sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Taxi driver VI

 Nesta nostálgica dor, que dia após dia me vai minando por dentro, sinto-me encurralado e tão só quanto um ser vivo abandonado no deserto á procura do seu pequeno oásis, que o vento veloz enrola com laços poderosos, e vai transportando ao acaso pelas dunas a perer de vista… os cabelos branqueiam e caem, sinal visível do pouco tempo que resta até chegar ao topo do calvário… e a solidão torna-se um fardo medonho predestinado ao transporte do que resta evasivo… evaporam-se as lágrimas que tantas vezes correram pelo rosto, deixando sulcos abertos, profundos como drenos, que um viver amargurado cavou na libertinagem do poder sobrenatural para infligir sem uma “réspia” de complacência.
Só a noite me apraz, no sentido figurado do termo, e, na silenciosa escuridão, tal como um invisual, vagueio mentalmente, através dos tempos, do passado que foi meu, mas que infelizmente também se vai “esgueirando” tal como outras faculdades físicas e mentais… sinto o esvair do alento debaixo dos cobertores tecidos em teares industriais, e o sorriso esbara-se com o travesseiro indiferente aos meus sonhos ou pesadelos. As insónias persistem, quezilas de pai convicto de ter falhado, onde e quando, não importa! A vida sempre me proporcionou condições satisfatórias sem alaridos disformes nem perspetivas convencionais, um humilde derisório de abstrações, mas, o suficiente, preenchendo o peculiar dia-a-dia…
Há noites assim, mas também revejo, ponto a ponto, anos de responsabilidade, brincadeira e até profissionais.
Em 1987, exercendo ainda a profissão de “táxi driver” com o meu CX branco, em comum acordo com aquela que viria a ser minha esposa e mãe dos meus filhos, vim viver para o N.º 2 da rue de Presbourg no 16em “arrondissement”,  num pequeno apartamento, 1qurto sala de banho e cozinha, situado no 4º andar, (águas furtadas” com extraordinária vista para os dois monumentos mais importantes de Paris,; estas três janelas que se veem na foto abrigam imensas recordações que me emocionam e me convidam a reviver profundamente o voltar de uma página para enveredar pelo caminho da felicidade… acostumar-me ao ruido ensurdecedor da praça do Étoile não foi tarefa fácil, porém, tinha outras vantagens para compensar, e como também passava 11h a trabalhar dentro desta grande e maravilhosa cidade, as coisas foram tomando o rumo habitual.
Saía de casa por volta das 9h da manhã, depois de depositar as minhas filhas no infantário rue Lauriston, da praça Vitor Hugo onde um dia um cliente entrou para o meu carro e me perguntou se me podia contratar para o dia todo? Estupefacto com a proposta, olho o retrovisor e verifico pelos seus traços e personalidade ser um Senhor vindo dos países Árabes, provavelmente de um desses países do petróleo. Não me enganei no meu julgamento, e a tarefa era visitar as numerosas lojas que possuía na rue do Faubourg Saint Honoré, e Av. Montaigne, onde as senhoras ricas passavam o tempo a visitar as “boutiques” requintadas, fazendo compras a preços exorbitantes. Por volta do meio dia, saiu de uma loja, entro no carro e disse:
- Vamos almoçar?
- Com certeza. Onde quer que o deixe?
Vamos almoçar juntos, se não se importa? Claro!
Embaraçado não sabia que responder… e já o homem anunciava o endereço:
Restaurante Ledoyen… conhece?
Sim… mas… não estou vestido nem calçado a rigor para poder entrar nesse lugar… para além de nunca ter comido em lugares tão chics…
- Não se preocupe com isso.. .Conheço bem o proprietário.
E foi assim que entrei e comi num dos restaurantes mais prestigiosos de Paris, acanhado e envergonhado, mas quase à vontade dado o poder financeiro do meu cliente, o qual no final do dia me deixou 100 francos de gorjeta.






quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Guerra dos cardos

 Os habitantes deste planeta, são o fruto de apodrecimento contagiante, cujas consequências catastróficas, ameaçam a curto prazo com um apocalipse desastroso. A humildade foi substituída pela arrogância e esta pela indiferença, desprezo, abandono dos bons e justos princípios, em detrimento do pretensioso, suscetível de poder, liderança, com propósitos bem definidos, interesses particulares. Já não existem aqueles princípios que diferenciavam os bons dos maus, nem limites nas maldades entre humanos, sejam eles, de etnia ou religião irrelevante, sobrepondo-se ações de barbarismo sem fundamento convincente que as justifiquem, onde agem impulsivos dons de demência, ou propósitos de fortaleza, ao que em linguagem vulgar se diz: “olho por olho dente por dente” Essência da filosofia barata e da metafisica com características irracionais, cuja associação encontrará a ligação detalhada mais abaixo. O ano 2014 foi rico em acontecimentos de caracter negativo, tanto a nível Nacional como Mundial… o aliciamento ao suborno e à corrupção é herança que data de longincos tempos, só modificaram os valores os quais vão sendo cada vez mais significativos, quanto às posições e situações nesta sociedade de “braço comprido,” encolhendo à escada para atingir mais facilmente o topo, doa a quem doer, custe a quem custar, sem remorsos, já que a consciência onde reside? Todos nós, nem que fosse uma só vez na vida, fomos tentados a comer a maçã-de-adão; e, por fraqueza ou por ambição, entramos no filme fazendo o papel de Eva… também saímos lesados, como aquele homem que se deslocou a pés à feira dos chãos, em tempos da minha infância, com a firme ideia de comprar um bom jerico a baixo preço, tentando dar a volta a um desses vendedores vulneráveis que nem contar até dez sabiam. Tinha vestido a sua samarra com gola de pele de raposa, calçado luvas de cabedal para lhe dar um ar de homem importante, enchido com jornais a sebenta carteira de Carção onde só levava cinquenta reis, e de bengala cascada de novo, aponta um pobre diabo, recatado num canto discreto, cabisbaixo e rosto severo, com esta pergunta?

- Oi! Quanto vale o animal velho que nem mil diabos?
- Velho? Velho! – Responde o outro – E como sabe vossemecê a idade dele?
- Os anos, meu caro!
- Já lhe viu a dentadura?
- Ó carrapato… com essa já me não enganas! Sei que há para aí lordes a pagar a dentistas para…
- Ó home dos diabos… vocemeçê que diz?
Uma hora mais tarde, após troca de palavras, um regateando o outro tentando vender a banha da cobra o mais caro possível, chegaram a um consenso, e o da samarra saía da feira estrada acima com o burro de rédea, fazendo grandes esforços para o obrigar a andar, ao mesmo tempo que resmungava só para ele: - Mafarrico. Nem me deixou com que comprar um molete e um copo de vinho… cinquenta mil reis! – Repetia furioso.
Chegado às Santas Engrácias o burro caiu de cansaço para nunca mais se levantar… mil pragas foram rogadas ao cigano, que festejava a sua proeza com os amigos.
Voltando ao que me levou a escrever este texto, desejava expressar o meu julgamento, em relação ao atentado do Charlie Hebdo, visto estar em causa a liberdade de expressão, a qual também sofre com o poder deliberativo segundo o peso e as medidas. Antes de me prenunciar a este sujeito devo sublinhar a minha submissão a um processo-crime, por parte de uma instituição e os seus corpos gerentes vestidos de branco e azul, após o despejo de um idoso em condições, segundo relato seu, diante de testemunhas, de forma repugnante, cuja verdade e justiça foi por água abaixo e só parará nas profundas do inferno…
Sendo fervoroso pungente da liberdade de expressão quando existe veracidade, e não provoca nem fere suscetibilidades caricaturais, ainda que consideradas humorísticas, mas só tem humor por atingir direta ou indiretamente seres humanos ou religiões, que acreditam e respeitam os seus ideais.
Combater o mal com o mal não é o lema de nenhum humanista, pelo que também condeno esses atentados bárbaros e mortíferos de inocentes que se encontram encurralados como mosquitos num cubo in virtualis, entre guerras de poderes fanáticos ver suicidas. Degolar um inocente cordeiro para lavar com seu sangue o mal que o rebanho causou, é das maiores cobardias vindas ao mundo…
Chocou-me também imenso a infeliz citação do papa, ( não vos multipliqueis como coelhos) no avião de volta das Filipinas, onde a população cristã, procria não usando os contracetivos convencionais ou naturais, vivendo na miséria, é verdade, mas também como seres humanos que merecem respeito nos julgamentos, ou pelo menos que sejam pronunciados com tato e ponderação. A desculpa pedida antecipadamente pelo Santo Padre em relação à observação, não alivia o meu sentido crítico de cristão que aprendeu na catequese a multiplicação do pão e dos peixes, quando Jesus se deparou com numerosas bocas para saciar e pouca alimentação. Consciente de que o Papa não pode fazer milagres, e da miséria que existe por esse mundo fora, o apelo seria ao esforço coletivo de entreajuda entre seres humanos.


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

1º dia de neve em 2015 Murçós

 Batem leve, levemente....
Foi assim que amanheceu hoje o dia 16/01/2015 em Murçós, com a primeira neve do ano! Numerosos e grandes"farrapos" caiam do céu carregado como se estivesse preparado para um diluvio... mas a beleza da neve a cair sempre subjugou os olhares admirativos! - Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
... e saimos para a rua quase deserta ao encontro dos curiosos par fazer uma "jogatina" de lança bolas de neve... grandes debates na nossa juventude, com as unhas geladas e as roupas molhadas, mas, era a nossa meneira de brincar com a neve, porque nunca fomos à serra da Estrela nem fisemos sky, ou sómente nas ruas onde viviamos escorregando por cima das estrumeiras que os agricultores aproveitavam e os passante agradeciam retirarem-lhe a lama que mal os deixava mover...
 -  Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
- Dizia o autor da "balada da neve" - Os traços são hoje das pessoas idosas, que deixam os traços mais curtos e espaçados... refugiando-se por detrás de um guarda-chuva, apalpando aqui e ali para não deslizar, cair e fracturar qualquer peça do seu corpo.
-  E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
- As Aldeias tem mais encanto, mesmo no mais obscuro canto, onde não chega a observação, dos criticos mal intencionados... que vivem da desgraça dos outros, mas nós vivemos da graça, que a humildade abraça, e o carinho escurraça... com olhos de felicidade, que veem a neve cair, agradecendo ao Senhor, murmurando muito baixinho, de mãos abertas e coração batendo, de lágrimas nos olhos cantando a felicidade...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Azeite novo




Breve visita ao tradicional lagar de azeite pertencente a gente oriunda de Murçós, situado na Aldeia vizinha de Ferreira. Quando ainda o Tio António estava connosco, as pessoas iam fazer o azeite no seu lagar por consideração, e, pouco a pouco, a qualidade artesanal foi trazendo mais e mais mordidos da pureza deste produto dourado onde cada um sabe que está a utilizar um produto seu, das suas oliveiras, fino e saboroso como não há igual nos arredores… os filhos tomaram a sucessão ajudados pela mãe um tanto quanto cansada, e alguns “geireiros” pois todos os braços são bem-vindos! Quatro meses de labuta árdua para fazer funcionar um lagar tradicional no qual a maior parte do trabalho se executa ainda manualmente, desde a  descarga, passando pela balança, limpeza dos ramos e folhas, lavagem da azeitona, moê-la, espalhar a lava ou massa, pelas centenas esteiras que vão acumulando no suporte de aço ao
 
centro, para depois seguirem amontoadas para o local onde são apertadas lentamente, espremidas com a compressão das duas máquinas; seguem para os tanques passando através de centenas de filtros, os quais são retirados e lavados regularmente em água a ferver às mãos nuas, onde se mistura a água a temperatura normal, subindo o azeite e descendo a água que se vai remodelando simultaneamente. Finalmente, já com todas as impurezas retiradas, segue para um recipiente, baixando depois azeite puro como se pode ver nas fotos.
Para quem vem visitar tem a sua graça. Porém para quem lá trabalha, apesar de parecer um serviço fácil, é bastante exaustivo e sujo… muito diferente dos lagares de linha comandados eletronicamente, pelo que também o resultado final é muito mais compensador. Por este lagar
 passam todos os anos milhares de kg de azeitona, porque as pessoas estão cada vez mais vocacionadas para o tradicional ou bio cuja qualidade é bem superior. Neste viver de evolução permanente onde as coisas são transformadas, sobretudo os produtos alimentares, ainda existem pessoas defensoras do que é original mas sobretudo natural, embora nunca a 100%.













sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

FALECIMENTOS

Sentimos saudade de certos momentos da nossa vida e de certos momentos de pessoas que passaram por ela.


Faleceu o Sr. Manuel Fernandes, filho do tio Adelino, mais um filho desta terra que nos deixa em circunstancias dramáticas, com as lágrimas nos olhos e o coração apertado, pela consideração e estima partindo para o delá como prédestinado, precedendo-nos apenas na caminhada final.
A todos os seus familiares apresento os meus sentidos pêsames
O seu funeral terá lugar hoje terça 10 pelas 14h
Que a sua alma descansse em paz

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Rei gaspar

E os reis passaram sem ninguém os ver, “encafuados” nos seus tronos luxuosos, envoltos em ouro, respirando o incenso, curando-se com a mirra… mas que birra! Deixarem que os poucos fumeiros abanassem os chouriços (salpicões, chouriças e alheiras) já afumados e meio secos, para saltar sobre a rica brasa de carvalho que nem a baba gordurenta consegue apagar… um cheiro agradável da adobe entra pelas narinas dos que passam por acaso na rua deserta agasalhados mas com frio… porque é tempo do tempo… e, neste tempo, outrora eram outros tempos e nestes dias cantavam-se os reis… aos fidalgos por infinidade e aos rurais por afinidade, esperando uma recompensa, mesmo que a melodia e os cantores cantassem como “caçarolas”… raros eram os que apagavam as luzes, e se o faziam existia um verso para lhe cantar… As boas tradições vão-se apagando e o descontentamento dos que por lá passaram e se divertiram como loucos, mexe e remexe, procuram mas não veem… também não ouvem, a não ser parvoíces nos televisores – tais como a reality show, lavagem de roupa suja, e nem um 
único programa cultural! As formações académicas, tem, a meu ver, muita influência no snobismo cínico, o qual orgulha os encarregados de educação, a ponto de fingir esquecer o que foram eles e seus pais…Marginais são considerados aqueles que não vão à missa ao Domingo, comungar mesmo vivendo no pecado, pagar ao padre o equivalente de uma jeira, mesmo não tendo possibilidades, enfim fazer tudo o que eles dizem se não querem arder no inferno… Chamam-lhe janeiras, e as pessoas importantes são brindadas com elas ensaiadas, acompanhadas de instrumentos, perdendo o “charme” a capela e o seu significado.
Já nas festividades de fim de ano, e precedentemente no Natal, a afluência dos visitantes foi este ano insignificante relativamente a tempos idos. Só aqueles mais mordidos pela saudade se esforçam por estar presentes no cantinho que os viu nascer… pois não sabem o que perdem, porque apesar de poucos são bons, e recordam alegremente as falcatruas de adolescentes que irritavam os mais velhos, lesados e feridos no orgulho de ter e ver desaparecer numa noite escura e nem rastos das peças furtadas pelos “lafraus” de costume, cozinhados ao abrigo dos olhares indiscretos, e saboreados alegremente como um verdadeiro


 repasto dos abastados… surpreendi-os nesta conversas animada sobressaindo os nomes dos mais atrevidos numerosos que com a idade e a emancipação se tornaram “sages” embora o bichinho ainda mexa com eles sentindo-se lisonjeados com a reputação animadora dos tempos mortos numa Aldeia onde quase nunca se passa nada? Fiquei um tanto quanto perplexo e surpreendido com os nomes citados, mas, também eu participei, no meu tempo e noutros lugares em patuscadas da juventude mesmo não sendo dos mais “corrécios”.
O café do Reis, agora sob a gerência da “sequinha”, foi o pseudónimo que ela escolheu, continua a ser o local preferido dos que estão assim como dos que chegam por alguns dias, também atingidos pela dita crise europeia, porque se nos referirmos aos gastos em presentes
 em Portugal durante as festividades, (2.000. 500.000,00) só há crise para os pobres como sempre, os outros podem manter os níveis de vida com margem de crescimento… por cá a rotina de sempre, tendencialmente a aumentar o isolamento, por conseguinte a falta de novidades, se contarmos com aquelas que não podem ser dadas para não ferir sensibilidades, correndo-se o risco de um apartheid branco.