O Alfredo trabalhava, desde pequeno no campo. Estudar não
era o seu incito predileto. Tendencialmente virado para engenhos, sempre com
dedicação e empenho, vivia feliz, naquele mundo aprazível onde podia manifestar
o seu interesse incondicional, uma libertinagem saudável, e um desejo profundo
que lhe trazia alegria e felicidade. Foi contratado para trabalhar na herdade
dos avós de José, uma grande quinta, lá para os lados de Chaves. Natural de
Marco de Canaveses, onde residiam ainda seus pais e mais cinco irmãos, adorava
a sua terra de beleza singular e costumes que trazia bem guardados no coração.
Porém, encontrar trabalho na região tornou-se complicado e quando viu aquele
anúncio no jornal, encheu-se de coragem, mas de coração apertado, por ter que
deixar para trás momentos inesquecíveis da sua infância, a família que tanto
amava, os amigos com quem cresceu, resolveu num impulso apresentar-se à
entrevista marcada para sexta-feira 13 de agosto. Entrou para o seu velho
carro, um Opel corsa com mais de vinte anos de existência, pôs o velho ponto
azul a funcionar, e quando tinha já percorrido uns setenta kms, a velha máquina
começou a soluçar, não porque tivesse também pena de deixar a terra, mas por
supostamente uma avaria qualquer.
-Mau, Maria… murmurava o Alfredo, enquanto descia para
ir ao motor ver o que se passava
O fumo saía como de uma cheminé de um comboio a carvão, o
que era mau presságio, mas como era engenhocas, verificou que lhe faltava água,
por conseguinte só lhe restava ir à procura, naquele ermo perdido. Andou cerca de
cinquenta metros a sul por mato denso, e de repente chegou-lhe aos ouvidos o
som de um ribeiro não muito longe, Encheu um garrafão plástico que andava
solitário pela mala, voltou e refrescou o motor da velha carcaça, a qual precisou
de várias tentativas para começar a trabalhar. – Bonito! Exclamava enquanto
seguia viagem. Tinha percorrido poucos kms quando se depara com uma enorme vara
de javalis que ocupavam toda a estrada. – Olha estes! Saiam daí que tenho
pressa…
Só uma hora depois os animais, talvez já esfomeados
resolveram, deixar a estrada mediante a satisfação do automobilista.
- Já não era sem tempo! Olha o relógio e reparou que estava
atrasado para entrevista. Contudo acelerou para ganhar uns minutos, e numa
curva mais apertada, encontrou-se com uma máquina agrícola de grandes dimensões
que o obrigou a sair da estrada para evitar o embate frontal. Saiu ileso do
acidente mas o automóvel teve de ser rebocado para chaves e o pobre Alfredo
acompanhou-o- Porra!.. – Gritou ao lembrar-se – hoje é dia de azar…
Chegou à entrevista já passava das 15 h o que deixou mal
dispostos os Avós de José, que por acaso também se encontrava na herdade de
visita. Após numerosas e detalhadas perguntas, com uma ajudinha do neto,
chegaram a um consenso, que se efetivou naquele dia mesmo, já que o rapaz tinha
contado as suas aventuras para chegar até ali, e não tinha carro para voltar a
casa. Foram-lhe mostrados os aposentos nuns anexos junto da herdade, com
cozinha, sala de banho, quarto mobilado e o mais necessário para as suas comodidades.
Os dois rapazes simpatizaram um com o outro logo nas
primeiras aproximações, e sempre que José tinha uns dias de férias, vinha
visitar os avós, os quais repararam que o fazia mais frequentemente que de
costume. Não se iam queixar, pois adoravam o neto e era recíproco o afeto.
Um dia, na casa dos seus pais, encontrando-se só com a mãe,
aproveitou para lhe revelar que simpatizara com uma rapariga na faculdade, que
saiam, e até já se tinham beijado.
- Isso é normal meu filho… quem é ela? Pertence a boa
família?
Não sei. Nunca entramos em pormenores referentes aos
familiares.
- Mas devias informar-te filho! Há por aí tanta gente a
querer aproveitar-se…?
- Mas eu acho que gosto da Cindy…
- Gostar não basta… mas fica sossegado que eu vou tentar
informar-me.
- Já nos beijámos, e…
- Também é normal. És um homem e como tal, não seria
conveniente se fosses atirado por homens, para além da vergonha da família, e
da necessidade de teres um herdeiro, que o Estado não se demora a levar o que
lhe não pertence.
José ficou mergulhado em reflexões, pensamentos que o
martirizavam, não conseguia encontrar a sua verdadeira identidade, e o que era mais
conveniente, teria de ser posto em prática, independentemente dos custos
futuros. Iria formar-se magistrado, e como tal, sacrificaria tudo quanto fosse
necessário, mas jamais dececionaria a sua família, e uma profissão prestigiosa.
(continua)
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