quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A REVOLTA (FICÇÃO)


Passei vinte e quatro anos a estudar… hoje, volto para trás no tempo e reparo que perdi tanto do meu curto viver? Quando era puto, não tive tempo para brincar com os outros putos; ou não me deixaram, tinha que estudar… marrar para os testes, pernoitar com os livros na mão, em tempo de exames, tirar boas notas para agradar e ser recompensado com um presente insignificante… - está em jogo o teu futuro… diziam os meus encarregados de educação, e eu deixava de jogar à bola, para assistir a um jogo prometido, cor-de-rosa… cheguei á adolescência e outros sentimentos invadiam lentamente o meu espirito humano, mas tinha que estudar, cada vez mais, para entrar na faculdade predestinada, porque o meu futuro dependia do curso escolhido… tinha o meu PÇ, um móvel moderno, para contactar com meus amigos virtuais aos quais nunca conheci a voz! Nem um aperto de mão, nem um murro no nariz, por lhe ter roubado a namorada… só um: “oi! Que fazes?” A resposta era sempre a mesma! E continuava a crescer… dentro de uma gaiola onde não me faltava a comida, nem a água para beber… era uma gaiola grande, mas a porta só se abria para ir às aulas… Fiz dezoito anos, tirei a carta, e, deram-me um carro muito útil para as idas e vindas da faculdade, onde só tinha tempo para estudar… Duas ou três vezes por ano saía à noite… de olhos fixos no céu, iluminado por cintilantes estrelas, tentava ordenar na cabeça o que a consciência me ditava… mas, recaía sempre na mesma profundidade do que me era dito e repetido vezes sem fim pela mesma voz. – É para teu bem… Entrava no estabelecimento onde jovens da minha idade “curtiam” a vida… meio embriagado, dançava até à exaustão… fumava um cigarro sem medo de ser visto e repreendido… As luzes intermitentes transportavam-me para outro mundo, longe dos livros, e dos deveres protocolares. No dia seguinte, dia de ressaca, voltava à realidade com mimica no rosto bem expressiva. Terminou o curso, cheio de orgulho partilhado sem que alguém um dia se perguntasse, quem sou eu, o que faço aqui? Três anos passados, vivo ainda na mesma gaiola á espera de uma oportunidade, de outra porta que se abra para o mundo do trabalho… e, no desespero, vão-se apagando os sonhos dos meus projetos… não enxergo aquela casinha branca, com três janelinhas abertas, onde minha esposa me esperava no final do dia com um sorriso nos lábios, olhar incandescente, para me beijar amorosamente… também não vejo o pátio onde os meus filho jogavam à bola, enquanto esperavam a minha chegada para jantar… E as palavras que tanto me incentivaram a estudar, entram-me no coração, já ferido, como balas… Vejo-me cada vez mais perto daquela encruzilhada cujas direções conduzem a tuneis escuros ou becos sem saída… lembro-me ainda dos que me diziam: - tens sorte, no nosso tempo ninguém nos facilitou a vida! Baixinho, dou comigo a murmurar: aprendi tantas coisas, e hoje, só sei que nada sei.

4 comentários:

eduarda disse...

António
Uma ideia nova ou um pensamento brilhante surgem. Agarramo-los com entusiasmo. Preparamo-nos para que o abstracto ganhe forma. Empenhamo-nos ao máximo. Vivemos na esperança de dar o nosso melhor.

A prova final chega: tornar o abstracto concreto. Arrisca-se e, a dado momento, falhamos, falhamos de forma inexplicável. Não fomos capazes de superar as dificuldades, os medos e a pressão. De repente, tornamo-nos no pesadelo do próprio eu. Éramos diamante que se transformou em carvão.

Nos dias seguintes, o sentimento de fracasso aumenta. Lamentamos as nossas falhas. Sentimo-nos culpados por não termos sido melhores. Martirizamo-nos por não termos feito desabrochar o belo. O novelo de algodão branco dos nossos pensamentos fica manchado. Choramos todas as lágrimas do corpo até ao absoluto cansaço, até que o abatimento esgote o eu. Depois, vivemos dias e noites que se arrastam lamentavelmente iguais.

Porém, há-de chegar um dia em que a luz de um farol conseguirá furar o nevoeiro, uma luz que nos dará de novo a esperança de nos reencontrarmos e de, finalmente, nos perdoarmos a nós próprios…
É assim a vida de muitos de nós.
Abraço

antonio disse...

Eduarda: que acrescentar? Esperemos pela luz desse poderoso farol para iluminar a existência da juventude incrivelmente comprometida... só que quem espera, desespera! Abraço saudoso

Fátima Pereira Stocker disse...

Tonho

Tenho uma visão muito positiva do estudo. Deve ser porque gosto de estudar e é das coisas que mais felicidade me dá. Considero, por isso, que o estudo é sempre um enriquecimento muito grande que pode não servir para outra coisa a não ser a satisfação pessoal.

Apesar daquilo que escrevi, compreendo muito bem aquilo que quiseste dizer com a história que contaste: é revoltante termos confiado que viveríamos um certo futuro, termos por isso feito todos os sacrifícios (e as nossas famílias)e, quando nos preparávamos para viver esse futuro o que nos surge pela frente é um enorme vazio. O nada!

A revolta não vem dos sacrifícios, vem de nos terem feito acreditar. Se isso não tem acontecido teríamos, certamente, escolhido outra solução e percorrido outro caminho. É por tudo isto que os dias que vivemos se configuram como uma enorme traição. E ficamos revoltados.

Beijos

antonio disse...

Fátima: aprender é saber, por isso prestigioso... o que é triste é passar tantos anos para no final ter de se ficar em casa dos pais, aqueles que podem, não havendo saída nem perspectivas... conheço jovens que terminaram o curso há 6 anos, curso difícil, onde passaram 8 anos para o tirar com as dificuldades financeiras por cima, e que pensar agora que chegaram à trintena e cada vez se torna mais difícil um emprego. Quando vão poder realizar os seus projectos? Tenho receio pelas minhas filhas... oxalá as coisas evoluam para melhor... beijos obrigado pela visita, boas festas