domingo, 29 de março de 2020

destinos Paula

ficção Por António Braz

  Cinco anos tinham já passado, e Paula conseguiu conciliar os estudos e as constantes manifestações degradantes do marido o qual após ter rompido definitivamente as relações secretas e amorosas com a mulher que amava, a pedido desta, e na sequência do nascimento de uma menina, cujo progenitor não era ele, se refugiou no álcool, drogas e saídas com acompanhantes de luxo, que pagava com dinheiro de vendas de prédios e objetos de valor, sem dar conhecimento a ninguém. Licenciou-se em economia, seguiu-se o mestrado e o doutoramento, arranjando sempre tempo para dedicar ao seu filhote, cujos avós paternos mimavam extremamente, o que era do seu desagrado, mas concebia serem atos de intenso carinho e amor, retribuídos pelo Fernandinho, coisa que lhe faltou da parte de um pai ausente, degradado, e que jamais o tinha aceitado como uma dadiva de Deus, mas sim como uma obstrução ao seu grande amor que deixara esgueirar-se, a uma paixão que o martirizava agora destruindo-o lentamente, como uma dívida que ficara por pagar. Muitas foram as vezes em que os seus pais tentaram traze-lo de volta à realidade, a uma vida digna e honesta, ao dever de marido e de pai, porque não lhe faltava nada, apenas o discernimento, mas em vão…
Paula, mulher ativa e de garra, aguentou aquele ambiente infeto, numa adorável casa, que o Fernandinho enchia de alegria, amor e bem-estar, até que um dia, seu sogro, lhe confidenciou o seu agrado para tomar as rédeas de uma das suas empresas que se estava afundando por má gestão. Foi visitar o local, pediu toda a papelada necessária para fazer o balanço, a fim de ter uma ideia precisa, se sim ou não havia maneira de recuperação. Passou tudo o que foi possível para um disco, e, durante duas longas noites, procurou exaustivamente saber onde estava a falha. Encontrou-a, não tivesse sido a segunda melhor do seu curso? Era um cargo de grande responsabilidade que requeria muito tempo, e o seu adorado menino iria ficar privado de pai e mãe que só à noite voltaria e sem tempo para ir ao jardim, comer um gelado, correr e saltar na relva, acompanhá-lo à escola e ensinar-lhe as peripécias da vida. Ponderou e no dia seguinte, após uma conversa com o sogro e desvendar as suas reticências, o homem pareceu desiludido, triste, acrescentando que estavam ali ele e a esposa para o Fernandinho e que nada lhe faltaria. – Sei disso, porém… eu é que sou a sua mãe e preciso estar com o meu filho, educá-lo à minha maneira, dar-lhe e receber carícias, ouvi-lo rir e chorar,… compreende?
Com ar resignado o homem ainda acrescentou: - Pense bem… é o futuro do Fernandinho que está em jogo.
Já em casa e durante a noite, Paula refletiu profundamente no que seu sogro quis dizer.
Finalmente resolveu aceitar o cargo. Também não era saudável ficar em casa com um marido às cambalhotas, embriagado, falando de mais, ou isolando-se no quarto onde a criada por vezes tinha de lhe servir as refeições… além disso tirara um curso baste difícil pelo que não podia deixar ir por água abaixo tanto trabalho e dedicação…
Ocupou o cargo de diretora da empresa com afinco e dedicação fazendo enormes esforços para que esta voltasse à rentabilidade desejada, em detrimento da família, tal como previa… chegava tarde e cansada e o filhote ficava na casa dos avós a maior parte do tempo estando apenas com ele nos fins-de-semana e com pouco tempo para lhe dedicar.
Foram dois anos muito difíceis para que a dita empresa retomasse o caminho da rentabilidade que toda a gente dizia: ser tempo perdido. Paula conseguiu com mestria e engenho ganhar aquela batalha, porém tinha perdido a guerra na luta pela educação do seu filho, e ao mesmo tempo aquela felicidade de ajudá-lo a crescer…o miúdo ganhou demasiado afeto àqueles que o acompanharam durante estes dois anos, chamava pai ao avô e mãe à avó que se derretiam a fazer-lhe todas as vontades caprichos e tudo quanto desejava ou pedia…. Tal como fizeram com Carlos, e o resultado tinha sido catastrófico – pensava Paula em cada dia que passava e se lhe iam escapando diretivas que pudessem retificar o que já era dificilmente remediável.
Levava as mãos à cabeça, olhava em todas as direções e não encontrava a solução agora complexa sem que ferisse o amor-próprio dos sogros, bondosos, simpáticos e sempre dispostos a intervir quando as coisas corriam mal em casa. O marido tinha feito a sua escolha, tentou ajudá-lo propondo-lhe uma instituição de desintoxicação, e os pais tinham já perdido uma fortuna com as suas extravagâncias, mas Carlos não ouvia ninguém, seguia um rumo de inconsciente que tendia a cair no abismo.
Os pais de Paula moravam agora no Algarve onde tinham comprado uma vivenda confortável e graciosa, para desfrutar da aposentação – diziam eles – bem merecida.
No dia 8 de Novembro daquele ano festejavam as bodas de ouro, e, por telefone manifestaram o desejo de ver a filha o genro e o neto presentes na cerimónia. Convencer Carlos não foi tarefa fácil, porém ficou decidido irem todos no dia seguinte, de automóvel passar alguns dias junto daqueles pais adoráveis que Paula e as duas irmãs consideravam excecionais. Levantaram-se cedo e estupefação quando foram ao quarto de Fernando e o encontraram envolto nos lençóis coberto de febre e de pintarolas vermelhas que de imediato chegaram a conclusão ser a varicela. Indecisos com o que fazer, não querendo dececionar os pais, Paula telefona aos sogros os quais se prontificaram a levar para casa o rapaz e fazer o necessário para que ele ficasse bem. –Vão descansados, de qualquer forma estaremos em contacto permanente.
De malas feitas marido e mulher saíram de casa, Paula mesmo assim com o credo nos lábios, e quando chegaram à garagem, Carlos antecipou-se dizendo: - Vamos no meu carro que é mais rápido e confortável…
Paula hesitou manifestando o seu desagrado perguntando:
- Estás realmente em condições de fazer uma viagem tão longa ao volante? Se não te importasses íamos no meu carro… pode ser?
- Nem penses. Não sou nenhum inútil que nem sabe conduzir!
- Seja; não vale a pena discutirmos, pensemos antes no nosso filho que ficou doente.
- Pensa lá no que quiseres para mim é indiferente.
Tinham feito já por volta de trezentos kms quando Carlos adormeceu, o carro foi embater na barra central e saltou para o outro lado da autoestrada onde abalroou mais dois automóveis que seguiam em sentido contrário. Chamados os postos de socorro foram todos conduzidos para o hospital, sendo Paula e outro acidentado consideradas vitimas mortais. 

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