terça-feira, 22 de setembro de 2020

FELICIDADE

Felicidade.

Tinha dado o primeiro grito, num quarto pequeno e tristonho, na casa de pessoas modestas, e a mãe depois de tanto sofrimento ainda teve alento para dizer:  - que felicidade meu Deus!

Era o “caçula” de cinco, mas Deus assim o quis – dizia a mãe quando aqueles mais atrevidos ousavam fazer-lhe observações deste género: - Já tinhas quatro chegavam-te bem…

Aquela mulher lutadora e muito católica não queria ouvir falar de contracetivos, receava que tudo se viesse a pagar um dia mais tarde, quando os olhos se fechassem de vez… O marido trabalhava no campo, nunca quis sair da terra onde nasceu. Via os emigrantes voltarem com grandes carros, asseados e orgulhosos de gastar incomensuravelmente, tostões amealhados para passarem as férias de verão escapulindo-se por uns dias , tão esperados e desejados, ao stress diário, em países, embora bem integrados, mas o bichinho roía, roía, e só depois de passarem a fronteira, parava de roer, e não sentia inveja, pelo contrário dizia sempre:  - que deus vos abençoe e vos faça felizes…

Nesta casinha nunca faltou o pão na mesa, a batata, feijão  o vinho e o isco caseiro, coelho, frango, e de vez em quando, sobretudo na venda dos cereais, castanhas, uvas ou azeitona, a chã de vitela comprada no talho e dividida por várias refeições.

Dois dias após o nascimento, o tio Francisco entrava no registo civil onde já era conhecido pelos funcionários, que num sorriso matreiro observaram: - Já outro tio chico?

- Outra – respondeu este com a humildade que o caracterizava.

- E desta vez onde foi pescar o nome?

- Vai chamar-se Felicidade… da Purificação Alvarenga Albernaz.

Ouviram-se espontaneamente gargalhadas no estabelecimento, e o homem olhava-os com um ponto de interrogação, que atenuou aquele galhofar de quem não tem capacidade para compreender decisões de cidadãos que pagam com seus impostos o salário destes funcionários públicos… porém o tio chico, não disparatava com ninguém, humildava-se sempre com uma capacidade indiscritível, perdoando as ofensas, e controlando como ninguém, um saber estar, que muita gente gostaria ter.

Felicidade foi crescendo mimada carinhosamente pelos pais, mas sobretudo pelos irmãos, que não se cansavam de a ter nos braços, quando voltavam da escola, e do Fausto, o mais velho que já andava no liceu, mas ia e vinha todos os dias na camioneta, para ajudar o pai nas fainas da lavoura. Era uma menina linda! Cabelos loiros encaracolados que brilhavam como o ouro, quando os raios de sol da manhã se focavam na sua cabeça como se fosse obram do divino espirito santo… um sorriso de anjo, e mãozinhas brancas como a neve. Começava a dar os primeiros passos, e a madrinha, escolhida na mesma família, uma irmã da mãe que tinha um estatuto social melhor que o deles, ofereceu-lhe uns sapatinhos cor-de-rosa, que lhe iam muito bem com o vestido da mesma cor que uma alma bondosa lhe tinha doado. Esta família não mendigava o que quer que fosse, trabalhavam duro durante toda a semana mas o Domingo era sagrado, não se fazia nada, até os animais eram alimentados no sábado… Se o tempo estivesse bom, metiam uma merenda dentro dos alforges que um burrico preto transportava até junto do rio onde se instalavam grande parte do dia a comer, brincar, e conversar dos acontecimentos semanais dentro da família. A vida dos outros não era para lá chamada. Faziam projetos para o Fausto se quisesse continuar os estudos, e a felicidade reinava no coração dos de casa e fora, chegando alguma gente a ter ciúmes… continua»»

 

 

 


 

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