sexta-feira, 7 de junho de 2013

O ZÉ (ficção)


Parte (I) ficção

O Zé vivia tranquilo na sua Aldeia
Tinha o sol por companhia
De sonhos a alma cheia
Era uma Aldeia pequena e tristonha, que a serra avistava em noites medonhas de inverno, logo que as candeias se acendiam, onde o vento desenfreado soprava com a ferocidade dos dragões em seus tempos. Aqui nasceu o Zé no seio das dificuldades aldeãs do nordeste transmontano… de pai incógnito. Bastardo. Tempos em que os pais eram macacos, e os filhos caíam dos galhos salientes no rosto das suas proezas, sobrevivendo miraculosamente aos pontapés da vergonha, da fraqueza, do ódio, mas sobretudo do cheiro fedorento dos trapezistas sem trapézio.



 Conheci o Zé nos anos sessenta. Era Domingo, e, passava ele mais o Chico, seu companheiro fiel das conquistas programadas, das caminhadas infrutíferas de desalento ou de esperanças alimentadas de sonhos apenas… entraram na Aldeia como dois forasteiros… vindos não sabia de onde, asseados com vestimentas por certo baratas, que lhes dava um ar de predadores, respeitosos… O Zé, esbelto, cabelos pretos ondulados e brilhantes, olhar felino, andar compassado, parecia um daqueles conquistadores sem receios nem complexos de qualquer natureza. Teria os seus dezoito anos. Entraram na tasca onde devem ter pedido uma bebida fresca. O sol abrasador ter-lhe-ia queimado a pele do rosto? Aquele pigmento para o castanho-escuro, podia também ser herança dos seus progenitores… voltaram a sair e o meu olhar de puto curioso, seguia-os, como se se tratasse de extraterrestres.O Zé voltou numerosas vezes, sempre acompanhados pelo amigo Chico, os dois inseparáveis. O seu namorico deixou de passar despercebido, e tempos depois casava modestamente sem convidados nem euforias por falta de meios, apenas os padrinhos, para confirmarem uma união que encobria as transparências alusivas.
 

Desaninhado, levou a esposa para uma casa velha, emprestada pelos pais, sem divisões, que servira até esta data de palheiro a duas mulas velhas. Situava-se junto do antigo tanque fotogénico, o qual deve ter ouvido indiscretamente conversas e ralhos frequentes, por tudo e por nada, porque a situação social e a falta de meios a tal obrigavam.
Deste casamento nasceram duas filhas, as quais o Zé deixou no colo da mãe, dando o salto para o estrangeiro à procura de meios para as sustentar… Escasso tempo andou por lá, e os bolsos voltaram como foram, vazios, rotos talvez! Entretanto, foi chamado para a tropa, e quatro meses depois mobilizado para o Ultramar, onde permaneceu cerca de três anos.
Mãe e filhas sobreviveram graças às ajudas familiares, e quando o Zé voltou, a situação continuava idêntica àquela que deixou… voltou a partir para o estrangeiro, desta vez com toda a família, com a ajuda do patrão da mulher, funcionário do Ministério, que lhe arranjou casa com renda barata, daquelas que servem as classes sociais desfavorecidas.
O Zé era ambicioso… tinha um carácter selvagem quase bárbaro, e não era dotado de inteligência fora do comum, mas tinha uma força de vontade perseverante e um animismo distinto, que o ajudava na luta travada a contracorrente. Gostava da grandiosidade, mas, a escada era curta para atingir os fins… contudo, não voltou as costas à luta, e, enquanto sonhava, arregaçou as mangas, levantou a cabeça, lutando contra os canhões, hino que tantas vezes cantou, inspiração para a inscrição na Guarda Fiscal, onde ingressou tempos depois, deixando tudo para trás, mesmo uma situação estável, promissora.
Voltou para Portugal com toda a família, passando ele a viver em Lagos no quartel da Guarda fiscal.



2 comentários:

Anónimo disse...

Sr. António,

Fiquei comovido com o que escreveu. Infelizmente como este Zé existem muitos ( Zé António, Zé Maria, Zé Manuel e etc. etc.) por todo mundo, que, parece pertencer só a alguns.

Cumprimentos

antonio disse...

Olá Sr.(a) Anónimo!
Dizem os filósofos que o tempo apaga tudo! O passado, n'outos tempos, mesmo que não tenha sido escrito, nada nem ninguém o pode apagar das recordações daqueles que o viveram sentindo na pele as injustiças humanas, vergando-se à crueldade do que alguns lhe chamam: destino. Sim o Mundo é realmente uma bola gigante que gira e esmaga sempre os mais vulneráveis...
Obrigado pela visita e comentário que vai no sentido certo. Respeituosos cumprimentos