já catorze anos? Estava cansado, saturado pelos
olhares alheios, que me viam como um intruso dos lugares, considerados por eles
como sagrados, impenetráveis. Sem me aperceber do que ocorreu durante o 1km que
me separava do alto da fraga do “berrão”, cheguei aí, e, uma paralisia
passageira apoderou-se dos meus membros. Parei, assentei-me sobre uma pedra, e
aí estive tempo indefinido, a observar e a meditar, no que noutros tempos foi,
um lugar amoroso, apaixonante, apesar das contrariedades fatalistas da vida, e
a obrigatoriedade de partir com lágrimas nos olhos. Foi aqui que eu nasci e
vivi efectivamente durante 18 anos… a minha infância! Revi-me em todos estes
lugares, cujos nomes misteriosos, aprendi, ecoando-me aos ouvidos o Chiar dos
carros de vacas, provocado pelo aperto excessivo das “tarraixas” enquanto subiam
a encosta temerosa do Lombo do Sirgo, vindos de Vilar-Sêco, Porto Malhada velha
ou Fonte do Sapo, carregados com feno, centeio e outros produtos indispensáveis
à sobrevivência dos Rurais. Deste lugar privilegiado de observador, avistava ao
longe, Vale dos Amieiros, Fetal, Ribeira, e os “carreirões” estreitos,
acidentados, por onde tantas vezes passei, até chegar ás Bouças onde manadas de
vacas pastavam apetitosamente sem se preocupar com as tarefas dos “boieiros”,
os quais matavam o tempo, na prática dos jogos tradicionais como: fito, roça,
salto, e até a “queda” que servia para medir forças, judo, dos tempos modernos.
A Ladeira e sua famosa fraga, observavam também estes ritos simplórios de
divertimento. O meu olhar abstracto, percorria o caminho vindo do Belagoto e
via a poeira deixada para trás pelos passantes, e que o vento se encarregava de
transportar até à Châera, onde alegremente os garotos se banhavam nus, no poço
da Sra. D. Graça. As Fontelas, tal como Vale da Frunha, Lombeiro, Ribas, Lombo
da Igreja, Eiras e Fonssim, Teixeira, Lamela, Cadavez, Covinha, Tempa, Cano
Galiana,, Múrio, e Vale de Piteiras, tinham, certamente um significado secreto,
que ninguém me revelou, mas que vivem na minha memória, como um conjunto de
recordações inesquecíveis. Do Outeiro aos Montes, passando pela Airoá Vale das
vinhas, Vale de Miuça e ao lado do Cabeço cercado, são hoje lugares de
cevadeiros, matadouros dos numerosos javalis, que fazem felizes os caçadores.
Eu, via ainda, rebanhos de ovelhas e cabras, pastando urzes, ervas e flores de
giesta, entre as carvalheiras hirtas cheias de musgo, e ouvia o toque da flauta
do Zéquinhas Lélé, ou as cantigas do Chico fazendo eco. Do nosso famoso campo
da bola, na ponta da Cabeça, restam apenas vestígios dos maravilhosos tempos
por lá passados, alguns deles perdidos à procura da bola nas carvalheiras. Os
invasores acabaram por vencer a guerra de tantas batalhas por lá travadas na
defesa do espaço!
Retomei o caminho de Rebordainhos reconfortado pelas belas
recordações, mas antes de entrar na Aldeia, que não visitava havia dias,
veio-me à memória os ditos de pessoas que se dirigiam a mim nos seguintes
termos: - passei na tua terra e não vi uma alma…. Nem sequer um cão me ladrou!
Prossegui o meu caminho, e. no prado parei; estava só, mas,
mentalmente, revi a animação dos tempos passados, à sombra do olmo e freixo,
com o tanque de duas bicas para refrescar as memórias, o lavadouro, a forjem
encarcerada na fraga grande e a poça coberta de gelo onde deslizávamos sem
patins. Na tasca do tio Jaime, havia grande animação, quatro mancebos jogavam
ao chincalhão, vinham os copos de quartilho, e o vinho esgueirava-se suavemente
pelas goelas da assistência. Voltei-me e fiquei trémulo a fixar aquela casa
grande e branquinha, que considerei como minha durante 6 anos em lamentável
estado de degradação…no bairro das pedras, o meu coração alegrou-se, reparando
que duas lindas casas substituíam aquelas que apesar de velhas guardavam
segredos de numerosas brincadeiras. Passei pelo café do “nharro” e pareceu-me
fechado. Poucos metros mais abaixo, estava a casa dos meus pais, a nossa casa.
Portas e janelas trancadas deixavam transparecer a realidade dos factos: ali já
não vive ninguém, para alem dos sonhos lindos de uma família pobre mas unida e
honesta. Uma lágrima veio discretamente recolher-se no canto da minha boca… e,
toda a letra de uma canção francesa desfilou na minha mente. – (Etre né
quelquepart)
Fui andando rua abaixo, encontrei-me no cemitério. Ia
visitar meu pai, e dei por mim a visitar quantos ali jaziam. Estas almas
compreendiam o estado da minha, mesmo que me julgue “o mal amado”… Fiquei
profundamente ferido, que alguns deles, tendo bens, os legaram, a quem nem
sequer teve a decência de lhes mandar construir uma casinha em pedra mármore!!.
Tanta ingratidão, meu Deus!
Voltei para o café do Nharro , entrei, a primeira saudação,
vinda de um amigo, foi: - Que fazes por aqui? Não és de Murçós?...
Tempos passados, outros que eu sempre considerei como amigos
entraram, fingiram não me ver nem me conhecer, nem uma palavra, como se tivesse
a lepra…como as mentalidades estão hoje diferentes! Viver por si e para si é a
divisa da ingratidão…
Finalmente, quando me aprestava a deixar um meio que já não
tem nada a ver comigo, apareceu a Dorinda, com um folar quentinho, amarelo,
apetitoso que cortou e repartiu pela clientela. Não me contive e fiz-lhe esta
pergunta:
- Fazes folares para os clientes?
- Sim. Sempre que cozo.
Nós não escolhemos os pais
Nós não escolhemos a família
Nós também não escolhemos
Os passeios de Manila
De Paris ou Argel
Para aprender a andar...
Nascer em algum lugar...
Nascer em algum lugar
Para aquele que nasceu
É sempre por acaso.
Há as aves
de quintal
E aves de passagem
Elas sabem onde estão seus
ninhos
Quando voltam da viagem
Ou quando voltam a casa
Elas sabem onde estão seus ovos...
Nascer em algum lugar
Nascer nalgum lugar
É partir quando se quer
Voltar quando se desejar
É que as pessoas nascem
com direitos iguais
No ponto em que elas nascem?
É que as pessoas nascem
com direitos iguais
No ponto onde eles são nascidos
Que as pessoas nascem iguais ou não?
Nós não escolhemos os
pais
Nós não escolhemos a família
Nós não escolhemos
Os passeios de Manila
De Paris ou Argel
Para aprender a andar
Eu nasci em algum lugar
Eu nasci em algum lugar
Deixe-me este ponto de referência
Se eu perder a
memória
É que as pessoas nascem
com direitos iguais
No ponto onde eles são nascidos
Que as pessoas nascem iguais ou não?
Buka naba baxoshana
É que as pessoas nascem
com direitos iguais
No ponto onde eles são nascidos
Que as pessoas nascem iguais ou não?
MAXIME LE FORRESTIER
2 comentários:
Tonho
Partiste-me o coração (mesmo que ao meu bocadinho associes a palavra alegria - e obrigada por isso)!
Compreendo tudo quanto dizes, mas não compreendo a atitude de nenhuma das pessoas a quem aludes. É uma triste figura que fazem e que desmerece o nosso modo de ser.
É verdade que ninguém escolhe a família, mas cá para nós, abençoados bisavós que nos fazem correr nas veias o mesmo sangue.
Um grande beijo
Fátima: mais uma vez grato pela visita. Beijos
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