quarta-feira, 30 de maio de 2018

Terras nossas

por

ANTÓNIO BRAZ PEREIRA
                                                                           Dedico o meu texto aos filhos de Rebordainhos já falecidos, e aos seus entes queridos vivos, que não puderam visitá-los no dia dos Fiéis Defuntos.

O convívio, entre a população, apesar das diferenças sociais e financeiras existentes era, aparentemente, cordial. Só na aparência porque, na realidade, os pobres eram os que sempre vergavam diante dos que possuíam abundância alimentar, bens ou títulos, uns herdados, outros adquiridos pela labuta constante, árdua e ambiciosa.

Se sondássemos os agregados familiares de Rebordainhos, estes poderiam dividir-se em três categorias: abastança, remedeio e necessidade. Nestes, o provérbio, “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, manifestava-se como uma evidência. Era uma luta constante pela sobrevivência, tendo em conta os magros meios que o destino impunha. Alguns submetiam-se; outros escolhiam o inconformismo; uns eram optimistas e outros pessimistas.
Havia os bons e os maus pais de família, todas elas numerosas devido à falta de meios contraceptivos, sem esquecer a grande influência da religião católica. A concepção de filhos era um automatismo. A submissão da mulher às obrigações de esposa e às exigências incontestáveis dos maridos, muitos deles machistas todo-poderosos, incontroláveis quando à noite, já tarde, voltavam a casa, embriagados e sem um tostão nos bolsos, após longas horas na taberna a jogar e beber copos de vinho, alheios aos sentimentos inerentes ao dever de pais. Revoltados e inconscientes, agrediam os seus: à esposa, fisicamente, com pancada forte; aos filhos, moralmente, pois viam-se chorosos, com fome, e impotentes perante tal besta feroz e capaz de tudo. Estes filhos, por força, haveriam de guardar sequelas e traumatismos para o resto das suas vidas.

Eram essas humildes e dedicadas mulheres que carregavam e transportavam todas as culpas e responsabilidades. Ainda que inocentes, era sobre elas que caíam todas as injustiças e a elas é que era apontado o dedo da vergonha e do desprezo. Muitas foram mães solteiras, com seis, sete ou mais filhos, de variados pais incógnitos, como narravam naquele tempo as certidões do Registo Civil.
Vivia-se num País onde vigorava a lei do mais forte, do mais poderoso; onde os pobres só tinham direito ao silêncio, ao conformismo, à submissão, ao trabalho duro e penoso em troca de um pão de centeio ou de uma cesta de batatas que, à noite, levavam para casa, orgulhosos e felicíssimos por terem algo para matar a fome, pelo menos aquela noite, aos filhos numerosos …

As grandes propriedades pertenciam à classe das casas de “abastança,” que se contavam pelos dedos de uma mão. Vinham por herança, mantinham-se pela persistência no trabalho e acrescentavam-se por compra ou penhoras. Quantas terras penhoradas não puderam ser resgatadas por falta dos 10, 20, 30 ou 50 escudos impossíveis de amealhar! Certas casas, outrora fartíssimas, chamadas “grandes”, arruinaram-se por falta de empenho, zelo e coragem para gerir um trabalho árduo, consistente, embora avassalador. Os pais desleixavam-se, refugiando-se nos jogos e nos copos de vinho bebidos nas tascas, voltando para casa já a noite ia avançada, embriagados e mais endividados ainda, com dívidas que sabiam jamais poder pagar. Esta herança deixada aos filhos contaminou-os, e a maior parte deles seguiram os mesmos caminhos tortuosos de que só se arrependiam nas poucas horas que dedicavam à reflexão. Na sua dependência, o copo de vinho e a batota eram mais apetecíveis, de acesso livre e muito fácil. O choro das esposas e dos filhos já não os comovia, a violência transportava-os ao de lá do auto-controlo emocional, moral e físico, violência sem remorsos, por isso, sem remissão. A questão das dívidas teve, ao longo dos anos da minha lembrança, graves consequências no seio de uma população carenciada e dependente, encaminhada para a delinquência: furtos, assaltos à mão armada e, até, assassínios.

Ser pobre não significava, apenas, não ter nada; era também o desprezo, o abandono, a indiferença, a morte provocada por qualquer doença, ainda que fácil de curar. A doença era pior quando batia à porta daqueles que não tinham um tostão nem conhecimentos nas hostes da saúde pública, como foi o caso daquele miúdo que morreu à mingua, dia após dia, com uma broncopneumonia, por não aparecer no seu caminho uma alma bondosa que o levasse ao hospital, onde a administração de penicilina e dois ou três dias de repouso lhe teriam salvo a vida. Tempos depois, assim já não aconteceu com outro rapaz, com menos dois anos de idade, mas de família privilegiada, que foi salvo. Aos meus ouvidos, e durante toda a minha vida, soarão os gemidos daquele mártir, pedindo socorro! No coração, terei sempre a repugnância pela discriminação social!

No bairro de à Chave não havia ricos e, entre os moradores, existia uma cumplicidade de entreajuda e solidariedade. Também eles se contavam entre os jeireiros, contratados segundo as suas competências: coragem, fortaleza e dedicação para segar os fenos ou o centeios, arrancar batatas, etc., enchendo os palheiros, tulhas, cilos ou adegas daqueles que, tendo mais, poderiam vender o que lhes sobrasse.

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frases de Ben Zoma (04:01 Pirkei Avot)

" Quem é sábio?" - A pessoa que aprende a partir de todas as pessoas...

" Quem é poderoso?" - Aquele que domina a inclinação para o Mal...

" Quem é rico?"- O que se alegra em sua Parte...

" Quem é honrado?"- Aquele que honra os outros seres humanos...


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