domingo, 22 de março de 2020

Bairro da Portela

 Assentados, como bandos de esturninos, naquelas escaleiras graníticas, eram talvez doze ou treze, quando já o sol virava para Sul, e seu raios calorosos se refletiam na parede que servia de abrigo, embora de construção de pedra e barro, era neste local que nos reuníamos pequenos e grandes, para papear, á saída da escola, e ouvir as línguas mais afiadas do bairro da Portela, contar acontecimentos passados na pacata Aldeia, ou lendas de outros passados, verídicas ou falsas, mantendo informados ao minuto, aqueles pobres diabos que não tinham jornais para ler, televisores nem se falava, e só um rádio existente, atraía metade da população par ouvir” simplesmente maria”. A casa pertencia a uma mãe solteira, a quem eu chamava tia Dulce por ser a mãe dos meus primos, que o pai, meu tio, abandonou, fugindo para o Brasil. Ao lado morava a tia Laurinda e seus quatro ou cinco filhos, e do outo lado da rua lamacenta, no cimo de um morro de terra em estado selvagem, onde jogávamos à bilharda, pingue e outro jogos desse tempo que nos entretinha o ventre e o espirito morava a tia Laura, costureira o marido de famílias fogueteiros, e seus três filhos. Seguindo o caminho encontrávamos a casa da tia Izabel, da Maria Silva, tia Ermelinda, Maria da avó, Morais, tia Benigna, Juiz, Amâncio, e João. Era um bairro indigente, mas digno, altruísta, de acentuada assessoria, onde vivia um grande aglomerado de jovens e crianças, que se divertiam segundo as possibilidades
 debilitadas, mas, que com mestria arranjavam sempre maneira de superar o que lhes faltava encontrando alternativas para passar o tempo nas horas vagas que eram tantas!
De volta da escola, depois das três da tarde, o professor, creio, Francisco Ribom e a irmã, também professora D. Maria, passavam, e não se esqueciam de nos repreender dizendo: - Não vos esqueçais do que tendes que fazer para Amanhã…
Estudar? Era ali antes de os que possuíam livros regressassem a casa. Na eira do tio Amadeu, mesmo em frente, havia dois cerdeiros galegos que invadíamos frequentemente, não deixando amadurecer o fruto. Começava um jogo de pião. Traçava-se um circulo com um pau no chão, e pouco a pouco chegavam, o Moisés, o António, o Armindo eu, o Amadeu, o Ferreira, o Jorge, alguns do bairro das pedras, Pedro , Tonho, Tarcísio, com os seus piões feitos de amieiro cortado lá para os lados da ribeira, e com um “ferrão” de prego aguçado, para fazer saltar do meio os que rolavam e os que não tinham saído do circulo… Foram tempos difíceis
 mas que recordo com tanta nostalgia perguntando-me: onde andarão os meus amigos de infâncias? Será que vivem felizes com filhos e netos em lugares que escolheram para serem felizes? São tantos que nunca mais vi! E as raparigas que animavam os bailes de fim de tarde, nos diversos lugares desta Aldeia amada que desertaram e nunca mais quiseram ver! A Fernanda e a irmã Beatriz, a Adília, a Maria, a Ernestina, a Mavilde, a Fátima, Elisa e tantas outras com mais idade que nos ensinaram a dançar e sofreram as pisadelas dos principiantes, com um sorriso nos lábios, tentando ajudar… se é que tem que se seguir o ciclo da vida, porque não nos privem das lindas recordações que nos deixam destroçados com a aproximação da velhice? Sim eramos felizes… nem pobreza nem miséria resistiam à nossa tão grande vontade de morder a vida com os dentes todos… que a vida vos tenha sorrido e no vosso jardim secreto, longe ou perto, floresçam lindas flores fruto do vosso ser, cheiro do que todos fomos, e que o vento passageiro um dia levou para longe mas que sempre estareis presentes na memória dos que convosco fizeram alguns passos no longo caminho da vida.



2 comentários:

Unknown disse...

Muito bonito o teu texto, António, parabéns! Era isso mesmo!

antonio disse...

Obrigado Unknown pela visita e pelos elogíos. Abraço