sábado, 28 de junho de 2014

A viagem das tormentas






A viagem das tormentas…
Foi nos anos 70, no princípio do mês de Agosto, aguardado pelos Emigrantes com grande ansiedade, ao ponto de se contarem os dias que faltavam com a aproximação…
A noite que antecedeu a partida, passei-a a “contar as estrelas”, como se costuma dizer; no dia seguinte, levantamo-nos para afinar os últimos preparativos. Era mais uma prenda para fulano, familiares ou amigos a quem se deviam favores… chocolates, rebuçados, uma peça de roupa, o que pudesse satisfazer os desejos daqueles que nos esperavam à distância de 1400 km, com saudades e uma lágrima ao canto do olho, manifesto de felicidade. Os trocos amealhados ao longo do ano eram retirados do “pêto” para acrescento da quantia reservada especialmente para as (vacanças) férias, não tocando nas economias depositadas nas raras instituições bancárias Portuguesas, creio só existir mesmo uma, junto da grande e bonita praça da Opera, de nome: Banque Franco Portugaise, na rua du Helder em Paris.
O Henrique e o Ezequiel tinham comprado carros novos;  o primeiro um Ford Capri e o segundo um Peugeot 204 a gasolina. Os passageiros, cinco para cada carro, familiares e amigos, encheram as malas com bagagens, colocando as restantes nos suportes instalados provisoriamente no “telhado” (teto), excedendo o peso recomendado, sendo também o volume fator de risco para longas viagens. Porém, a necessidade e a excitação sem ponderação, levaram-nos a carregar e levar para a nossa terra, bagatelas hoje sem importância, e que nestes tempos faziam a felicidade da gente humilde.
Por volta das 5h da tarde desse dia fatídico, entravamos na estrada nacional 10, passando pela porte de S. Cloud, pont de Sevres, e por aí fora, direção: Portugal. Anunciava-se uma noite medonha de nevoeiro e chuva, com o desaparecer do dia… estávamos chegando à Ville de Tours, onde paramos, para arejar, ir aos quartos de banho, e descansar, sobretudo os condutores, cuja tarefa não lhes estava sendo facilitada com os engarrafamentos e as condições atmosféricas. Bebemos um café, fumámos um cigarro e toca a andar, porque o tempo, com a pressa de chegar, era como ouro em pó que o vento poderia levar!
De salientar a grande circulação nesta estrada nacional em tempo de férias, sobretudo pelos Portugueses, e gente oriunda dos países Árabes cuja travessia se fazia de Espanha. Impõe-se referir também o mau estado das estradas e dos automóveis que neste tempo por lá circulavam.
Entre  Poitiers e Angulême, por volta das 01 horas, quando os dois automóveis que se seguiam, tentavam uma ultrapassagem pela via central, apareceu, subitamente, e sem sinalização, um corte na via… o Ford foi obrigado a travar bruscamente não podendo retomar a  direita, e o Peugeot tentou também, mas não conseguiu e foi embater violentamente na retaguarda do que o precedia. As malas saltaram, e nós no interior, sem cintos, conseguimos escapar com a graça de Deus ao que poderia ter sido uma tragédia mortal apenas com ferimentos ligeiros.
Um reboque de pronto socorro apareceu imediatamente como por magia – soube-se mais tarde ser o responsável do corte da estrada  - conduziu-nos à oficina da qual era proprietário, onde nos administrou os curativos sem ser necessário ir ao hospital, e ordenou-nos de esperar a abertura do oficina para reparar o Peugeot, podendo o Ford seguir viagem embora com a retaguarda amassada.
Dormimos nos automóveis e comemos da merenda que trazíamos, e só por volta das 16h continuamos viagem. Tivemos ainda outro percalço já em Espanha onde o Peugeot foi também abalroado na retaguarda, com menos gravidade, mas a nossa viagem durou dois dias e duas noites, aliviados ao chegar a casa, embora com os carros novos todos amassados, mas felizes com o reencontro das pessoas e da terra que amávamos.





6 comentários:

Anónimo disse...

Se há coisas de que me recordo, na minha passagem por terras de France, são as nossas tão desejadas e ansiadas viagens para Portugal. As de regresso eram tão tristes, que não me recordo de nenhuma.desejávamos todos, com muita apreensão o dia da partida e a felicidade era tão grande quando chegávamos à fronteira de quintanilha.Era o cheiro, a paisagem e sempre o sol, que nos esperava. lembro-me bem deste ford capri e de todos os vossos carros. Não deixes de contar as tuas aventuras, quando tinhas que passar a fronteira a pé e nos apanhavas, já em Portugal. Imaginando agora isso, parece uma cena de filme.
Beijo
Lena

antonio disse...

É verdade Lena! Tu vinhas sobretudo passar férias conosco... salvo quando te candidaste , ou tentaste candidatar-te à entrada na "Sourbonne" uma das mais reputadas Universidades Parisienses, optando depois pela de Tours onde vivia a tua mãe... creio 1 ou dois anos... e finalmente foi Braga que te abriu os braços para a Licenciatura. Tempos em que a nossa família era tão unida como: " a carne e o osso" e a felicidade entrava pela porta daquela casinha humilde mas grandiosa... quem poderia esquecê-los? Essa noite da minha travessia da fronteira, " a salto"n o rio a nado, e a viagem a pés de Quintanilha até Bragança, porque a fronteira fechou e o carro ficou do outro lado, já a contei no Blog. Rebordainhos em uma das 13 publicaçoes de textos da minha autoria.
Bem-hajas pela visita e partilha das memórias que nos envolveram a todos num só ser imcomparável... Beijos saudosos para todos.

Anónimo disse...

Não me esqueço que essa minha conquista, também a devo a vocês, os melhores tios e tias que se pode ter. É pena os nossos filhos não terem a noção destas coisas todas por que passamos.
Continuas a escrever, eu estou sempre atenta.
Lena

Fátima Pereira Stocker disse...

Lena

O texto que o teu tio refere está em duas partes. A primeira podes encontrá-la aqui:

http://rebordainhos.blogspot.pt/2009/07/o-puto-de-vale-dos-amieiros.html

A segunda parte é aquela onde refere a experiência da fronteira está aqui:

http://rebordainhos.blogspot.pt/2009/07/o-puto-de-vale-dos-amieiros_03.html

Beijos para ti

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

As ninharias a que te referes eram recebidas pelas pessoas como preciosidades. Ainda hoje temos lá em casa algumas dessas lembranças que minha mãe guardou com tanto carinho e nós, por causa disso, preservámo-las, sem nos recordarmos já de quem foi a oferta.

Continuo a achar que é muito importante a escrita das memórias (um registo fundamental) porque um dia que não estejamos cá existirá lugar onde procurar. Acredita em mim, há sempre quem queira saber. E, para isso, tu és um manancial à disposição e sempre agradável de ler.

Beijos

antonio disse...

Obrigado Fátima pela visita e informações que complementam o registo que nos esforçamos para legar a alguém... ou simplesmente, porque nos apraz expressar. Obrigado ainda por facilitares a ligação à Lena, porque verdade seja dita, nas vossas profissões o tempo escasseia...
Gostava felicitar-te sinceramente pelos dois últimos textos que publicaste no blog. Rebordainhos com subtil objetividade, e provável esforço para adquirir dados antigos que mexem connosco todos. Lamento que não tenham o devido reconhecimento…
Beijos