Na rua de Monsanto, no Nº26 vivia o Dr. Félix numa casa
modesta, com dois andares, cinco quartos no andar de cima e salão amplo com
cozinha equipada, e um quarto com sala de banho que já ele tinha mandado construir,
- para os dias da velhice – como dizia – porque não se vive eternamente. Um
pequeno jardim ornamentava a frente, e debaixo de uma Acácia Mimosa um banco de
madeira, já meio roído pela idade, onde eram recordados momentos inesquecíveis
de carinho paz e amor. Foi aqui, sentado, meditando na desgraça que um dia lhe
bateu à porta e levou o seu ente mais querido, que derramou lágrimas de
desespero e de dor, se arrancou cabelos da cabeça com as suas próprias mãos,
foi tentado a desistir de viver, encontrando-se só, despido, sem alento para
continuar uma luta que já não era sua, projetos desvanecidos, tudo se afundou
com a morte da sua esposa… e graças aos bons amigos que nunca cortaram as
rédeas superou embora sempre com pouca vivacidade.
Fernanda continuava vivendo naquela casa, a pedido do
médico, que lhe tinha salvado a vida e a quem deveria eternamente gratidão. Um
dia de cada vez – aconselhava o homem bondoso e carinhoso – Há feridas que não
saram com tanta rapidez como nós desejávamos, mas, só não há remédio para a
morte… deixa-me ajudar-te a superar esta má fase da vida longa que tens pela
frente, e não te arrependerás.
Vivia também aqui uma criada, dos seus 60 anos, desde que
o casal fixou residência naquele lugar agradável e sossegado e convidativo à felicidade.
Era muito querida, acarinhada, educada, trabalhadeira e serviçal, talvez a
salvação do Sr. Félix, servindo-lhe de bengala para o coração partido, sem jamais
ultrapassarem a barragem da cortesia, uma amizade recíproca…
Vários meses já tinham
passado, e o ventre de Fernanda, crescia acompanhada por uma colega do patrão a
quem ele tinha contado a sua história. Já tinha passado de embrião a feto, pelo
que de cinco a seis meses se tinham passado, e a vergonha começava a notar-se
no seu rosto, sobretudo psicologicamente, porque naquela casa não lhe faltava
nada, talvez um pai para o seu filho? A pedido do médico escreveu uma longa
carta aos seus pais onde narrava todos os acontecimentos e pedia que a
perdoassem pois estava sentindo muito a falta deles. A
resposta chegou prontamente nos seguintes termos: Que nem te passe pela cabeça
voltar a entrar nesta terra e muito menos em nossa casa, fizeste a cama deita-te
nela; podes aceitar ser desavergonhada, longe de nós, porque a nossa família
apesar de ser pobre, é por todos respeitada e não será uma despudorada como tu
que virá quebrar esse preceito.
Estava Fernanda assentada debaixo da mimosa a ler a carta
quando o patrão entrou e deu com ela chorando como uma Madalena a tatear
constantemente o seu ventre.
- Que se passa rapariga!? Aconteceu alguma coisa ao bebé?
Não respondeu, estendeu a carta, que guardava no regaço,
ao médico que a leu e ficou lívido de raiva, tentando controlar-se para não
afligir ainda mais a rapariga.
Fernanda! Os choros não te levam a lado nenhum. Teus pais
tiveram a reação que outros no caso teriam, embora com exagero, julgando poder
punir o que a fatalidade ditou. Porém, sabes que as feridas vão sarando com o
tempo. Presentemente tens-me a mim disposto a ir ao de lá de uma ajuda. Já
muito tempo que cogitava na maneira eficiente de reparar assumindo o que o que
Carlos não quer nem pode assumir, ou seja a paternidade desse inocente, e se
não vires inconveniente, casa comigo antes que chegue o seu nascimento?
Fernanda ficou petrificada, sem balbuciar palavra e o Sr.
Félix pegou-lhe de mansinha numa das mãos e fez com que ela se erguesse e o
olhasse olhos nos olhos. Não precisas responder já, e se achares que estou
velho demais para ser marido e pai, compreenderei… não te poderei amar como
mereces e eu desejaria, mas prometo estar a teu lado para o bem e para o mal, e
jamais permitirei que desrespeitem a minha futura esposa, isto é: se assim o
decidires.
Sem comentários:
Enviar um comentário