quinta-feira, 26 de março de 2015

Páscoa Feliz

Era tempo de quaresma, e na Aldeia da Serra, onde o sol brilha com mais densidade, os flocos de neve caem silenciosamente, o vento sopra uivando como um cão danado, e a chuva cai; em Abril peneirada pelo “mandil”, as donas de casa nem tempo tinham para coçar a cabeça, por ser vésperas de Domingo de Ramos, aproximava-se a semana santa, e em casa era necessário arrumar, varrer, limpar e até esfregar as assoalhadas, com uma escova especifica, ajoelhando-se para imprimir maior força, tal como na via-sacra que se andava de joelhos de estação em estação. Também na casa grande, com paredes caiadas de branco, escadarias graníticas de um azul pálido e rijo, enorme terraço que me serviu tantas vezes de “miradouro”, pátio e garagem de dimensões largas, situada junto do largo mais frequentado e de uma beleza única, as mulheres andavam num frenesi de excitação fora do comum, por estas e outras razões. A tia Virgínia, por quem já tinham passado nove décadas no declínio de uma vida passada a propagar generosamente o bem, ia aconselhando, partilhando a experiencia guardada ao longo de todos estes anos, na azáfama de concretizar os sonhos de mãe rural lá para os lados de Viduedo. Do seu casamento, com um homem que não conheci pessoalmente, mas de quem ela me falou tantas vezes, nas longas noites invernais, nasceram quatro filhos, três raparigas e um rapaz. A mais velha, tia Angélica, casou com um primo em segundo grau, e como os tempos eram difíceis, abalaram para França, zona de Tours, onde formaram uma empresa, (pedreira) e por lá permaneceram, solitários sem filhos, vindo de tempos a tempos visitar a família. A D. Denérida, segunda filha, foi enviada a estudar para professora primária, cuja profissão exerceu, segundo relatos, com severidade, já da minha lembrança, em Espadanedo, onde a acompanhei centenas de vezes, a cavalo com duas alforges cheias de mantimentos para ela e a rapariga de 9 anos (Angelina) que vivia com ela nesta pacata Aldeia casa e escola contiguas junto do adro da Igreja. Em terceiro lugar nasceu um rapaz, que era o orgulho do pai, segundo contava a tia Virginia, e a quem destinava assumir a continuidade do bom funcionamento do casal. Porém o destino um tanto quanto forçado pela devoção e determinação da mãe, conduziu-o ao seminário de onde saiu Sacerdote. A Mais nova, Chamava-se Lurdes. Tinha emigrado para o Brasil ainda muito nova, nunca tive o devido esclarecimento da sua opção, nunca voltou a Portugal, e dos familiares falava-se muito pouco.
A família Alves, considerada e respeitada, veio instalar-se nesta casa, acabadinha de construir, pelo Sr. Ernesto marido da D. Denérida da qual dizia cada vez que a via partir para o local onde exercia a sua profissão honestamente com empenho, - Lá vai o meu ganha pão – como se ele necessitasse destes centavos para sobreviver? Era ambicioso e com relativos escrúpulos relativamente aos necessitados, emprestando dinheiro vindo da tasca que possuía, a juros excessivos, exorbitantes mesmo. Pouco tempo depois faleceu, deixando a herança das centenas de “letras” dos empréstimos bem guardadas numa burra de ferro de uma dimensão impressionante! Mas, o bom coração da viúva, destruiu-as todas não aceitando um tostão dos seus credores.
Enquanto as mulheres, Luzia de Penhas Juntas, Palmira dos Pereiros, Aldina de Espadanedo, a pequena Angelina das Falgueiras e a tia Julieta vizinha e familiar preparavam os quartos e a grande sala de visitas para receber os Sacerdotes que dois dias depois viriam para as confissões anuais ( A contra jeira) o P.e João tratava dos preparativos necessários a uma boa receção do Sr. Bispo que nos concedia a honra de uma visita para crismar os paroquianos. As catequistas ativavam-se em preparar a cruzada com cânticos e recitais específicos como palavras de boas-vindas. O padre João escreveu um longo texto que eu decorei em quatro tempos, orgulhoso por ser escolhido para o evento. Acontece que neste mesmo sábado, foi celebrar a Pombares, e para efetuar o percurso mandou-me aparelhar o cavalo. Minutos depois aparecia junto da estrebaria envolvido no seu confortável capote que o protegia das eventuais intempéries ao longo deste caminho sinuoso de cerca de sete km. Subiu para cima de uma grande pedra que servia de acento aos clientes da taberna do tio António (trocho), à qual encostei o cavalo para ele montar. – Pega-me no estribo e nas rédeas não vá o cavalo assustar-se e o selim torcer-se… - resmunguei baixinho já não sei o quê, mas que ele compreendeu por certo ser um insulto, salta rapidamente para o chão e parte o guarda-chuva nas minhas costas furioso como um animal selvagem. O animal fugiu e ele foi atrás enquanto lhe rogava todas as pragas do mundo. Passei mais de um mês sem falar com ele, e lá se foi o meu trabalho de recitar o texto que tanto trabalho me deu para decorar, diante do bispo.


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