Decorriam os anos 50/60 nas rusticas Aldeias do Nordeste
Transmontano. Tempo de vacas magras, enriquecimento do tesouro nacional por
ordem dos ditadores Américo Thomaz e o famoso Salazar cujos nomes para esta
juventude nem sequer fazem parte da História de Portugal. – A foto de Américo
Thomas bem presente nas nossas escolas, enquadrado e pendurado nas paredes para
o qual erguíamos o olhar ao mesmo tempo que cantávamos o hino nacional – o nome Américo Thomas não me diz nada…
Humberto Delgado já ouvi falar – respondia um jovem no concurso televisivo:
agarra se poderes…
(avec le temps tout s’en va) Ficam por algum tempo as
narrativas, como esta, embora em ficção cientifica, por vezes uma seca para os
que leem e não percebem népia, saturados de ouvir os pais e avôs dizer: no
nosso tempo?...
Ouviu-se o toque das trindades já o sol desaparecera por
detrás daquela serra de manto agreste não deixando expandir a beleza da pequena
e pacata aldeia do Nordeste Transmontano. O comboio apitou três vezes, entrava
certamente no túnel disto de três ou quatro quilómetros, e o tio Manuel passou
duas vezes o lenço sujo e enrugado pela
face que escorria suor, levantou a gadanha para o ombro e dirigiu-se a passos
largos para casa onde o esperava a tia Joaquina com os potes ao lume deitando
fumo quando levantava o testo de ferro para provar o “manjar” – dizia ela – que
o meu homem bem merece.

Assentou-se no “escano”, exausto, perante o olhar piedoso da
esposa sofrendo com ele o cansaço da vida dura que as circunstancias impunham,
para que não faltasse o pão na mesa e alguns tostões para as despesas
correntes. Baixou-se a mesa embutida na traseira do banco de madeira, negra,
impregnada de fumo, sebenta pelo tempo que teria passado por ela... Chamou
pelos 4 filhos que o casal tinha, três raparigas e um rapaz; a comida estava na
mesa. Eram “chícharos” cozidos com couves galegas, e um pedaço de toucinho do
porco que se matara tempos antes. Não faltaram as orações antes e depois do
repasto, agradecendo ao supremo o pão nosso para cada dia… A tia Joaquina era demasiado supersticiosa,
acreditava em feitiços, bruxedos e espíritos malignos, e contava com a lágrima
no canto do olho aquele tempo em que o marido esmirrava cada vez mais, talvez
vitima de um mau olhado, uma maldição que lhe caíra em cima como uma faísca
obrigando-o a ficar acamado durante um mês, enquanto a esposa incansável
recorreu a todos os remédios, e com a graça de Deus melhorou. Neste tempo
morria-se com doenças que hoje parecem banais e a medicina controla. Eram
talvez os cancros de hoje, hepatites, VIH etc.

O ciclo do tempo foi decorrendo com altos e baixos sempre
numa luta constante e os garotos cresceram. A mais velha casou e foi com o
marido para frança onde este possuía uma pedreira e de lá saía o seu ganha-pão.
A segunda era humilde, inteligente e os pais foram aconselhados para ela ir
estudar não se poupando o agregado a privacidades e grandes sacrifícios… mas
valeu a pena. Formou-se professora do ensino primário partindo com trapos e
bagagens para onde fora colocada. Seguia-se um rapaz, o Francisco, de estatura média, bochechudo, com faces encarnadas e
também uma réstia de inteligência. A mãe desde sempre carregou no coração e na
mente o desejo de fazer dele um sacerdote, talvez para compensar o que Deus, a
quem ela tinha tanto pedido quando o esposo esteve doente, as suas melhoras, e
apesar de acreditar poder ter sido bruxedo, a fé pendia também para as orações
e para a ida visitar o padre silva, para desconjurar os espíritos malignos que
mantinham o marido acamado havia tanto tempo com quatro filhos para criar. Não
sabia como manifestar o seu deseja ao marido, coitado que já trabalhava tanto,
estagnando os preços da batata e centeio, principais fontes de rendimento…
abordou-o com a suavidade que lhe era peculiar, num dia que ele parecia mais
bem-disposto.
- Manuel…
- Que foi mulher?
- Há muito tempo que ando mortificada com uma coisa que
tenho para te pedir…
- Oh! Minha pérola… o que eu não faria para te ver alegre e
feliz?! Mas… fala. Diz-me o que tormenta essa cabecinha de anjo…
- E se nós mandássemos o nosso Francisquinho estudar para
padre?
- Caramba! Isto anda tão mau… e sabemos lá nós se tem jeito,
ou vocação como se diz por aí?
- Gostava tanto…
- Ó minha santa, vamos ver o que se pode fazer. Vou falar
com o padre Pires que é a pessoa mais indicada. Prometo.
MG textos ( parte 1)