sexta-feira, 4 de março de 2016

O trator azul

Chegou à terra nos anos 60…. Foi o primeiro, pelo que, era acarinhado e tratado como um verdadeiro príncipe. De cor azul, o trator era nestes tempos, para além de útil, atrativo, servia de transporte aos numerosos jovens nas deslocações a arraiais em dias de festa nas Aldeias circundantes, bailes improvisados, sobretudo nos fins-de-semana, e ainda encontros secretos bem longe dos olhares indiscretos capazes de “armar” uma barafunda. – Nesse tempo as donzelas eram quase obrigadas a casar na terra, e os forasteiros que tentavam subtrair uma delas tinha que namorar à distância, através de cartas, ou bem escondido, pois os rapazes da Aldeia juntavam-se e obrigavam o pobre estranho a “pagar o vinho”. – Recordo-me a propósito de um caso no qual o estranho ofereceu resistência discordando de tais procedimentos, ter acabado dentro de um tanque cheio de água depois de espancado, e como contra a força não há resistência, lá foi o pobrezito encharcado, rabinho entre as percas e nem palavra para a sua terra.
Já não veio novo, custando-lhe muitas vezes, sobretudo no inverno, a começar a trabalhar, pelo que, os proprietários deixavam-no sempre no cimo de locais elevados e com margem para “pegar de empurrão” – como se costumava dizer. O seu historial é verdadeiramente surpreendente, peripécias que os homens não conseguiam dominar, estragos valiosos, constrangimentos a nível acidental, felizmente nunca mortais, talvez por obra do divino Espirito Santo. Começou a ser conduzido pelo mais velho dos irmãos que tinha ido ao Porto passar a carta de condução, com a ajuda de uns familiares proprietários de uma estalagem nesta briosa cidade do Norte de Portugal. Nestes tempos não era permitido a toda a gente conduzir, e tal como ainda hoje, os abusos das máquinas, eram frequentíssimos, não refletimos às consequências, pé no acelerador e para a frente é que é o caminho; neste caso preciso, como estava limitado a uns 30 ou 40 km à hora, a solução era “desengatar” que é o mesmo dizer: mudança em ponto morto e quando desce com peso atrás não há travões que lhe valham depois de embalar…e foi assim que um dia o rapaz e os que levava com ele por uma estrada sem asfalte, com bastante inclinação, seguiu pela ribanceira abaixo, ficando o condutor gravemente ferido e o azul de pernas para o ar.
O pai furioso, retirou-lhe a confiança e a condução passou para o irmão… com este, as aventuras foram ainda mais frequentes e de maiores dimensões acidentais num caso onde quis ir por atalhos e se meteu em grandes trabalhos, ele e o pessoal que acarrejava o centeio. Mais uma vez saíram ilesos, apenas com arranhões, hematomas, e mais uma vez o azul, atravessou pelo s ares um caminho ficando de focinho espetado do outro lado n’um lameiro. Numerosas foram as vezes em que não restava espaço para uma mosca pousar, à vinda de bailes disto 8 a 10 km da terra, por volta das duas da madrugada, e para evitar o percurso a pés, subíamos todos não havendo discriminação, mas eminente perigo de algum cair através desses caminhos sinuosos, com o mínimo de visibilidade, inconsciência jovem, quando uma vez de Vidoedo voltamos 15 em cima do azul sem reboque… foi o nosso táxi para diversos e variados lugares; Bragada para ver um jogo de futebol, Lanção, Vidoedo Paçó Rossas Vale de Nogueira etc.
Finalmente o mais novo, sem carta e já começava a namoriscar, combinamos ir ter com umas gaiatas a Soutelo da Pena Mourisca, que andavam a estudar em Bragança, e organizavam um baile em nossa honra no recinto da Aldeia, creio que ao som do realejo, num tarde de verão. Fazer o percurso a pés estava fora de questão já que o azul se encontrava disponível, embora sem ser pedida permissão, ou seja o proprietário mais novo apesar de mal chegar aos pedais encheu-se de coragem, pusemos o azul a trabalhar de empurrão e la fomos nós como paxá nas suas limusines. Correu tudo bem até ao regresso onde n’uma descida acentuada o condutor improvisado quis meter outra mudança mais lenta, desengatou o azul, que atingiu uma velocidade medonha e nos pregou um susto tão grande que ainda hoje se me arrepiam os cabelos.



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