segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Dia de todos os santos


 

Levantamo-nos de manhã a refletir no que durante a noite, enquanto o vento soprava, e as gotas de chuva amorteciam levemente nas telhas, as quais servem de cobertura aos prazeres mundanos e aos infortúnios desventurados, nas viagens que o nosso pensamento percorreu, enquanto as insónias nos obrigam a martirizar o aconchego de um leito isento, despreocupado, tentando aquecer um corpo cansado, ou apenas saturado com as rotinas que se vão alongando como esticadores. Brevemente teremos o dia dos fiéis defuntos, e mesmo que alguns se encontrem na rota da traição, serão perdoados, porque as boas recordações superarão, as horas de fraqueza, os momentos de tentação aos quais nenhum ser humano consegue resistir… as nostálgicas recordações surgem na escuridão da noite, e agarram-se como ímanes ao nosso pensamento, percorrendo os diversos ciclos da nossa vida. O que foi escrito com letras invisíveis, para que a fé e a esperança reinassem ao longo dos caminhos, longos ou curtos, sinuosos, ou lineares, um destino sem datas nem horas, sem compaixão, seguindo o critério do somos todos iguais…

Esta é a realidade à qual ninguém pode fugir, mas, pesa-nos tanto o que julgamos serem injustiças! Lembro-me tantas vezes daquelas pessoas que me foram tão queridas, que me ajudaram a caminhar, percorreram trajetos ao meu lado, alguns servindo-me de exemplo, outros de canadiana para poder avançar, com carinho e com amor, um sorriso nos lábios mesmo com peso nos ombros, um coração aberto onde me foi acordado depositar grande parte do meu viver, como um cofre-forte que ninguém conseguia abrir, sem pedirem nada em troca, por amizade ou amor, porque eram bons e grandes, fieis vivos, que hoje gostaria homenagear, porque antes nunca temos tempo, porque nos falta a coragem para soltar o que transportamos na alma, ou simplesmente porque adiamos sempre para o dia seguinte, para quando é demasiado tarde, porque o sol deixa de brilhar e a escuridão da noite veio sem avisar, sem sequer um abraço nós pudéssemos dar… meus grandes amigos, meus irmãos, hoje posso dizer-vos sem corar, que o que partilhamos era amor, era carinho, era também a dor, que hoje quando visito essa casa onde viveis, e vejo vossas fotos coladas na pedra fria, sinto apenas a alegria com a qual a vida nos brindou, uma paz que não consigo neste leito onde me deito, nem adormecer para juntos sonharmos… Também vós meus queridos pais eu necessito homenagear, gostaria oferecer-vos o que nunca tivestes, mas para que vos serviria? Se eramos tão felizes assim! Vivemos sempre na humildade distribuída por pais filhos netos, e aqueles que pela casinha passaram e a porta esteve sempre aberta, e o pouco que existia bem dividido chegava para todos… naquelas pequenas escadas subiram pessoas que hoje te lembram, minha querida mãe, como uma pessoa de coração nobre, de afeto incomparável, de carinho e de amor, de paixão pelas raízes, uma pessoa fabulosa, a melhor mãe do mundo.

António Brás Pereira



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