sábado, 23 de fevereiro de 2019

viveres

 Viveres por antonio braz
“ Há muito, muito tempo, era eu uma criança” que farejava um naco de pão, junto daqueles que considerava, bons, generosos, talvez os salvadores ocasionais, resplandecentes como o cintilar de um céu estrelado, mas numerosas foram as vezes nas quais as espectativas caíram na míngua e as hastes arriaram tal uma desilusão fomentada pela carência. Bastariam umas migalhas para calotear a abastança e os seus orgulhosos avarentos, um cheiro, uma promessa prevaricada, que alimentasse pelo menos a esperança, o palear e o trepidar de uma dilação inconsequente para os que andavam de pança enxurrada… e a espera era tão cruel! Traumatizante, roendo-se as unhas, martirizando aquele pequeno cérebro incapaz de diferençar o bom do mau, o pequeno do grande, o poderoso do mendigo… mas os tempos foram o que tiveram que ser e o panejado concretizou-se. Hoje sei o que sentem os famintos, o que escondem os abastados, que viver vale sempre a pena, independentemente dos percalços que tenhamos de enfrentar, porque depois da tempestade quase vem sempre a bonança, para aqueles que sobreviverem…Chamavam-lhes os heróis de uma terra agreste, os conquistadores graníticos, os esquimós das altas montanhas, e nas suas constantes lutas, havia animais selvagens, gatunos nas encruzilhadas, pedintes que dormiam


em palheiros, trémulos de frio, de fome, vagabundos sem eira nem leira, homens de raça mas que acabaram por abandonar a luta. Sem abrigo, não sabiam o que era a matança do porco, a malha, a arranca da batata, Natal ou Páscoa, vivia-se um dia de cada vez, e felizardo aquele que conseguia levantar-se naquelas manhãs geladas, levantar os olhos ao céu e exclamar: ainda estou vivo! Mas que viver? O destino assim foi traçado, mas que ninguém condene os ultrajados, nem os desgraçados. Eles não pedem para ser idolatrados, e se surge uma réstia de inveja, não os julguem pelo que queriam ser… O mundo transformou-se e os seres humanos são apenas brinquedos requintados. Como será daqui a vinte anos?

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