quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Dons

Nascer com um verdadeiro dom, é um presente, vindo não se sabe de onde, nem quem é o remetente, prevalecendo o mistério por desvendar, relativamente ao facto de entre a galinha e o ovo, qual deles nasceu primeiro? Sabemos qual é a cor do cavalo branco de Napoleão… incógnita sobre o privilégio de uns, os quais já nasceram em berços doirados, superdotados nas diversas e variadas caminhadas da vida, enveredando por caminhos largos e floridos… com sorte? Enquanto outros são perseguidos pelo azar, do nascimento até à morte, transportando a cruz que lhes caiu sobre os ombros, ordenada não se sabe por quem, segundo a crença de cada religião, mas que, por mais esforços que façamos, boa vontade e otimismo, esperança e desespero, não se passa da: “cepa torta”.
Se nos cingirmos à religião cristã cujos pragmatismos revelam a criação do Mundo e da humanidade, diz-se que somos irmãos, filhos de um só pai, mas diferentes durante o período de vida… a morte essa não faz a diferença entre as variadas etnias, as cores que suportamos, as religiões da nossa crença, e sobretudo entre pobres ricos ou remediados…
Sempre fui pretensioso, e sinto enorme frustração por ter nascido com fragmentos de vários dons, mas concretamente nenhum capaz de me diferenciar, de um “bon à rien”como se costuma dizer em terras gaulesas, por onde andei perdido mas usufruindo de enorme felicidade, durante trinta anos, os mais maravilhosos da minha singela vida. Quis ser poliglota, e para além do Português, linguagem da minha naturalidade, sinto o Francês nas entranhas como uma sonata de Vivaldi, que penetra a escuridão e se prolonga pela noite fora até aos mais maravilhosos sonhos embalados num leito confortável e acariciados pelos lençóis de uma alvura singular. Já com o Inglês, apesar dos vários esforços realizados na aprendizagem, continuo como uma sopa sem sal nem adubo, lendo como um aluno de 2º ano, e oralmente, considero que falam tão rápido como o TGV o que me dificulta ao máximo a captação. A propósito aconteceu-me uma cena com um cliente quando exercia a profissão de táxi driver em Paris, e, no aeroporto Charles Degaule, carreguei o ditoso cliente para a Gare de Lyon. Durante o trajeto que separa o aeroporto da cidade, tentamos comunicar em inglês com grande dificuldade da minha parte, e o meu inglês afrancesado. Reparando que o cliente desejava perguntar-me algo referente á cidade, e como não conseguia responder-lhe, sugeri-lhe que me fizesse a pergunta em Italiano. - Vorrei dare qualche giro i posti più belli di Parigi fino a quando arriva il momento il mio treno può essere?
-Ah!  Sì, lo capisco. Avanti
Quando voltei à noite e contei o acontecido aos meus colegas de trabalho, juntos rimos como perdidos… valeu a pena os cursos de inglês que paguei, aprendi mais com a patroa do bar ao lado da garagem, de origem Italiana, onde íamos tomar o aperitivo no final do trabalho!
O espanhol era outra linguagem que prezava, pelo facto de conviver com muitos Espanhóis jovens, que frequentava enquanto praticava o desporto do futebol. Havia nesta equipa patrocinada pela Citroen onde trabalhavam muitos Espanhpois dos diversos cantos de Espanha, e o Francisco, sabendo que eu gostava de ler, emprestou-me uma grande quantidade de livros escritos em Castelhano que trouxe da sua biblioteca quando finalizou o curso, que nos tempos vagos, sobretudo à noite, lia.
Quatro linguagens de povos diferentes, mas que eu, teria gostado aprender, primeiro porque me seria útil na profissão, segundo por julgar ter o dom, que afinal não tinha…
Comediante foi mais um dos fragmentos do dom que sempre julguei ter pelas representações teatrais de rua, marchas populares, participações em comédias improvisadas enquanto miúdo até à adolescência, e uma louca paixão que surgiu mais tarde quando já vivia em Paris e sempre que me era possível assistia a peças teatrais, e ia frequentemente ao cinema. Foi um destes filmes que me marcou profundamente ao ponto de tentar aceder aos cursos das belas artes. O titulo – Mourir d’aimer - http://www.interfilmes.com/filme_230394_Morrer.de.Amor-(Mourir.d.aimer).html, interpretado por Anie Girardot  32 anos, divorciada, com dois filhos, é  professora de uma escola em Rouen em meio aos tumultos de Maio de 1968, ... evolveu-se numa aventura amorosa com um dos seus alunos, menor, pelo qual se apaixonou, e perante a impossibilidade de dar seguimento à profundidade deste amor, já consumido, após várias tentativas infrutíferas, optou pelo suicídio, pedindo n’uma carta que deixou escrita, ao marido, para tratar dos seus filhos e que perdoassem a sua cobardia. Belíssima interpretação com um fim trágico que fez subir as lágrimas aos olhos da maioria dos espectadores, complementada com a magnifica voz do Charles Aznavourg na musica. https://www.youtube.com/watch?v=rAHnc_d10MY
O canto foi outro dos fragmentos fracassados de um dom cuja voz poderia eventualmente seguir outro caminho com um poucochinho de sorte…. Sobretudo no fado, cujas letras e musicas conhecia de cor, dos variados cantores desse tempo, e que dentro do meu carro enquanto vazio, através das ruas e belas avenidas de Paris, cantava como se estivesse no Olimpia, lugar mítico por onde passaram os maiores da musica e do canto. Sem ter um ídolo preciso, era fã de todas as belas canções dos numerosos artistas que vendiam os seus discos, enquanto eu cantava gratuitamente de A a Z somente pelo prazer… fascinavam-me as letras, e a musica que me caísse no ouvido penetrava-me enfeitiçando-me ao ponto de necessitar de poucos ensaios para repetir…
No futebol, que pratiquei durante toda a minha juventude a um nível amador faltou-me aquela ajuda para saltar o trampolim, considerando as apreciações de entendidos que diziam ter potencial para voar mais alto… suposições e nada mais. Hoje sei que é necessário muito talento, para ser bom, qualquer que seja a modalidade… e eu sempre fui um: “bom à rien”. Nunca fui capaz de aprender a tocar acordéon, realejo ou guitarra, sentindo-me frustrado… onde foram parar todos os dons que eu pensava ter? No fundo não passo de um pretensioso sem fundamento talentoso… gosto de ler e escrever, passando horas até às tantas da noite, na fumaceira de um quarto, rascunhando e dormir sossegado ainda que não fosse lido por ninguém… ser ou não ser dotado esta é a questão?


1 comentário:

Anónimo disse...

António, nem sei que dizer-lhe, também sou uma "bom a rien" e lembrei-me desta música, já velhinha:
"lór de nos vies"
C’est nous contre leurs peines
Et le message est clair
Les mots passent
Et l’indifférence règne
Si le mal me gagne
Coupable seul de n’avoir rien su faire
Si l’on comprend
Que leurs mains
Sont à notre portée
Si l’on conçoit encore ce rêve
Toucher leurs larmes
Du bout des lèvres
Sécher leurs âmes
Cent fois sans gêne
Leur vie c’est de l’or
De l’or terni
Rendons leur alors
L’or de nos vies
Yeah yeah yeah
Nos pierres à l’édifice
Pour ne pas flèchir
Aujourd’hui
Le gêne et la peur m’attristent
Je veux de larges sourires
Montrez-moi
Prouvez-moi que ça existe
Si l’on comprend
Que leurs mains
Sont à notre portée
Si l’on conçoit encore ce rêve
Toucher leurs larmes
Du bout des lèvres
Sécher leurs âmes
Cent fois sans gêne
Leur vie c’est de l’or
De l’or terni
Rendons leur alors
L’or de nos vies
Toucher leurs larmes
Du bout des lèvres
Sécher leurs âmes
Cent fois sans gêne
Leur vie c’est de l’or
De l’or terni
Rendons leur alors
L’or de nos vies
Toucher leurs larmes
Du bout des lèvres
Sécher leurs âmes
Cent fois sans gêne
Leur vie c’est de l’or
De l’or terni
Rendons leur alors
L’or de nos vies
Toucher leurs larmes
Du bout des lèvres
Sécher leurs âmes
Cent fois sans gêne
Leur vie c’est de l’or
De l’or terni
Rendons leur alors
L’or de nos vies (*2)
Et le message est clair
Les mots passent
Et l’indifférence règne
Si le mal me gagne
Coupable seul de n’avoir rien su faire
Si l’on comprend
Que leurs mains
Sont à notre portée
Si l’on conçoit ce rêve
Rendons leur alors l’or de nos vies

Ps: e com continuo nabiça nesta coisa de colocar vídeos nos comentários aqui vai o link da música no youtube
https://www.youtube.com/watch?v=YGmpShAWqbk
Abraços
Eduarda