domingo, 12 de julho de 2020

Envelhecer

 O envelhecimento é um dos fardos mais pesado que a vida legou, aos que não tiveram percalços, na diversidade dos caminhos pelos quais enveredaram, até chegarem à encruzilhada final. O tempo, que sempre os acompanhou, deixou marcas estampadas nos rostos achavascados pelas rusgas, sinais de tempestivas passagens, em dias de calor tórrido, ou em noites cortantes pela aragem glacial, que passava e barria, sem dó nem piedade, tudo o que lhe aparecia pela frente, deixando impregnadas e bem visíveis, marcas que os acompanharão até à última morada. Os cabelos foram caindo pelo a pelo, tão numerosas foram as dores de cabeça, para trazer o “cibaco” aos filhotes, que de bico aberto, esperavam esfomeados… E, quando o brilho daqueles complacentes olhares surgia timidamente como reflexo de felicidade, abandonavam o ninho, sem se voltarem para trás, esquecendo tudo, mesmo heranças materiais e sentimentais, cujo valor só lhes acarretava problemas e dificuldades. Como pode um coração, que outrora bateu ao ritmo do amor estagnar? Os seus batimentos têm hoje o sentido das contas bancárias, levando ao limite do imaginário, ações indignas, comportamentos descabidos, atos ignóbeis, que mais tarde pagarão, quando já estiverem arrependidos, sendo tarde demais.
Contava-me a tia Alice, saboreando a sombra das parreiras junto à sua humilde casinha, já caminhando para os noventa anos, cravada de doenças, algumas delas talvez imaginárias, mas que a apoquentam e combate com veemência e coragem dia após dia.
Situando-se na sua juventude, elogiava os preceitos de alguns rapazes, mais ou menos da sua idade, como sendo os melhores dançarinos da terra adotiva, porque ele era natural de Podence. - O Toninho dançava bem, e o Isaías era um as, assim como o Feliz (nomeada) mas, esse tinha uns pés muito grandes, e abalroava as raparigas e também era muito gordo…
- Um dia fomos todos à festa de Pombares. Eramos uns doze ou mais. A pés, subimos até Espadanedo, Bousende; atravessamos a serra, e há hora da chegada da banda de Pinela já lá estávamos. Tínhamos lá família, tanto é que os de Podence também vieram. O santo que se festejava, (creio ser o São Cristóvão,) um santo que não olha para a frente, porque era marinheiro pescador, e Deus deu-lhe a função junto de uma ponte para passar às costa, os homens para o outro lado. Já tinha passado dois , três, até que lhe apareceu um que ele já não queria passar, pois já tinha passado dois e três e agora ia só com um? Contudo carregou o sujeito, franzelinho, mas que pesava que nem mil diabos. Era Deus e como castigo da sua recusa recebeu a obrigação de olhar sempre para o lado
- Comemos e bebemos todos os convidados, eu, a Maria Madalena, o Toninho, Isaías, e os Torres mais os de Podence, fomos para o arraial. Aí gerou-se uma confusão com os melhores dançarinos, até que se desafiaram o Isaías e um de Podence que escolheu dançar com a irmã que dançava maravilhosamente. No final ganhou o de Podence, mas o Isaías também merecia só que não tinha um par à altura. Aí dormimos numa sala grande com um cobertor por cima, e no dia seguinte cá voltamos contentes e satisfeitos.
Eis a história de tempos idos contado com a maior das simplicidades, que traz de volta nostálgicas recordações, que a juventude nem sempre tem tempo para ouvir, porque sem interesse para eles, mas será que vão pensar sempre e só neles?
Pombares é uma pequena aldeia no cimo da serra, que sempre pertenceu à paróquia de Rebordainhos, pelo que o Pe. João todos os fins-de-semana
mandava-me preparar o cavalo com o qual fez centenas de vezes o percurso com chuva neve ou sol dormindo na casa do Sr. Brinço para no dia seguinte celebrar. Eram grandes amigos, e muitas foram as vezes em que comemos na sua casa e ele na do Pe. João. Gentes simpáticas e humildes, que vivia exclusivamente da agricultura, nuns cantinhos férteis que os dignificavam.
Hoje pertence à união de freguesias de Rebordainhos, terra pela qual tiveram sempre grande estima e consideração, e reciprocamente. Também eu alimento um grande carinho por esta terá e suas gentes por diversa e variadas razões.




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