Dia de sorte:
ficção
Era sexta-feira, dia treze de Agosto, para uns sinónimos de
má sorte, para outros de boa sorte, mas não há boa nem má, assimilamos
simplesmente os fatos aos acontecimentos, dos quais extraímos,
convenientemente, desejos e vontades, que se enquadram nos caixilhos que
previamente preparámos, ou a moldura é pequena demais…
O José, trabalhava numa fabriqueta de sonhos, daqueles que
aparentam ser o que jamais serão, mas que cativam a juventude, como é costume
dizer: “ nem tudo o que reluz é ouro”?
A sua infância foi dourada. Filho único, de uma família
cujos progenitores, também eram filhos únicos, pai arquiteto e mãe médica, foi
criado e embalado em berços de ouro, por um pai discreto, distante, frio, e uma
mãe galinha cujo” slogan”: a distância é o fascínio do amor, de Corrado Alvaro,
que é como quem diz: sempre por perto, sempre vigilante, fazendo por ele
escolhas, opções, minando-lhe a autonomia desde a sua mais tenra idade, para o
bem de não se sabe quem, consciente e convicta de que as vivências protocolares,
trariam de volta o resultado esperado, como se o destino de um ser humano
pudesse ser alterado, de uma barafunda medonha, um cortar de “voadouros “em
tempo útil e necessário para deixar o ninho.
José nunca teve aqueles amigos que tanto desejava ter, nem
na primária, nem na secundaria, e muito menos na faculdade, porque apenas
contactava com eles nas aulas, acatado num canto discreto, sempre de olhar fixo
no vazio à procura da sua verdadeira identidade… via os rapazes da sua idade
jogar à bola, de mãos dadas com raparigas, ou em grupinhos dos quais ele se
sentia excluído. A porta de sua casa esteve sempre fechada para os que tentaram
aproximar-se dele, tornando as relações de amizade distantes daquilo que
supostamente costuma acontecer, sobretudo na idade da adolescência… tinha já
dezassete anos, e, as relações amorosas dos seus colegas deixavam-no
apreensivo, com a pergunta que mentalmente se fazia todos os dias: Serei eu
diferente? Mergulhava novamente em profundas reflecções e sentia o seu corpo
arrepiar-se… um pequeno suor invadia-lhe o dorso, e aqueles olhos meigos e
ternos, inundavam-se num silencio enternecedor. Naquele dia chegou a casa
triste, o que não passou despercebido à sua mãe, que vigiava permanentemente
todos os seus gestos e atitudes. Subiu ao seu quarto no andar de cima, e
suavemente deu três pancadinhas na porta. – Entre – respondeu uma voz magoada
do interior.
Que tens Zezinho – perguntou a mãe com certo enfado
Assentado na beira da cama, com uma das mãos segurava o
queixo, cabisbaixo, apenas respondeu:
- Não é nada… coisas minhas, não se preocupe mamã.
- Como não me devo preocupar vendo-te entrar em casa triste
e nem sequer me vieste dar o beijo de costume…
- Desculpe mas… tenho já dezassete anos, e vivo como um miúdo
de onze… sem amigos nem amigas, não convivo com ninguém, passo o meu tempo
daqui para a escola, e da escola para aqui, estudo, janto e deito-me. Acha que
sou um rapaz normal?
- Claro que és. Anormais são aqueles que vadiam, não
aprendem, e não tem educação nem notas para tirar um bom curso.
- Então para si a vida resume-se ao que acaba de citar?
- Claro que não. Mas… para o resto tens ainda a vida toda
pela tua frente…
Mais uma vez a mãe arranjou argumentos para calarem o
desespero de um jovem que não pensava por ele, que não decidia por ele, que não
vivia no seu verdadeiro corpo, que sentia que alguma coisa diferente o
habitava, mas não podia gritar o desconforto, nem mesmo confidenciar, com
receio de chegar à conclusão que o martirizava, tantos eram os índices que
apontavam na mesma direção.
Entrou na Universidade de direito, com aspirações de
magistratura, proeza que orgulhava os progenitores, mais manifesta na mãe
depois de tantos esforços. Mas a sua maneira de viver continuava a mesma.
Tinha-se já conformado e acomodado com este in viver, tirara a carta de
condução e os pais ofereceram-lhe um carro á sua escolha. Escolheu uma marca
reputada estrangeira, topo de gama, de cor azul claro e uma potência que lhe
trazia alguma adrenalina, e um pouco de liberdade nas suas deslocações.
Andava no terceiro ano, quando começou a simpatizar com uma
rapariga que vinha assentar-se à sua mesa no restaurante da faculdade. Era uma
rapariga jovial, e falava com frontalidade, e à força de tantas conversas, a
rapariga começou a sentir um fraquinho pelo Zé pacato. Tomou as rédeas dos
acontecimentos e chegaram ao primeiro beijo, ao escurecer de uma noite
estrelada e céu limpo. Apercebeu-se do embaraço do rapaz por não saber beijar,
mas, não manifestou qualquer desconforto tentando guiar ela que já tinha
experiencia. O José sentiu pela primeira vez na sua vida o efeito de uma
relação amorosa e apesar de não desgostar, algo ou alguém o puxava para as
reticências, teria de falar com a mãe.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário