sábado, 9 de fevereiro de 2019

Destinos e destinados

 Destinos e destinados»» Por António Brás
Na rua de Monsanto, no Nº26 vivia o Dr. Félix numa casa modesta, com dois andares, cinco quartos no andar de cima e salão amplo com cozinha equipada, e um quarto com sala de banho que já ele tinha mandado construir, - para os dias da velhice – como dizia – porque não se vive eternamente. Um pequeno jardim ornamentava a frente, e debaixo de uma Acácia Mimosa um banco de madeira, já meio roído pela idade, onde eram recordados momentos inesquecíveis de carinho paz e amor. Foi aqui, sentado, meditando na desgraça que um dia lhe bateu à porta e levou o seu ente mais querido, que derramou lágrimas de desespero e de dor, se arrancou cabelos da cabeça com as suas próprias mãos, foi tentado a desistir de viver, encontrando-se só, despido, sem alento para continuar uma luta que já não era sua, projetos desvanecidos, tudo se afundou com a morte da sua esposa… e graças aos bons amigos que nunca cortaram as rédeas superou embora sempre com pouca vivacidade.
Fernanda continuava vivendo naquela casa, a pedido do médico, que lhe tinha salvado a vida e a quem deveria eternamente gratidão. Um dia de cada vez – aconselhava o homem bondoso e carinhoso – Há feridas que não saram com tanta rapidez como nós desejávamos, mas, só não há remédio para a morte… deixa-me ajudar-te a superar esta má fase da vida longa que tens pela frente, e não te arrependerás.
Vivia também aqui uma criada, dos seus 60 anos, desde que o casal fixou residência naquele lugar agradável e sossegado e convidativo à felicidade. Era muito querida, acarinhada, educada, trabalhadeira e serviçal, talvez a salvação do Sr. Félix, servindo-lhe de bengala para o coração partido, sem jamais ultrapassarem a barragem da cortesia, uma amizade recíproca…
Vários meses já tinham passado, e o ventre de Fernanda, crescia acompanhada por uma colega do patrão a quem ele tinha contado a sua história. Já tinha passado de embrião a feto, pelo que de cinco a seis meses se tinham passado, e a vergonha começava a notar-se no seu rosto, sobretudo psicologicamente, porque naquela casa não lhe faltava nada, talvez um pai para o seu filho? A pedido do médico escreveu uma longa carta aos seus pais onde narrava todos os acontecimentos e pedia que a
 perdoassem pois estava sentindo muito a falta deles. A resposta chegou prontamente nos seguintes termos: Que nem te passe pela cabeça voltar a entrar nesta terra e muito menos em nossa casa, fizeste a cama deita-te nela; podes aceitar ser desavergonhada, longe de nós, porque a nossa família apesar de ser pobre, é por todos respeitada e não será uma despudorada como tu que virá quebrar esse preceito.
Estava Fernanda assentada debaixo da mimosa a ler a carta quando o patrão entrou e deu com ela chorando como uma Madalena a tatear constantemente o seu ventre.
- Que se passa rapariga!? Aconteceu alguma coisa ao bebé?
Não respondeu, estendeu a carta, que guardava no regaço, ao médico que a leu e ficou lívido de raiva, tentando controlar-se para não afligir ainda mais a rapariga.
Fernanda! Os choros não te levam a lado nenhum. Teus pais tiveram a reação que outros no caso teriam, embora com exagero, julgando poder punir o que a fatalidade ditou. Porém, sabes que as feridas vão sarando com o tempo. Presentemente tens-me a mim disposto a ir ao de lá de uma ajuda. Já muito tempo que cogitava na maneira eficiente de reparar assumindo o que o que Carlos não quer nem pode assumir, ou seja a paternidade desse inocente, e se não vires inconveniente, casa comigo antes que chegue o seu nascimento?
Fernanda ficou petrificada, sem balbuciar palavra e o Sr. Félix pegou-lhe de mansinha numa das mãos e fez com que ela se erguesse e o olhasse olhos nos olhos. Não precisas responder já, e se achares que estou velho demais para ser marido e pai, compreenderei… não te poderei amar como mereces e eu desejaria, mas prometo estar a teu lado para o bem e para o mal, e jamais permitirei que desrespeitem a minha futura esposa, isto é: se assim o decidires.


 


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