quinta-feira, 14 de maio de 2020

À descoberta

Por terras de ninguém
Poderiam chamar-lhe “ o passageiro da chuva” de René Clément, ou até o descobridor de terras já conhecidas, amadas e faladas, de onde se retiram pormenores que as tornam grandiosamente orgulhosas, pessoas que por lá nasceram, habitantes, e mesmo aqueles passageiros apressados, que não tem tempo nem sentimentos para desperdiçar, porque só se é jovem uma vez, e o tempo passa com uma rapidez medonha, deixando para trás um passado impresso em fotos pálidas, em notálgicas recordações desvanecidas, que ninguém quer ver nem ouvir contar, histórias que não embalam, poemas que não seduzem,” palavras, palavras, palavras” como cantava Dalida em dueto com Alain Delon.
Primeira visita a Lisboa para assistir ao casamento de um familiar, o “passageiro” tinha comprado, novinho “em folha”, aquele carro, verde-claro metalizado, pequeno, mas veloz, o que usavam as patrulhas de viação e transito, era um R5TS duplo carburador, que
 impressionava agarrando-se à estrada tal uma “caraça”, competindo com marcas de renome, e cilindradas superiores, era a sua pérola, a sua peça de estimação, que jamais o desiludiu. Chegados ao destino, em Benfica, por volta da uma hora da manhã, eram cinco os passageiros, acomodaram-se dentro para dormir, até que se fez dia, e o primo bateu nos vidros, com um sorriso matreiro nos lábios, e de uma voz terna brincalhona dizia: - “Ó ciganada, toca a levantar que o pequeno-almoço espera por vós”.  Não nos fizemos “rogados”, entramos para o apartamento de uma irmã, fomos ao quarto de banho lavar os olhos e mudar de “fatiota”, para assistir ao casamento, cerimónia que se realizou, se não estou em erro na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, por volta do meio-dia. Viemos almoçar a Benfica num restaurante do conhecimento dos noivos, por volta das duas horas da tarde. Como é costume nestas circunstâncias, o repasto copioso foi demorado, e o convívio fraternal entre familiares e amigos, prolongou-se pela tarde fora, falando-se de coisas insignificantes, simplesmente para animar os ânimos e guardar nas memórias para a posteridade. Chegou a hora de regressar à pacatez da terra, e a discórdia instalou-se, querendo uns passar pelo Santuário de Fátima, e
outros que já tinham visitado, voltar diretamente para casa. Chegou-se a um consenso, um dos dois automóveis passava por lá, o outro regressava diretamente. Desagradado o passageiro, carregava no acelerador, e o R5 bateu mais um recorde efetuando o trajeto em pouco mais de quatro horas.
Segunda visita a Lisboa, no ano seguinte, uma viagem imprevista, insensata, fora do contexto alargado pelas festividades da Aldeia nesse mesmo fim-de-semana, evento que o “passageiro” jamais perderia, não fossem os incentivos dos amigos, aventureiros, obstinados, amantes da descoberta louca, do imprevisto.  À partida eram cinco, mas um deles foi obrigado pelos pais a desistir. Descíamos para o pocinho, no R5 como é óbvio, e vimos ao lado esquerdo uma vinha com uvas já a pedir para serem cortadas. – Que refresco “pá”, para… - mas ninguém se queria aventurar com receio de o dono se encontrar escondido, e quem sabe com uma arma de fogo apontada? Mas as uvas estavam ali, como a sorrir, pedindo que as comessem… finalmente dois mais corajosos saltaram a vedação e rapidamente colheram umas uvitas que mal davam para todos. Era já noite quando passamos Coimbra, mas a margem do rio expandia uma beleza singular, embora os passageiros não tivessem muito tempo para admirações. Já bastante tarde, na Nacional 1, seguíamos alegres fazendo gestos de adeus sempre que ultrapassávamos outro automóvel, quando outro R5 se colocou na segunda fila acompanhando-nos e
desafiando-nos. – Olha o pardal! – Disse um dos passageiros, parecendo incomodado com o automobilista que por certo se julgava imbatível com a sua máquina transformada. – Deixa que eu dou-lhe já uma lição disse o “passageiro” , começou acelerar para ver a reação do outro…acelerou mais um pouquinho e o outro ia ficando para trás mesmo na fila de esquerda. Este jogo durou durante algum tempo, passava ele, passava o “passageiro” , a uma velocidade que rondava os 165km até que por fim resolvemos deixá-lo para trás atingindo o R5 verde os 180km hora, e só quando estávamos chegando ouvimos o apito daquele que não compreendia como dois carros iguais atingiam velocidades diferentes.
Chegamos sexta-feira de madrugada, e mais uma vez dormimos dentro da viatura até que se fez dia. Quatro turistas improvisados dispostos a descobrir todos os cantos da capital. O R5 parecia conhecer a cidade como a aldeia de onde era oriundo. Também o condutor se sentiu como o peixe na água, transitando de Benfica ao largo do rato, onde se situava o guia um policia familiar, que nos acompanhou dia e noite, do Rossio, portas de santo antão, ao castelo de são Georges, praça de espanha, percorrendo a avenida da república até à Portugália onde saboreamos mariscos e acabamos a noite já bem animados. No dia seguinte, à noite fomos à festa do avante, de onde voltamos cerca das três horas da manhã, e como já não havia transportes, “encafuaram-se” 9 pessoas dentro e por cima do famoso R5, mala inclusive, de porta levantada , atravessamos o parque Monsanto e na descida para Benfica, os que iam assentados na frente, caíam e voltavam a subir, até que chegamos ao destino. Aventureiro o “passageiro” e o seu R5 não se ficaram por aqui nas aventuras pelo País fora…  (continua.)                                                                                                                                                    



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