domingo, 5 de dezembro de 2021

Dia de sorte – por António Braz. XL O dia amanheceu com raios de sol a entrar pelas janelas, e a avô retirava os cortinados de veludo, cantarolando ao mesmo tempo que Francisco abria com dificuldade os olhos e com a cabeça pesada da ressaca como se lhe tivesse passado por cima um peso enorme, que podemos apelidar de peso da vergonha, da mesquinhez. - Então, filho como te sentes? -perguntou a avô Francisco demorou a responder, na sua cabeça turbilhonavam ideias, factos, acontecimentos, sem poder decifrar concretamente o que se tinha passado realmente. A cama estava desfeita no lado oposto ao dele, uma imagem fugitiva passou-lhe pela mente onde via uma silhueta de mulher, por baixo da roupa, acariciando-o, afagando-lhe os cabelos e uma voz longínqua, desconhecida que lhe provocou asco. Assentou-se na cama, mas não conseguia balbuciar palavra. Uma grande tristeza invadiu-o e duas lágrimas desceram lentamente pelo rosto cândido inundando a pureza do coração que sofria atrozmente. Não queria faltar ao respeito à avô que tanto amava, pelo que se limitou a dizer: bebi demais, não é Avô? -Sim também não se festejam todos os dias a tua partida para a Universidade de Nova York? Vai tomar banho, e despacha-te para tomares o pequeno almoço com os teus pais e Avó que aguardam em baixo. Francisco tomou um duche quente, contudo a água não limpava as imundícies que sentia na alma. Sentia-se traído pelos entes que mais amava, atraiçoado como um inocente menino. Baixou para tomar o pequeno almoço na sala onde já se encontravam os numerosos hóspedes em volta de uma grande mesa, ornamentada com o necessário. Quis sorrir, mas apenas timidamente conseguiu saudar todos com os bons-dias. O seu olhar percorreu de um lado ao outro todos os olhares, verificando que uma moça desconhecida permanecia ali, assim como os pais e o Alfredo que tinha depositado a namorada nos Arcos, pois não podia faltar ao trabalho, e fixou o seu olhar interrogativo no Avó o qual disfarçou limpando os óculos de cabisbaixo. Quando terminou a refeição tomou o braço do Avó, e em voz baixa pediu se podiam dar um pequeno passeio antes de partir. Aquiesceu receoso, e lá foram os dois pelo jardim. Quando já se encontravam num lugar discreto, Francisco virou-se, e perguntou sem rodeios.
- Que se passou ontem à noite, no meu quarto sem meu consentimento? Avó por favor diga-me a verdade…. - Ó meu querido neto… - e dizendo isto abraçou-o com toda a força e as lágrimas a embaciar os óculos – A verdade é por vezes tão difícil, pesada e comprometedora, que para honrar uns temos de trair outros que também amamos muito… porém sempre fui honesto contigo, e gosto tanto, tanto de ti, que seria injusto não saberes. A ideia veio da tua mãe, e embora eu não concordasse com ela, é tua mãe, e sei que só quer o melhor para ti. - Não acha que já sou crescido para tomar as decisões que são melhores para mim? -Sim. Sei que és responsável e considero uma traição não estares ao corrente. Contudo peço-te que não julgues a tua mãe e a condenes por um ato onde ela não ponderou. Arranjou-te uma namorada e ontem meteu-a na tua cama. Como sabes o seu grande desejo era ter um netinho, para amar como te ama a ti… - Sobretudo pela herança, quer dizer? - Também. - Avó Vou para os estados unidos e nunca mais volto aqui. Acabei de perder a minha família toda, e lamento imenso porque os considerava pessoas justas, integras e verifico que não passo de um boneco para todos. Podia suicidar-me mesmo sabendo que não servia de nada, mas tenho um sonho que vou realizar sozinho. Trabalhar e estudar enquanto as forças não me abandonarem. - Ó meu querido neto, não tomes decisões precipitadas… e nós? Será que não significamos nada para ti? - Continuarei a amá-los como sempre, e vamos telefonar-nos frequentemente. in dia de sorte

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