segunda-feira, 8 de abril de 2019

Os Batoteiros


O avô e o neto     por António Brás
Sendo a família próxima o tesouro mais precioso que temos nas nossas vidas, veio-me à inspiração uma história “fixe” como dizem os pequerruchos, com convicção, entusiasmo, e perspicácia, envolvendo os tempos idos e o presente.
O avô vivia na Aldeia desfrutando da sua tacanha reforma, opção feita havia vinte anos, depois de ter vivido 35 numa grande cidade, onde a escassez do diálogo se sentia, assim como o entorpecer dos membros musculares, incluindo a língua, como se sabe motivado pela desertificação. Mas tinha um neto, o Pedro, de sete anos de idade, irrequieto, inteligente e que prezava vir visitar o Avô sempre que se podia safar daquele apartamento onde se sentia encurralado. Entre os dois havia uma certa cumplicidade para as traquinices onde estivessem juntos, embalados pela adrenalina genética, pela euforia momentânea, que muitas vezes lhes trazia dissabores. Eram ambos fanáticos da teimosia e perder não constava no vocabulário de nenhum deles. O Pedro possuía uma panóplia alargada de carros, legos, armas plásticas e tutifruti, mas era sobretudo com a sua tablette, recebida de prenda de anos, que ele dava umas calcinhas ao Avô nos jogos de ação, imaginação, e mesmo educativos. Por sua vez, o Avô, de nome Alcino e nomeada “corrécio”, vingava-se nas tarefas do campo, com o trator, mas sobretudo com os animais domesticados que não permitiam tocar-lhe nos pontos fracos.
Nas férias da Páscoa os dois “lafraus”, juntaram-se por quinze dias na casa do Avô. Logo na 1ª noite, enquanto se fazia o jantar, o Pedro perguntou ao Avô se queria jogar a um jogo que acabara de baixar da net?
- Oi aqui há gato!? – Respondeu este desconfiado.
- Não há nada gatos nem cães… há hortaliça: feijões, morangos, ervilhas, melancias, cerejas… o que apanhar mais ganha um ovo kinder, tá?
- Olha la: tu não estás a querer dar-me a volta para me apanhares um euro?
- Não. Achas? Em primeiro jogo eu para tu veres e o que fizer mais pontos ganha. Tá’
- Tá, tá, tá-me a cheirar a esturro, mas bota lá.
O puto ágil e com bons reflexos, terminou o jogo enquanto o diabo esfrega um olho, não fosse o Avô captar as artimanhas, somou 2120 pontos.
- Bota cá o caçoulo, ou eu me engano ou isto está no papo…
- Que dizes Avô…?
- Nada. Estava só a falar com o meu anjo da guarda…
-Mas isso é batota!...
- Qual batota? Põe-me lá isso na jogatina…
O pobre alcino bem se esforçou, mas a pontuação ficou-se pelos 310.
- Perdi. Disse meio desolado…
O neto ria às gargalhadas. – Perdeste? Levas-te uma sova queres dizer?!
Depois do jantar foram ambos para a sala fazer um puzzle de uma série de quatro idênticos. Pedro deu algumas dicas ao avô, sublinhando que o boneco teria de ficar a mijar para o penico no local indicado e puseram-se ao trabalho. O tio Alcino dava voltas e mais voltas às peças, olhava de soslaio para o trabalho do neto, e já com pouca paciência abandonou dizendo:
- Está bem ganhaste. Amanhã teremos outros desafios escolhidos por mim…
O Pedro gostava dos desafios e quase não pregou olho meditando no que o avô teria na manga. Levantou-se cedo e foi bater à porta do quarto do Sr. Alcino.

- Que foi? – Responderam de dentro em voz mal-humorada – Será que não se pode descansar nesta casa?
- Sou eu… então não vamos ao desafio?

- Ó rapaz dos demónios tu levantas-te com as pitas?
O rapaz ficou a pensar no que o avô queria dizer , e, não entendendo, voltou a perguntar:
- Vamos avô ?
- Calma aí meu general que temos de encher antes a pança! Ó Camila prepara-nos uns ovos mexidos porque hoje temos batalha…
Tomaram o pequeno almoço copioso e dirigiram-se para o campo levando nas mãos recipientes em inox.
-Para que é isso avô
-Já vais ver meu neto, são as armas do desafio…
Chegados a uma herdade vedada onde pastava um rebanho de ovelhas pararam à entrada e o mestre falou:
-Aqui está… vamos mungir duas ovelhas o primeiro que encher o copo ganha a prenda surpresa que está em cima da mesa da sala… e para que saibas que sou bom jogador ainda te deixo escolher a peça…
- Assim não vale! Nunca me ensinaste como se fazia…
- Mas vou-te ensinar agora… metes a pata da ovelha nas tuas pernas para que não se mexa e depois com a mão direita apertas-lhe a mama, como estou a fazer, até encher o copo.
- Isso eu não consigo… esqueceste que ainda sou pequeno?!
- E eu achas que não sou velho demais para trabalhar com essa mexordia de comutadores? Nem sequer me perguntaste se sabia…
O rapaz ficou triste e abraçando o avô disse meiguinho:
- Oh avô! Desculpa, eu pensava que estava a brincar com um colega da minha escola…
E o Sr. Alcino emocionado levantou o neto, beijou-o ternamente dizendo:
- És o melhor neto do mundo…



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